segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Crise, Revolução e Traição!


Com o testemunho de 122.001 torcedores que lotavam o Maracanã no fim da tarde de 19 de julho de 1992, o Flamengo empatou em 2 a 2 com o Botafogo e conquistou o Brasileirão. Para o clube, era seu quinto campeonato nacional. Por isso, o capitão rubro-negro Júnior ergueu a Copa Brasil como se tomasse posse definitiva do troféu. Para a CBF, porém, era apenas o quarto título flamenguista e a taça continuaria à espera do primeiro pentacampeão nacional. Diante do impasse, a famosa peça de bolinhas criada pelo artista Maurício Salgueiro foi tirada de circulação e até hoje não tem dono.

A falta de um destino para esse troféu parece uma questão menor, mas dá um bom sinal de como as autoridades até hoje não equacionaram a disputa entre Flamengo e Sport para definir o campeão brasileiro de 1987. Uma história que muitas vezes é reduzida à validade de um cruzamento entre os melhores do Módulo Verde (formado pelos grandes clubes) com o do Amarelo, mas que envolveu briga política, mudança de regulamentos e até traição.

Capítulo 1: CBF em crise institucional
Na metade da década de 1980, já não havia mais condições de manter os Brasileirões inchados, com até 94 participantes. A própria CBF determinou que, em 1987, o campeonato seria reduzido para 24 clubes, definidos pelas posições na segunda fase do torneio no ano anterior. Seria simples, se os problemas não começassem ainda na Copa Brasil 1986.

No final da primeira fase, o Joinville pediu os pontos do empate em 1 a 1 com o Sergipe alegando que um jogador do adversário foi pego no exame antidoping. O CND (Conselho Nacional de Desportos) contrariou a CBF e determinou que os catarinenses tinham a vitória, o que agradou ao então ministro da educação Jorge Bornhausen. A decisão, porém, tiraria da segunda fase o Vasco. A confederação ainda envolveu a Portuguesa na discussão e, para agradar a todos, nenhum desses três clube foi eliminado. Pior, sob influência do chefe da Casa Civil, o pernambucano Marco Maciel, foram abertas mais três vagas na segunda fase, o que beneficiou Náutico, Santa Cruz e Sobradinho-DF.

A falta de autoridade da CBF para impor suas decisões não era gratuita. A entidade vivia grande confusão administrativa desde a eleição à presidência da entidade no início de 1986. Nabi Abi Chedid e Medrado Dias eram os candidatos e havia a expectativa de empate. Se isso ocorresse, Dias seria eleito pelo critério de idade. Assim, momentos antes da votação, Nabi inverteu a chapa com seu vice Octávio Pinto Guimarães, mais velho que o concorrente. Guimarães venceu por um voto e assumiu a presidência da CBF.

Esperava-se que Guimarães fosse presidente apenas formalmente, pois o comando seria de Nabi. “Cheguei a participar de uma reunião que discutiu se Guimarães deveria renunciar meses depois de assumir”, revela Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo na época, em entrevista à Trivela. Isso não ocorreu e o presidente eleito resolveu fazer valer seu poder, o que desagradou o vice. Sem comando forte, o poder da CBF se deteriorou rapidamente. Os reveses se acumulavam – incluindo a derrota para Estados Unidos e Marrocos na concorrência para sediar a Copa de 1994 – e até a situação financeira da entidade era delicada.

Capítulo 2: nasce o Clube dos 13
Enquanto a CBF estava à deriva, os clubes já se organizavam para fazerem valer seus interesses. No caso, a maior preocupação era fazer lobby para incluir na pauta da Assembléia Constituinte – que se formaria em 1988 – um artigo que lhes desse autonomia de organização e funcionamento. A campanha foi bem sucedida e a união de clubes ganhou força. Em abril, Flamengo e São Paulo se negaram a ceder seus jogadores para uma excursão da Seleção Brasileira à Europa e tiveram respaldo do CND. Márcio Braga, presidente do Flamengo na época, saiu da reunião que anulou a convocação da Seleção dizendo, triunfante, que era o “fim do autoritarismo no futebol brasileiro”.

Em junho de 1987, Octávio Pinto Guimarães anunciou: “a CBF não tem condições de organizar o Campeonato Brasileiro deste ano”. O motivo era a falta de dinheiro para arcar com as viagens dos times e outras despesas da competição. Sob o risco de ficar sem a competição que já era a mais importante do calendário, os grandes clubes resolveram tomar as rédeas da situação. “Liguei para o Nabi e perguntei se era sério o que o Octávio falava. Ele disse que era e ‘deu a bênção’ para que organizássemos o campeonato se quiséssemos”, conta Aidar.

O dirigente são-paulino propôs a comandantes de outros times tradicionais a formação de uma associação de clubes para organizar o Brasileirão. Foram convidadas as equipes mais tradicionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Para evitar o rótulo de elitista, também foi convidado um representante do Nordeste, o Bahia. Assim, surgiu a União dos Grandes Clubes Brasileiros, conhecida como Clube dos 13. O presidente são-paulino passou a comandar também a associação.

Capítulo 3: a Copa União ganha forma
Quando foi formatado o novo Campeonato Brasileiro, a intenção foi transfornar a competição em um grande produto para o mercado. O principal atrativo era haver apenas confrontos entre clubes de grande torcida. Por isso, não houve critérios técnicos para a definição dos participantes. Guarani e América-RJ, pela ordem, vice-campeão e semifinalista no ano anterior, foram preteridos. “Nossa idéia era romper os vínculos com modelo antigo do torneio, começar uma nova história”, comenta Márcio Braga, presidente do Flamengo. “Priorizamos os clubes que viabilizariam financeiramente uma competição à beira da falência”, acrescenta.

Ainda assim, o Clube dos 13 contava com o apoio da CBF. “A única exigência da entidade para oficializar nosso Campeonato Brasileiro foi a inclusão de mais três clubes de outros Estados”, comenta Aidar. Assim, foram chamados Coritiba, Santa Cruz e Goiás, clubes mais populares e donos de melhor histórico nacional entre paranaenses, pernambucanos e goianos na época. Novamente, não se podia falar em critérios técnicos, pois o Coritiba não era campeão paranaense (perdera o título para o Pinheiros) e fora 43º na Copa Brasil de 1986.

Com participantes definidos, o Clube dos 13 correu atrás de apoio financeiro. João Henrique Areias e Celso Grellet, diretores de marketing de Flamengo e São Paulo, comandaram o projeto comercial. O torneio foi batizado de “Copa União” para ter uma marca que enfatizasse a nova fase do futebol brasileiro e pudesse ser licenciada por diversas empresas. Além disso, a organização obteve o patrocínio oficial de Rede Globo, Coca-Cola e Varig.

A Coca-Cola colocou seu logotipo nas camisas de todos os clubes que não tivessem patrocinadores (apenas Flamengo, Palmeiras e Corinthians tinham contratos a cumprir) e no círculo central do gramado (depois, a Fifa vetou essa idéia e a marca ficou dentro dos gols). A Rede Globo transmitiu o campeonato com exclusividade, com a permissão de passar as partidas na cidade em que eram realizadas. A condição era que, minutos antes de a rodada começar, a emissora fizesse um sorteio de qual jogo seria visto por todo o país (o que gerou a curiosa situação de, em uma tarde com São Paulo x Corinthians e Flamengo x Fluminense, o Brasil inteiro viu Bahia x Goiás, que acabou sendo a despedida de Mário Sérgio).

Capítulo 4: traição, e a CBF volta à cena
A forma como surgia a Copa União deixou vários clubes descontentes. Os líderes do movimento eram América-RJ, Guarani e Portuguesa se sentiam injustiçados, pois teriam direito de estar na elite pelo desempenho no Brasileirão de 1986. “Não dá para aceitar um Campeonato Brasileiro em que os clubes grandes viram a mesa só porque não querem dividir o torneio com ninguém”, brada Homero Lacerda, diretor de futebol do Sport e presidente do clube em 1987. “Os dirigentes de todos os outros clubes sempre foram contra essa atitude autoritária do Clube dos 13 na época.”

O sucesso comercial da competição organizada pelo Clube dos 13 também saltou aos olhos da CBF. Desse modo, a entidade decidiu organizar uma competição com 16 clubes que estavam de fora da Copa União. Usou como critério a classificação do Brasileirão de 1986, apesar de deixar de lado a Ponte Preta em favor do Sport, e conseguiu o apoio do SBT. Depois, a CBF mudou seu discurso e deixou de considerar a Copa União como o Brasileirão. Naquele momento, o torneio dos grandes seria o Módulo Verde e o outro, o Amarelo. Os dois melhores de cada módulo se enfrentariam para definir o campeão nacional.

O Clube dos 13 decidiu boicotar o cruzamento. No entanto, a CBF contou com um apoio de dentro da união de clubes. “O Eurico Miranda era vice-presidente de futebol do Vasco e ficou como nosso interlocutor na CBF”, comenta Aidar. “Ele nos traiu e deu sinal verde para a CBF virar a mesa, mesmo contra a determinação dos outros 12 clubes de não fazer cruzamento com o Módulo Amarelo.” O Clube dos 13 não assinou o regulamento proposto pela confederação, mas já estava aberta a brecha para a confusão.

Os dois torneios caminharam e não se falava em cruzamento. Para a mídia, o título brasileiro se decidia na Copa União. O Flamengo conquistou o torneio ao surpreender o invicto Atlético-MG de Telê Santana na semifinal e ao bater o Internacional na decisão. O Módulo Amarelo teve percalços. Nem a possibilidade de cruzamento contentou América-RJ e Portuguesa, que decidiram boicotar o torneio. A Lusa voltou atrás posteriormente, mas os rubros, de fato, não jogaram uma partida sequer. No final, Guarani e Sport dividiram o título após empate em 11 a 11 na disputa de pênaltis.

Em janeiro daquele ano, a CBF impôs seu regulamento e determinou que seria realizado um mata-mata entre Flamengo, Internacional, Sport e Guarani. Flamenguistas e colorados confirmaram a decisão de boicotar o cruzamento e não compareceram às semifinais. Assim, Sport e Guarani fizeram a final, vencida pelos pernambucanos. As duas equipes representaram o Brasil na Copa Libertadores e foram oficializadas pela CBF como campeão e vice do país em 1987. O CND tinha outra visão e deu o título ao Flamengo. Anos depois, o Rubro-Negro de Recife ganhou o campeonato na Justiça.

Capítulo 5: legado
Não demorou para o Clube dos 13 se aliar à CBF e o movimento não teve continuidade. “Não chegamos a tomar o poder na época por falta de continuidade do caráter político do movimento”, avalia Carlos Miguel Aidar. Hoje, a associação de clubes tem como principal função negociar os direitos de transmissão do Brasileirão.
A confederação voltou a organizar o Brasileirão, apesar de o nome Copa União ter sido mantido em 1988. “A Globo apoiou com força o torneio de 1987 e se sentiu traída pelos clubes no ano seguinte”, afirma o jornalista Juca Kfouri, comentarista da emissora carioca na época e notório entusiasta da Copa União de 1987.

Ainda assim, não se pode dizer que o torneio não deixou seus rastros. A competição organizada pelos grandes clubes teve público médio de 20.877 pagantes, o segundo maior da história do campeonato nacional. Com o dinheiro vindo de patrocinadores, os clubes arrecadaram o equivalente a uma média de público de cerca de 40 mil pagantes. Ficou evidente a demonstração de força dos clubes, que ganharam mais voz nas discussões sobre o destino do futebol brasileiro.

Desde então, o principal torneio de clubes do país passou a prever sistema de promoção e rebaixamento (as exceções foram em 1993, com uma virada de mesa para resgatar o Grêmio, e em 2000, com a criação da Copa João Havelange após a batalha jurídica entre Gama e CBF). “O que era para ser uma revolução se transformou em uma transição, mas não deixou de ter sua importância histórica”, comenta o jornalista Celso Unzelte, pesquisador da história do futebol brasileiro.

O fato de sempre haver um asterisco quando se fala no campeão brasileiro de 1987 não abala o Sport, detentor de direito do título. “Essa confusão toda até foi boa para a gente, pois todos se lembram que somos os campeões de 1987. Ninguém fala no título do Bahia em 1988”, ironiza Lacerda. Para o jornalista Roberto Assaf, autor de três livros sobre a história do Flamengo, o fim da polêmica depende da CBF. “Enquanto a CBF não determinar que o Flamengo também é campeão de 1987, sempre vai se discutir a legimitidade da conquista do Sport.”

E o troféu Copa Brasil? Bem, quando foi criado, em 1975, ele teria posse definitiva do primeiro clube que conquistasse três Brasileirões consecutivos ou cinco alternados. Pelos critérios da CBF, até hoje a peça não tem dono. Pelo Clube dos 13, é do Flamengo. Para não aumentar a confusão, a confederação desistiu da taça, esquecida em um cofre da Caixa Econômica Federal no Rio de Janeiro.

OS ATORES DA PEÇA

Clubes grandes
Estavam dispostos a se unirem para ganhar autonomia e mudar a estrutura do futebol de modo que explorassem melhor seu potencial econômico. Aproveitaram a desistência da CBF em organizar o Brasileirão de 1987 e criaram o Clube dos 13.

Clubes pequenos
Alguns, como América-RJ, Guarani e Portuguesa, se sentiram prejudicados pela falta de critério técnico na definição dos participantes da Copa União e muitos falaram que era uma “virada de mesa”.

CBF
Com presidente e vice que não se entendiam, a entidade estava desgovernada, sem força política e em crise financeira. Não tinha mais condições de segurar a vontade dos clubes de se organizarem por conta própria.

CND
O Conselho Nacional de Desportos foi criado por Getúlio Vargas para regular os esportes de competição no Brasil. Era o meio de o governo interferir no esporte, mas, na metade da década de 1980, o CND era presidido por Manuel Tubino e tinha uma visão mais progressista, incentivando o aumento de autonomia dos clubes. O órgão foi extinto em 1993, no governo de Itamar Franco.

Patrocinadores
Globo, Coca-Cola e Varig viram na Copa União o primeiro Campeonato Brasileiro em torno do qual haveria uma grande mobilização nacional. Assim, apoiaram o Clube dos 13 e criaram diversas ações de marketing específicas para a competição.

UM PARA LÁ, DOIS PARA CÁ

A dança de clubes que participariam do Brasileirão de 1987 foi bastante confusa. Veja como seu time fez parte desse vaivém:

Pela Copa Brasil 1986, os seis primeiros de cada grupo da segunda fase teriam vaga no Brasileirão do ano seguinte. Com a briga na Justiça entre Joinville, Vasco e Portuguesa, a CBF determinou que seriam os sete primeiros de cada chave.

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América-RJ, Atlético-GO, Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Bangu, Ceará, Corinthians, Criciúma, Cruzeiro, CSA, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional-RS, Internacional-SP, Joinville, Náutico, Palmeiras, Portuguesa, Rio Branco-ES, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Treze e Vasco

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Com a desistência da CBF organizar a competição, o Clube dos 13 decidiu realizar seu próprio campeonato

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Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco

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O Clube dos 13 ainda convidou as três equipes mais populares de Estados que não tinham vaga na Copa União para tornar a competição mais nacional.

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Coritiba, Goiás e Santa Cruz

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A CBF decidiu organizar o Módulo Amarelo com os clubes que se classificaram entre os 28 da Copa Brasil 1986 e não estavam na Copa União. Ainda convidou Sport e Vitória.

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América-RJ, Atlético-PR, Atlético-GO, Bangu, Ceará, Criciúma, CSA, Guarani, Internacional-SP, Joinville, Náutico, Portuguesa, Rio Branco-ES, Sport, Treze e Vitória. Em protesto pela exclusão na Copa União, o América-RJ não disputou o Módulo Amarelo.

V

Para definir os 24 participantes da Copa União de 1988 (já organizada pela CBF), foram utilizados os participantes do Módulo Verde de 1987 e dos oito primeiros do Módulo Amarelo. A exceção foi o América-RJ, que ficou com a vaga da Internacional-SP como compensação pelo ano anterior.

V

América-RJ, Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Bangu, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Criciúma, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional, Palmeiras, Portuguesa, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória

Obs.: Reportagem originalmente publicada na edição nº 15 (maio de 2007) da revista Trivela.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Deus e a Serenidade... sua Maior Revelação!


O grande mistério que envolve Deus é sua revelação, exatamente por isso sua pessoa se institui nos locais mais enigmáticos e nos momentos mais terríveis, também por isso sua presença, mesmo distante de nossa visão por algum tempo, ainda nos comove e nos incomoda, bem como nos acomoda também, este é seu mistério. As situações da vida nos aproximam deste ser, nos coloca perante ele mesmo sabendo que ele sempre esteve por perto, mesmo sabendo que seu trono pode ter ficado vazio por um tempo, mesmo sabendo que sua presença pode ter passado desapercebida. E aí não o vimos, situação que nos traz a tormenta, a sublimação e a serenidade, e eis que como uma luz ele se nos revela, apesar de sempre ter estado por perto. Mas, mais que isso, junto com a serenidade nos aproximamos de Deus, sentamos junto a ele no trono, e nos colocamos frente a frente com ele, como iguais, apesar de algumas instituições pensarem isso como uma blasfêmia... aliás, até mesmo na blasfêmia ele se nos apresenta, nos deixando ainda mais intrigados.

Nosso maior problema é quando buscamos ele em locais errados, no entanto, também nestes locais sua pessoa se faz presente, também nestes locais sua resposta se apresenta, e nossa vida pode receber, ou não, esta sublimação. Se houve transformação, houve sublimação e serenidade... e sua principal morada é a serenidade.

Assim, sua onipresença pode nos deixar estarrecido, principalmente quando o procuramos em locais que, habitualmente, nossa mente e coração não concebem, por isso a cicatriz de nossa vida, e por isso também a busca constante por esta serenidade..., e, assim, os momentos ruins nos aproximam bastante deste ser, deixando-nos serenos perante a realidade da vida, porém, incomodados..., incomodados com a vida.

Muitos podem não buscá-lo nos meios convencionais (como as igrejas, por exemplo), como também podem ir nestes locais e não o ver devidamente (visto que um grande véu cobre nossa mente e nos deixa inebriados por algo que não convém, neste momento em específico), pois a mente está enevoada e a penumbra persiste. Por isso mesmo, ainda falta muito para entendermos o quanto nossa religiosidade está acima das religiões, sejam elas quais forem, e ainda mais, para compreendermos o que ele é realmente, e o que deseja de nós. E é este sentimento de religiosidade que nos coloca diante dele, mesmo sem sabermos se ele é realmente aquilo que a instituição determinou, ou se nossos olhos realmente estão vendo isso.

Por isso mesmo, nossa busca deve se concentrar em todos os momentos, mas será nos momentos difíceis que mais nos aproximaremos do encontro. Nos momentos difíceis é que essa nossa religiosidade se aflora e nos comove... assim, alguns são convertidos, outros são iluminados, ainda outros são colocados à prova. Aí sim, neste momento de convocação, nossa mente e coração estão preparadíssimos para conceber... seja sua força, seja sua ira.

Dessa forma, o importante, neste momento de serenidade, é saber receber bem estas emanações e como elas podem ser um instrumento de transformação em nossa vida. E creio que a grande transformação esteja justamente em poder encontrá-lo mais de perto, estando, para isso, mais longe de seu centro, mais longe de sua morada.

E, nesse sentido, as religiões são justamente este centro irradiador e nevrálgico, daí elas fazerem tanta diferença em nossa vida, como sei que pode fazer na de quaisquer pessoas, como também pode não fazer tanta diferença, visto que a serenidade já habita o ser, ou seja, a morada está ocupada, junto com ele... e as dificuldades da vida são justamente as emanações as quais me referi, e pelas quais precisamos saber passar.

Acho que é assim que as coisas são...
(Homenagem a uma amiga de longa data: para você QTP)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Leis "Naturais"


Quando falamos em lei natural, de forma automática, algo nos remete à natureza e suas leis infalíveis, ou mesmo ao homem e sua legalidade infalível; principalmente no que diz respeito à moralidade ora reinante e aos elementos sociais que constituíram, e ainda constituem, tudo isso. Nossos sentimentos, nossa noção de espaço, e também nossa naturalidade no que se refere aos dogmas da natureza humana, tudo isso, sempre nos faz remeter a algo inatual e perene... resta saber se a questão levantada é a mesma que os dogmas defendem, ou condenam.

A necessidade da natureza se torna, pela expressão “legalidade”, mais humana e um último refúgio do devaneio mitológico. (Humano, Demasiado Humano, II: § 9) Nossa humanidade, mais uma vez, se sobrepõe à naturalidade inerente às leis da natureza, ou ao menos, aquilo que assim constituímos, e até determinamos... não nós, mas todo o elementar peso do tempo e a poeira jogada sobre os mais variados – e insistentes – saberes e valores, principalmente aqueles que não dizem nada a respeito de nossa real – e valiosa – natureza humana.

A constituição do que é natural acaba sendo uma constante, e premente, repetição daquilo que temos de mais humano, e de mais errôneo e autoritário... nossa inegável capacidade (e também obtusa necessidade) de construir valores universais que devem se referir à toda humanidade; como se estes valores lhes (e a nós) fosse algo inerente e natural.

O ornamento e a enganação, nesse sentido, caem a nós como uma lei eterna, dogmática e extremamente autoritária, criando elementos cada mais vez mais problemáticos e universalistas; elementos que colocam em nossa natureza humana algo que é totalmente estranho e avesso à ela. Quem foi, então, que ornamentou este mundo à sua cara e semelhança? Quem que determinou à natureza – e suas leis naturais – essa caricatura de moralidade só de homens?

Um estranho enredo para um mundo cada vez mais universalizante e naturalmente humano.

Seção D'Outro!



O Terno

Depois de 15 anos sofrendo em cargos subalternos numa agência bancária de periferia, o manguaça foi promovido de repente a assessor especial da diretoria, e transferido para um prédio na região mais próspera da metrópole. Pêgo de surpresa, foi obrigado a renovar às pressas todo o guarda-roupa - e a comprar pelo menos um terno de grife capaz de frequentar os eventos sociais mais requintados da empresa. Com dor no coração, o manguaça espremeu o orçamento e parcelou em 18 meses um bonito e vistoso terno Armani. As parcelas mensais fizeram com que sua cachaça diminuísse pela metade, mas era por uma boa causa, pelo futuro profissional.

- Um espetáculo seu terno, Praxedes. Muito bom gosto.

- Obrigado, doutor Cardoso.

E assim, logo nas primeiras ocasiões em que vestiu a roupa, foi elogiado por todos, e especialmente pelos superiores. Mas sorria amarelo, pensando no desfalque mensal que o caríssimo e proibitivo terno havia lhe custado. Três meses depois, um colega de seção, todo cheio de dedos, o chamou para conversar.

- Praxedes, minha irmã vai casar com um alto figurão do governo, eu vou ser padrinho e não tenho roupa pra ir. Estou com muita vergonha de pedir dinheiro para o próprio noivo pra poder me vestir. Será que você não me empresta aquele seu terno?

- Ah, Medeiros, você vai me desculpar, mas não posso. Aquilo me custou uma fortuna, ainda tenho 15 meses pra quitar, morro de medo que aconteça alguma coisa.

- Por favor, eu prometo que nada acontecerá. Juro! Por favor, se precisar, eu ajoelho na tua frente!

Constrangido pelos suplícios do amigo, que já chamavam a atenção de outros funcionários, Praxedes, muito a contragosto, capitulou. Só impôs uma condição:

- Tudo bem, tudo bem. Mas faça uma coisa: use o terno apenas na igreja. Eu sei que na festa você vai encher os cornos e acabará me estragando a roupa, manchando de bebida e comida. Leve um terno seu no carro e troque depois da cerimônia.

- Pode deixar! Vou fazer isso. E depois mando seu terno na melhor lavanderia da cidade, vou te devolver melhor do que está. Muito obrigado! Você me salvou!

Naquele sábado à noite, enquanto rolava o casamento, o manguaça bebericava sua cerveja, encostado no balcão do português, com os piores pressentimentos possíveis. "Uma hora dessas meu terno já deve estar um trapo. E eu ainda tenho 15 parcelas pra quitar! Quem vai pagar? O próprio Medeiros admite que não tem um tostão furado no bolso! É o diabo, é o diabo!". Mas, na segunda-feira, o colega apareceu todo sorridente em sua mesa:

- Praxedes, você é mais que um amigo, é um irmão! Deu tudo certo. Usei seu terno somente na igreja, as fotos ficaram lindas. Depois me troquei no banheiro, guardei tudo direitinho e já enviei pra lavanderia. Na quarta-feira fica pronto e na quinta eu trago aqui no trabalho para você. Obrigado mesmo!

- Não há de quê - respondeu o manguaça, entre suspiros de alívio.

Na quinta-feira, porém, Medeiros não apareceu para trabalhar. "Justo no dia em que ia trazer a roupa de volta. Aí tem coisa! Eu bem que desconfiava", gemeu Praxedes, já temendo pelo pior. Mas calou sua preocupação, bateu o ponto, passou no português para beber a obrigatória e tomou o rumo de casa. No outro dia, ao chegar para mais um expediente, estranhou que, além de Medeiros, nenhum outro funcionário estivesse presente. Duas horas e meia depois, sem que ninguém tivesse aparecido, subiu dois andares e indagou os três ou quatro que ali se encontravam sobre o sumiço dos colegas.

- Ah, "seu" Praxedes, eles vieram mais cedo e tiveram que sair. Deixaram um bilhete para o senhor.

No papel, apenas um endereço. Nervoso e cada vez mais confuso com a situação kafkiana, o manguaça pegou o primeiro táxi que viu e se mandou para um subúrbio bem distante. O endereço era o de uma pequena capela. Ao entrar, viu de longe alguns de seus companheiros de repartição. E, antes que pudesse abrir a boca, notou, a alguma distância, um caixão circundado por quatro velas e muita gente chorando. Deitado, com algodões no nariz e as mãos entrelaçadas, Medeiros. Vestido impecavelmente com o seu bonito e caríssimo terno Armani. A família do defunto ficou muito emocionada ao presenciar o choro convulsivo e desesperado do manguaça. Nunca poderiam imaginar que um colega de trabalho demonstrasse uma amizade e uma dor tão fortes...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ondas de Heráclito!


Para se conhecer o mundo e nos conhecer, mais que uma observação imediata do que está sob nossos sentidos, precisamos também de história viva, pois sempre foi ela que fundamentou estes sentidos de agora. Assim, precisamos do passado, nem que este precisar seja para não repetir seus erros, revendo os fatos de outrora e repensando as atitudes de agora. Mas, mais do que isso, toda a construção psicológica, moral e política que nos antecede, já nos chega com uma outra história ainda mais antiga. Este é o ponto..., esta história mais antiga é o verdadeiro local a ser desvendado.

A observação imediata de si está longe de ser suficiente para aprender a se conhecer: precisamos de história, pois o passado continua a correr em nós em cem ondas; nós próprios nada somos senão aquilo que sentimos dessa correnteza a cada instante. (Humano, Demasiado Humano, II, § 223) A transformação que advém desse processo de construções imediatas de auto-conhecimento é sempre criar-se do antigo e intercedê-lo junto ao novo, são ondas que percorrem não somente o corpo, mas todos os sentidos ambivalentes que o corpo sente, estando no mundo. A felicidade por albergarmos algo novo neste universo antigo está em saber compreender onde está o problema e qual a possibilidade de se ter chegado a este problema, e ainda, saber reconhecer que o outro pode não estar tentando se construir tal como nós.

Mais que um problema, procurar uma solução e sentir em todo nosso ser o lambido destas ondas; ondas que a cada instante nos traz informações ainda mais distintas, em situações as mais variadas. Os resíduos vivos que estas ondas trazem ao nosso corpo e lambem nossa mente, podem ser uma proposição sempre nova àquilo sempre existente, ou àquilo ainda não-pensado, logo, simbolicamente não-existente.

Essa é a sabedoria que pouco a pouco se tornou amanhecida, mas apesar disso permanece tão forte e substanciosa quanto era outrora: assim como aquela, segundo a qual, para entender história, é preciso ir à procura dos resíduos vivos de épocas históricas (...), (§ 223) e o viajar, tal como Heródoto nos tempos antigos, é procurar por alguma coisa a mais que pó e mágoa; é procurar em cada cultura o que ela tem de mais vivo, vibrante e exótico. A procura destes resíduos vivos pode ser feita também nos hábitos deste nosso tempo presente. Pode ser vista na face de cada pessoa, em seus valores e, sobretudo, em seus preconceitos. Esta é a parte viva do tempo, a mesma que constrói história para além do passado.

Construindo-a sempre disposto a recomeçar, sempre disposto a destruir, para novamente levantar suas peças. A história deveria se vestir, sempre de novo, porém sem jamais se esquecer de olhar para trás, pois a indumentária do tempo é nova e viva, é velha e morta. Esta ambivalência e sua ambiguidade é a parte viva que nos falta neste eterno construir.

sábado, 6 de novembro de 2010

Viva a Trolha!


A divergência tem uma informação que nosso conhecimento não consegue perceber, e por isso mesmo, ela vale muito mais que a mera informação comunesca. Ela vale, por si só, como referência para o que virá depois..., seja que coisa for!

Por isso mesmo pequenas ações divergentes são necessárias, ou ainda, questões de costumes valem muito menos que imaginávamos, aliás, valem nada quando o que está em jogo é a elucidação do universo... do universo consciencial. A não ser que queiras abandonar sua liberdade espiritual, e se dedicar à escravidão mundana...

Agir, em questões do costume, mesmo que uma única vez, contra seu melhor entendimento; quanto a isso, abandonar-se à praxe e reservar-se a liberdade espiritual; fazer como todos e assim manifestar a todos uma gentileza e benefício, como que em reparação pelo que há de divergente em nossas opiniões: (...) (Aurora: § 149) e que essa divergência não fique disposta apenas a nós. Que esta divergência fique disposta a todas informações que queiramos mostrar ao mundo.

Pois, mais que qualquer coisa, nossa mentalidade deve ser sofrivelmente livre, uma vez que o sofrimento consegue fazer-nos humanos, e como possam soar as belas palavras, com que se canta para a consciência intelectual dormir: e assim este leva seu filho ao batismo cristão e ao lado disso é ateu, e aquele presta serviço militar como todo mundo, por mais que maldiga o ódio entre os povos, e um terceiro corre com uma mulherzinha para a igreja, porque ela tem uma parentela devota, e faz votos diante de um padre, sem se envergonhar, (§ 149) ao mesmo tempo em que professa uma fé, aliás, um dogma, que não diz respeito à sua vida, à sua liberdade espiritual.

E essa humanidade é a única garantia que temos para podermos dizer à nossa consciência o quanto nossa liberdade não se deixa recrudescer. Uma liberdade que não se deixa perder sua essência!

Quer-se muito agradar ao mundo, nem que para isso, desagrademos a nós mesmos...; e a trolha, quem aguenta ela? Esse é o problema, quando queremos agradar alguém... ninguém agrada a nós mesmos!

A sanção da própria razão... tão-somente ela, pode justificar esta situação. Se, nalgum momento, essa sanção deixa de ser algo incômodo, somos nós que a incomodamos... eu diria que este seria o caminho!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Melancolia de Passado...


Voltar no tempo, da mesma forma que nos faz acabar com alguns mitos, também nos deixa um pouco paranóicos com o passado, pois, este passado pode estar muito carregado, cheio de vícios. Ao mesmo tempo que é importante rever este passado, mais importante ainda é seguir adiante, aconteça o que acontecer, ou mesmo, acontecido o que tenha acontecido. Daí a importância de encarar esta situação como uma proteção, um reguardar das agruras do tempo.

De passado nada como pensá-lo com leveza, tirando de nossos costas, e do mundo, o peso que o mesmo algum dia foi e que ainda pode estar nos incomodando. O barco precisa zarpar, e o bom marinheiro é aquele que sabe o caminho a seguir, e ainda, conhece o caminho já havido.

Sua existência deve estar ligada a este pequeno retrocesso, sem que isso se torne um peso para si, ao contrário, é o retrocesso do ir adiante, do pensar para frente. Talvez assim, nossos gestos apareçam um dia como passo adiante. Quem percebe de modo claro o problema da cultura, sofre de um sentimento semelhante ao de quem herdou uma riqueza adquirida ilegalmente, ou ao do príncipe que governa graças às violências de seus antepassados. (Humano, Demasiado Humano: § 249) Precisamos nos livrar desta herança que, de uma certa forma, não nos pertence, deixando o mundo pesado, e as nossas costas doloridas. Esta riqueza advinda de tal herança maldita, neste sentido, não convém, muito menos tem alguma utilidade à cultura, à humanidade.

Pessoas que pensam com tristeza em sua origem, e com frequência tem vergonha e fica irritado. Todo o montante de energia, vontade de viver e alegria que dedica ao que possui é muitas vezes contrabalançado por uma enorme fadiga: ele não consegue esquecer sua origem. (§ 249) E ao chegar neste estágio, seu futuro (seu passo adiante) fica comprometido. É como se lhe faltassem energias para caminhar adiante, visto que este ir adiante pode ser, por vezes, muito pesado. Esta falta de energia deixa-nos fraco e doente, automaticamente, faz com que nos acomodemos com o que já está posto... e isso é retrocesso retrógado; e jamais um retrocesso para ir adiante.

Estas pessoas olham o futuro com melancolia; os seus descendentes, ele já sabe, sofrerão do passado assim como ele. (§ 249) Esquece-se que, assim como eu, os que virão depois de mim herdarão esta herança maldita. Criaram maneirismos de tempo; maneiras que se repetirão por várias gerações. E são exatamente estas manias que manterão o mundo doente... mais ainda do que está.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Leveza da Literatura e Dureza da Arte...


A qualidade de alguma obra de arte está intimamente ligada à qualidade estética de quem a observa, o que significa dizer que, não necessariamente, os críticos têm validação absoluta sobre suas críticas. Da mesma forma podemos constatar que isso acaba acontecendo com a filosofia e com sua íntima relação com o conhecimento. Nossa relação com as coisas que valoramos é que determina quem é como é a construção de nosso saber.

Uma teoria revolucionária pode não o ser, se quem assim determinou não dá garantias de sua validação inteletual ou valorativa, visto que os valores que determinam a passagem do tempo podem não se garantirem, ou mesmo, podem estar ali para garantir a alguém, a algum saber, seja que pessoa ou mente for essa.

A segurança de que um conhecimento é válido está nas mãos e na formação de quem assim formulou; seja o conhecimento, seja a crítica sobre. A veracidade de nossos sentimentos, nesse sentido, pode ser um bom sintoma de valoração, ou mesmo de validação de certo saber, por isso, o julgamento que fazemos sobre um outro julgamento é tão importante e necessário.

Vejamos como Nietzsche chegou a esta constatação em Humano, Demasiado Humano: (...) não devemos estar muito seguros de nossa crença na qualidade de qualquer artista que seja; ela não é apenas a crença na veracidade de nosso sentimento, mas também na infalibilidade de nosso julgamento, quando julgamento ou sentimento, ou mesmo ambos, podem ser de natureza demasiado grosseira ou delicada, extremados ou crus. Mesmo os benefícios e bênçãos de uma filosofia, de uma religião, nada provam quanto à sua verdade: assim como a felicidade que um louco desfruta com sua idéia fixa nada prova quanto à racionalidade da idéia. (§ 161)

A prova de que uma religião, filosofia e/ou conhecimento precisa é o julgamento que colocamos sobre o julgamento de quem assinou sobre aquela teoria. A crítica em suspensão, e sua constante situação de suspeita, seria o melhor instrumento para constatarmos falsos profetas, ou descobrir o quão são falsos certos filósofos, inteletuais e/ou artistas.

O bom intelectual deveria ter a leveza da literatura e a dureza da arte – ou como diria Milan Kundera (em livro que se refere, e que tem em seu título, a citação a seguir), referindo-se à Nietzsche: a insustentável leveza do ser e a constatação de seus valores de ser.

Por isso, sua estética, ou mesmo seu ponto de vista sobre algo, faz parte de toda uma construção filosófica que perpassa (ou perpassou) suas escolhas, seus valores e sua formação identitária. Até o mesmo o ambiente em que este saber foi construído deve ser colocado sob suspeita e julgamento.

Somente assim, talvez teríamos uma crítica mais conveniente com a realidade plástica do objeto estudado, aliás, do objeto avaliado. Uma crítica que pode ser menos ou mais velada, menos ou mais dura, já que a idéia não é agradar ao outro, mas à real construção e valoração do saber.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Argonautas do Futuro!


Da mesma forma que nossa lealdade às nossas convicções pode ser ledo engano de valorações remanescentes e cheias de recalque, pode também significar que o universo inteiro conspira para que nosso espírito e nossa vontade de verdade continuem encobertos; por outro lado, pode significar que estejamos almejando algo mais, algo que se encontra acima do já posto, algo que se encontra além do já existente.

Em certa passagem de sua obra, Nietzsche se refere aos argonautas do futuro, seres nobres e imaginários que se encontram além da linha geográfica que separa o ser humano medíocre do semi-deus, pode-se dizer que é justamente esta espécie que joga por terra a lealdade de suas convicções humanas e busca, para sair do semi, tornar-se um deus de fato, sem recalques nem convicções enganosas..., ele precisa de convicções incômodas e desapegadas. Ele precisa desagradar o mundo.

Buscam o antagonismo natural que perpassa toda a humanidade, encontrando com isso elementos de mudança e evolução, jamais subterfúgios e fugas. Busca caminhos que margeiam a existência humana, trazendo para o centro de sua própria existência algo novo e diferenciado. Caminhos tortuosos que não o levem a novos mares, mas ao mesmo mar de sempre.

A adversidade natural de sua existência daria cor, ditaria ritmos e concluiria uma caminhada que não cessa, mas que constantemente se renova e se refaz. Se constrói e se destrói... se alimenta de restos e cria sua própria comida. Traz néctar de deuses em copos americanos, quebra taças reais e as esmaga.

O ideal de valor a que se busca, deve estar fora das margens argonáuticas, além de não ser o ideal de deuses, seria, isso sim, o ideal de vermes energúmenos que se consideram... que pensam que são algo inexistente. É o ideal que acreditam permear sua vida, mas que apenas os escravizam, os destroem... sem construí-los.

Para confirmar esta enganação a ciência está longe de repousar o bastante sobre si mesma, precisa antes, sob todos os aspectos, de um ideal de valor, de uma potência criadora de valores, a serviço da qual ela pode acreditar em si própria – ela mesma nunca é criadora de valores. (Para a Genealogia da Moral, III: § 25), visto que, sua aceitação não se encontra nela mesma, mas na forma como o mundo a enxerga. Está na forma como seu foco se volta a algo enganoso e engenhoso, algo que ela tentar fazer acontecer. E isso nos lembra o ser humano, pois tenta se afirmar, negando algo que lhe é natural e próprio.

Entrementes, acreditar em si mesmo pode ser o primeiro passo para a escravidão, principalmente quando este acreditar está a buscar aceitação em quem nos vê. É como se estivéssemos querendo agradar alguém para agradar a nós mesmos, fugindo daquilo que desagrada o outro e que se torna, ao mesmo tempo, um estorvo para a sociedade. Tornamo-nos, deste jeito, escravos de valores de outrora; escravos de uma obsessão compulsiva de auto-afirmação, aliás, de auto-afirmação enganosa.

Não queremos ser nós mesmos, é como se quiséssemos ser alguém que pode olhar para o outro e justificá-lo. Se a justificativa é nossa própria existência, esta última passa a ser o engano e a negação. Ao afirmar o outro, achando que afirmamos a nós mesmos, desagradamos àquilo que temos de mais nobre e argonáutico, nos negando esta nobre situação: desagradamos à nossa vontade de potência, à nossa vontade de superação do ser medíocre que sempre fomos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estado Grego... Estado Belicoso!



Onde está a origem de tanta belicosidade, onde está a origem de guerra, de toda engenhosidade de batalha? Onde esta a constante diferenciação que vez ou outra nos acomete por este mundo afora? Onde está a origem dessa coisa tão humana que é a competição? Imagino que esteja em sua (em nossa) natureza, aliás, em sua (em nossa) constituição psíquica... ou mesmo no desmontar e remontar constante de sua (de nossa) alma e seu (e nosso) estado de espírito.

A necessidade de querermos ser melhor do que somos, a necessidade de querermos mostrar ao mundo nossa capacidade... tudo isso junto e misturado, tudo isso em nosso ser encaracolado; acaba por intimidar nosso espírito perante nós mesmos e encorajar este mesmo espírito perante o outro. Este segundo ponto é exatamente o ponto que corresponde à real natureza humana, embora tenhamos a consciência de que nossa natureza, nem sempre, se mostra como realmente deveria se mostrar.

Às vezes por estarmos envolvidos com o mundo do Estado, às vezes por estarmos envolvidos com outros seres humanos, temendo desagradá-los, ou mesmo, estarmos envolvidos com o senso-comum e toda seu caleidoscópio escravizante... Todas estas condições nos tiram a condição de sermos realmente quem somos. Nos tira a certeza de que a liberdade só aí está por um significado palavral e palavresco, jamais como algo realmente consistente e vivo. Pulsante em nossa natureza e desde sempre existente, todavia, escondido e intimidado por uma série de fatores... fatores estes que dizem respeito a nós mesmos e ao nosso convívio social escorchante.

Por um lado é-nos dado a opção, ou mesmo imposição, de assim sermos, por outro; o fato de estarmos envolvidos com o convívio social e com o universo humano, acaba por nos obrigar a desta forma agir, sem ao menos existir, por parte de nós mesmos, um questionamento ou mesmo um possível conhecimento desta situação escravizante. Quer-se, mais do que nunca, olvidar estas informações do ser... ser vivo e vibrante que circunda a natureza de cada agregado humano.

Cada criatura, nesse sentido, deveria ter um pouquinho de criador, um cadinho de desbravador e um tantão de grego... grego arcaico, grego homérico. O mesmo grego que deu ao mundo todos os elementos vivos e incontroláveis de nossa natureza grandiosa e poderosa.

E a esperteza que nos falta é justamente esta que outrora existira, e que se encontra encoberta; envolta de uma áurea um tanto quanto misteriosa e perigosa. Vejamos, pois, como Nietzsche retrata isso em O Andarilho e Sua Sombra: Como o querer vencer e prevalecer é um traço insuperável da natureza, mais antigo e mais originário do que todo respeito e alegria do igualamento, assim o Estado grego sancionou a competição ginástica e música entre iguais, portanto, delimitou uma arena onde esse impulso podia se descarregar sem pôr em perigo a ordem política. Com o declínio final da competição ginástica e música, o Estado grego entrou em intranquilidade interna e dissolução. (§ 226)

E como todo ser humano deseja desbravar sua própria coragem (ou mesmo, sua própria origem), o igualamento acaba sendo um castigo a todos aqueles que optam por quererem agradar a todos. A coragem do caos, que lhe existe, mas lhe falta, é a mesma que lhe foi confiscada em detrimento da ordem social e da escravização moral e política, tempos atrás. Resta a estes homens, dessa forma, reaver as rédeas de sua própria condução, reatando-se com sua natureza e seu impulso criativo... às vezes também destrutivo, o que faz parte de nossa existência, quando a mesma deixa de ser medíocre e mesquinha.

domingo, 31 de outubro de 2010

Preconceito...

O maior preconceito que podemos ter de qualquer coisa é não reconhecer que o diferente pode ser muito mais próximo da gente que imaginamos, ou que algum dia imaginaríamos existir. Este diferente, no fundo, é exatamente o que gostaríamos de ser e que não temos competência e sabedoria o suficiente para disso nos utilizarmos, ao contrário, quando agimos de forma preconceituosa estamos nos privando do que o mundo, de forma distinta, tem de bom a nos mostrar.

Enganar-se, nesse sentido, nada mais é que reconhecer que estamos errados quando tentamos negar a diferença que o mundo nos oferece, afirmando a verdade que o mundo apresenta, e sua semelhança rastaquera e lugar-comum. Seria, pois, uma consumação de que o conhecimento se nos apresenta sempre de forma inesperada e, acima de tudo, nova e vibrante. Apesar dos recalques que perseguem nossa vontade de existir.

Como diria Nietzsche em Para Além de Bem e Mal: as coisas de supremo valor têm de ter uma outra origem que aquela que fingimos não buscar, pois, ao buscarmos o outro, criamos uma suspeita ao mundo, oferecendo algo que, por um motivo ou outro, fingimos negar. E a suspeita é o primeiro sintoma de que o preconceito está a fugir de nossas plagas.

Este mundo sempre se mostrou como um emaranhado de ilusões, resta fazer destas ilusões uma criação exagerada do que poderíamos ser, uma vez que apenas no exagero conseguimos expressar qual o real significado de nossa existência. Existência essa pensada como um Deus desconhecido, averso a sua real necessidade. Este mesmo Deus escondido, entranhado em nossas vísceras, grita por ser descoberto. Grita por fazer existir, dando-nos uma existência tal como deveria ser a nossa...

Por isso, nossos maiores preconceitos podem estar escondendo de nós nossa real existência, exatamente esta que necessitaríamos fazer vir à tona. Se eu existo, de forma sintomática, insisto em querer fazer desta existência algo que se encontra acima de nossa (e minha) medíocre meia-vida, aliás, de nossa (minha) não-vida.

O mundo sempre foi criado por pessoas que, em momento algum, nos mostrou a realidade da vida em abundância: Esse modo de julgar constitui o típico preconceito pelo qual se reconhecem os metafísicos de todos os tempos; esse modo de estimativas de valor está por trás de todas as suas proceduras lógicas; a partir dessa sua “crença”, eles se atarefam em torno de seu “saber”, em torno de algo que, no final, é solenemente batizado como “a verdade”. (Para Além de Bem e Mal: § 2) Esta mesma que, com nossos preconceitos, negamos em dar vida.

Na dúvida deveríamos dar vida àquilo que nosso coração pede, e que nossa consciência nega. O outro pode ser mais parecido do que imaginamos alguma vez; ele pode ser, exatamente, o quê gostaríamos de ser! E nós, o quê gostaríamos de ser?

sábado, 30 de outubro de 2010

Aquém da Limitação Humana!



O tecnologismo é a fé pessimista escancarada,
é o sujeito sujeitado à sua mesquinez,
é o homem se projetando em seu sonho,
um sonho que ainda está a se fazer,
é o sonhar acordado,
pensando dormir sonhando,
pois, ao dormir, ainda é vida em pesadelo,
um pensamento a se construir no sonho do pesadelo,
pensando que o sonho é o sonho de outro
e que a vida é apenas um sonho de alguém.

É o verso embriagado de baba,
do nojo do vômito no chão sujando o esgoto,
mas é também o grito surdo à beleza seca,
ao luxo vazio com sua secura sub-humana...

É o escárnio ao escárnio petulante,
à linda necessidade de necessitar de alguém.

É a lama saindo das galerias a inundar os bairros nobres,
é a pobreza engolindo a riqueza que a criou,
mostrando a ela, a riqueza,
que não é mais possível fugir,
é, finalmente uma riqueza que não quer-se rica.

É a ciência que um dia, para ser ciência,
precisou ser apropriada,
precisou ser recriada,
e hoje... para continuar sendo ciência,
tem que ser socializada,
instrumentalizada por ela mesma,
legada a ela dentro de seu limite,
aquém da limitação humana!

Quebra de Página...


O impulso criativo, quando histórico, não apresenta nenhum sinal construtivo (isso se encararmos a construção como uma nova possibilidade de se pensar a criação), aliás, antes oferecesse uma situação destrutiva, pois, ao quebrar velhos ídolos está contribuindo com a inovação do prazer e a reconfiguração do saber, ou seja, automaticamente cria dentro do caos – dizem que o conhecimento precisa desta renovação e deste caos.

E por destruição, nada mais belo que a cena do caos criado a partir do pó e do concreto demolido; este mesmo caos que tem muito de vida e muito de novidade, e que corresponde a uma boa-nova estelar. Talvez seja esta novidade que estamos à caça, talvez seja esta estrela que falte à nossa constelação..., nem que para isso possamos ser ela própria a caça e não o caçador, pois, por caça há toda a floresta diante de nossa visão. Cá comigo, antes ser caça que não significar nada para este novo momento, principalmente quando temos uma mata bela e retumbante, espledorosa, sobre nossa estação...

A casa que poderíamos construir a partir desta destruição poderia, muito bem, ser o elemento novo para a construção; uma nova galaxia, plena de estrelas e novos astros. Pode até não parecer, mas o espírito, quando esbarra com o conhecimento, intimida novos caminhos, criando um monstro que, às vezes, cria algo do novo, de novo. Se este espírito não tivesse o conhecimento como elemento de transição, automaticamente, o passado seria nossa morada. Uma última guarita para os covardes.

Se a coragem é o elemento que garante a esperança, mais vale bater de frente com a justiça histórica e ser autêntico, que regressar ao elemento que enclausurou nossa virtude... e a virtude aqui tem muito de intromissão e complementação, jamais de exatidão. Assim, o virtuoso é aquele que consegue eliminar seu passado sem derrubar seu novo espírito.

E este passado, quando quebrado a marteladas, ainda que doa os dedos, alimenta o espírito da esperança, do futuro e da emoção... emoção com um pitaco de ilusão. Ilusão, com uma garantia de renascimento. Renascimento com o caos como gérmen. Um cadinho de esperança apenas garante futuro, um gérmen de esperança garante o futuro e alimenta o presente... eliminando muita poeira, limpando a história; tirando-a das mãos de homens imberbes, embora velhacos!

Quando por trás do impulso histórico não atua nenhum impulso construtivo, quando não se está destruindo e limpando terreno para que um futuro já vivo na esperança construa sua casa sobre o chão desimpedido, quando a justiça reina sozinha, então o instinto criador é despojado de sua força e de seu ânimo. (Da Utilidade e Desvantagem da História Para a Vida: § 7)

Queria que a força da destruição pudesse mostrar que o novo só pode ser construído com muita paixão e anelo. Este ânimo que se encontra além das forças humanas pode nos colocar bem ao lado dos deuses, equiparando-nos com algo que nunca fez parte de nossa vida, embora sempre estivesse em nossa vida. Este é nosso maior problema: sempre fomos gigantes, mas, por vários motivos, sempre nos colocamos sob os ombros deste gigante... quando é que nos colocaremos sobre o ombro destes gigantes?

Pergunta que fica para resposta posterior...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Justiça ou Justiça Histórica?




Entre a esperança e a condenação, por justiça histórica, é preferível que a justiça histórica não exista, e que exista o respeito pela ilusão alheia; ainda que esta ilusão venha entremeada de sensores tortos... há que se pensar que, mais que ser um censor, deveríamos criar um universo de liberdade espiritual e sentimental.

Por outro lado, do ponto de vista da vida, é preferível que a esperança e a ilusão aconteça a todos, sem quaisquer retardos de censores. Resta saber, pois, de que forma dá para se pensar em justiça sem matar as esperanças. Ou ainda, pensar em esperanças sem que a justiça (e não a justiça histórica) seja deixada de lado, ao menos como ponto de referência, para uma possível averbação.

Em se pensando a justiça como uma senhora fria e cega, fica-se com a esperança e a ilusão de que sua cegueira não mate os sentimentos do pensamento vivo e vibrante (qualquer tentativa de fazê-lo, por si só, cria uma sensação de morte), este mesmo que é tão volúvel e, ao mesmo tempo, extremamente lascivo. Não quero, pois que a ilusão tenha um caminho torto, visto que os sentimentos humanos acabam necessitando de um limite, principalmente quando sabemos que este sentimento esteja travestido de valores; valores de outrora, valores criados pela poeira do tempo. Mas, acima disso, caso a lascívia ainda esteja por perto, melhor seria se ela pudesse intensificar nossas relações com os pensamentos e saberes de outrora.

Relacionarmo-nos com estes saberes pode nos colocar dentro do liame entre justiça e justiça dos homens (ou mesmo, noutro nome; justiça histórica). A justiça, esta última, é uma ciência fria, criada a partir de preceitos tortos, e são justamente estes preceitos que balizam o julgamento desta lascívia. A história, dessa forma, criou uma justiça com homens de outrora, será que o agora precisa desta passadez, ou necessita da criação de novos valores, logo, uma nova justiça? Este é o ponto que precisa ser pensado para que a justiça não maltrate as ilusões, algumas perdidas, de tempos e valores outros.

Em Da Utilidade e Desvantagem da História Para a Vida, Nietzsche ataca este ponto e nos cobra um posicionamento a respeito, fazendo-nos pensar um pouquinho sobre como o caminho se desviou. Algo que não deixe incólume os rigores da justiça humana, aliás, da justiça histórica; vejamos: O sentido histórico, quando reina irrefreado e traz todas as suas consequências, erradica o futuro, porque destrói as ilusões e retira às coisas sua atmosfera, somente na qual elas podem viver. A justiça histórica, mesmo quando é exercida efetivamente e em intenção pura, é uma virtude pavorosa, porque sempre solapa o que é vivo e o faz cair: seu julgamento é sempre uma condenação à morte. (§ 7)

O quê, então, há de tão pavoroso nessa justiça histórica? Simples, o fato de a mesma se basear em rigores constituídos valorativamente pelo tempo histórico, logo, pelo tempo forjado pelos homens de Lei, retirando dos homens de agora toda possibilidade de um outro futuro mais vibrante. Assim, a Tábua de Leis que dá respaldo a esta justiça é a mesma que obriga os valores e sentimentos humanos a se encaixarem na frieza da regra e na pequenez do tempo passado.

Se o sentimento tem algo de anelo, algo de fogoso, e até vibrante, suas ilusões podem carregar esta chama, o problema maior é você derrubar este anelo e apagar a chama, tirando do conhecimento toda sua persuasão vital, daí deveríamos encarar esta chama como algo que se encontra além da justiça histórica e ao alcance dos homens vivos e apaixonados... apaixonados pelo que a vida ainda tem a oferecer ao sentimento.

Primeira Postagem!


Que cada minuto seja o último...
que cada orgasmo seja o único...
que cada suspiro me lembre do anterior e do posterior...


Há tempos as palavras não brotavam assim...
há tempos as palavras não dançavam assim...
há tempos não fazia assim!


Alguns dias, alguns momentos,
poucas letras, dois instantes,
uma vida contada em dias corridos.


Voltam as palavras,
sacudam as letras,
dancem os números...


Estou de volta!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Andarilho e Sua Sombra

O andarilho é aquele indivíduo que já alcançou a liberdade da razão, e quando ele consegue este feito, de forma automática, ele se torna senhor da razão, jamais escravo dela. O quê isso significa? Significa que, sendo eu senhor dela, sei exatamente o momento em que dela posso me utilizar, e quando ela posso me esquivar.

E por que chamar-me de andarilho? Andarilho é aquele que, da mesma forma que controla a razão, não faz dela morada fixa. Ele transforma sua vida numa andança em que a razão só serve para ser controlada, jamais perenizada. E por advir da vida, este andar dá intensidade à razão, automaticamente também ao saber; ao saber do conhecimento; ao saboroso prazer do saber. Este mesmo que pode ser encarado a partir de belas paisagens e de belas imagens, apenas vistas quando do andar devagar, do ruminar do ambiente. Do sorver a claridade do sol e as belezas que surgem de seu reflexo. Um reflexo pleno de vida e belo, tão-somente e por intensidade, pelo andar devagar.

Assim, quando atingimos a filosofia do meio-dia, ao longo deste constante caminhar, não permitimos que a sombra da razão nos influencie, nem nos cubra com sua escuridão obscena. Temos controle sobre esta sombra; ela está sob nossos pés, pois apenas ali ela aparece, pois o sol nos coloca no centro do mundo e sobre qualquer escuridão. O sol nos coloca no meio-dia da vida.

O andarilho que busca a filosofia do meio-dia não tem em seu projeto de caminhar um fim último, sua direção é a paisagem que a vida irá lhe mostrar. Há que ter os olhos abertos para tudo o que propriamente se passa no mundo, sejam eles os belos arvoredos que o acompanham em sua jornada, seja as sombras que serão subjugadas por seu espírito. Por isso ele tem uma bela e constante visão, tão plena e cheia de vida quanto deve ser a vida; uma vida sem sua submissão à razão.

Quem chegou, ainda que apenas em certa medida, à liberdade da razão, não pode sentir-se sobre a Terra senão como andarilho – embora não como viajante em direção a um alvo último: pois este não há. Mas bem que ele quer ver e ter os olhos abertos para tudo o que propriamente se passa no mundo; por isso não pode prender seu coração com demasiada firmeza a nada de singular; tem de haver nele próprio algo de errante, que encontra sua alegria na mudança e na transitoriedade. (Humano, Demasiado Humano, I: § 638)

Essa transitoriedade buscada pelo andarilho, e sua sombra, é a mesma que deveríamos buscar quando nos referimos ao conhecimento, especificamente o conhecimento advindo da vida. Aquele mesmo que é pulsante, belo e vivo. Aquele que nos dá vida e nos dá o controle sobre nossas sombras e sobre a grande sombra feita pelo sombreiro da razão.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

História Em Vida...

A vida precisa estar sempre comprometida com ela mesma, ou seja, sempre com a própria vida e nunca sendo conduzida por outrem. Assim, este compromisso tenciona trazer à vida mais vida, garantindo que ela se conduza a si mesma, construindo, com isso, uma maneira de se criar este vínculo – da vida com ela mesma – é a garantia e a conduta de sua existência, ou seja, a forma como levamos este compromisso.

A história, nesse sentido, pode ter grande utilidade e valia para que a vida se afirme a si mesma, visto que, nada melhor que contar à vida sua existência histórica e a maneira como este compromisso se daria neste tempo histórico.

Para que o fenômeno do conhecimento seja da própria vida ou da história desta vida ele não pode ser, nem se apresentar morto, pois isso não garante utilidade nenhuma à vida e ao conhecimento em si mesmo. Já, por outro lado, um fenômeno pulsante e vivo passa a ser melhor utilizado por esta vida como uma referência de conhecimento a posteriori. Além do mais, a potência deste fenômeno está justamente na pujança da vida e sua pulsante existência.

Para que a história não encerre a vida nela mesma, fazendo-a perecer, ela necessita de um fluxo muito forte e constante, ou noutras palavras, um fluxo vivo e pulsante. Vejamos, pois, como isso se daria: A história pensada como ciência pura e tornada soberana seria uma espécie de encerramento e balanço da vida para a humanidade. A cultura histórica, pelo contrário, só é algo salutar e que promete futuro em decorrência de um poderoso e novo fluxo de vida, por exemplo, de uma civilização vindo a ser, portanto somente quando é dominada e conduzida por uma força superior e não é ela mesma que domina e conduz. (Da Utilidade e Desvantagem da História Para a Vida: § 1)

Sua condução, portanto, seria o próprio fluxo da vida: um olhar no passado com uma visagem ao longe. Uma condução pura e simples do que é a vida e de como a história pode ser benfeitora dessa vida viva e pulsante. Se há um compromisso com o tempo, que seja com um tempo vivo, um tempo que não esteja coberto de poeira!

domingo, 24 de outubro de 2010

Ah!!... O Conhecimento!

O conhecimento, quando referendado, pode ser punido, e a paixão pelo conhecimento acaba sendo o ponto de referência para essa punição. Resta saber a quem convém essa punição... será que ela convém a quem pune ou a quem é punido? Não sei responder, com uma pergunta questiono o seguinte: até que ponto o que coloco na mesa tem a ver com a realidade que está ao redor da mesa?

Não sei, o quê sei é que, caia a humanidade, mas viva o conhecimento: Talvez mesmo a humanidade sucumba por esta paixão do conhecimento! – nem mesmo este pensamento pode nada sobre nós! (...) O amor e a morte não são irmãos? Sim, odiamos a barbárie – preferimos todos ver sucumbir a humanidade a ver regredir o conhecimento! E, por fim: se a humanidade não sucumbir por uma paixão, ela sucumbirá por uma fraqueza: o que se prefere? Essa é a questão principal. Queremos para ela um fim em fogo e luz ou em areia? – (Aurora: § 429)

Se o fogo vem como Fênix e a luz vem como Prometeu, a areia, em momento algum, nos passa de forma concreta..., aliás, nos passa pelos dedos; o que traz um problema ainda maior: segurar o quê? Sei não, se não tem o que segurar, ao menos temos um ponto para nos fixarmos: que viva o conhecimento e que pereça a humanidade!

Apenas assim poderemos ter garantia de que o conhecimento, mesmo com um cataclismo global, não perecerá!

sábado, 23 de outubro de 2010

Mais que Paixão!

Sacrifício e paixão: duas palavras que significam muito mais que o conjunto de algumas letras. Mais que letras, sentimentos... e é justamente neste ponto que o espírito cria condições para se desenvolver; nem que para isso tenha que criar algo aquém do já posto... e por posto temos uma vida fora de nosso ser.

Se queres que o ser tenha condições de exercer sua paixão, saiba que, além de ser, há o existir, e apenas existimos quando temos tempo para dizer ao mundo que nossa existência não depende do mesmo. Nossa existência depende unicamente de nossa paixão em se fazer acreditar. Se eu acredito que posso existir, mais que uma paixão, estou tendo uma constatação. Afinal de contas: quem garante minha existência?

Se há algo a temer, que não seja o medo de viver e de se apaixonar. Eu quero me apaixonar pela vida, e garantir a esta minha nova vida uma condição de vida em abundância. Vejamos, pois, como esta abundância pode redundar noutro ser... não que eu queira isso, mas sei que meu espírito enseja isso; com todas suas condições de existência: aliás, sua vida depende deste desejo.

O conhecimento, em nós se transmudou em paixão, que não se intimida diante de nenhum sacrifício e no fundo nada teme, a não ser sua própria extinção; acreditamos sinceramente que toda a humanidade, sob o ímpeto e o sofrimento dessa paixão, teria de se acreditar mais sublime e consolada do que até agora, quando não havia superado a inveja pelo bem-estar mais grosseiro que acompanha a barbárie. (Aurora: § 429)

Gostaria, realmente de ter condições de fazer de meu bem-estar um mal-estar, pois só assim teria condições de sentir-me incomodado com a vida e, com isso, criar um caminho saudável para minha paixão e sua concomitância ao espírito que gostaria de ressuscitar, nem que para isso o Frankenstein venha junto!

O conhecimento precisa de partes alheias...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Aurora


O impulso ao conhecimento, como qualquer outra paixão, não pode ser controlado, pois isso feito, nosso feitio cria nova roupagem e garante algo que não nos pertence, por isso, imagino que a integridade do ser seria justamente a repulsa a modos alheios e o tesão a modos próprios, visto que o não-feito pode ser melhor compreendido que o feito já posto.

Dessa forma, a força de nossa vida pode ser comparada e mensurada sobre a força que exercemos sobre nossas paixões, criando um invólucro protetor para que nossas paixões não nos deixe em apuros. Quero crer que nossas paixões só são fortes porque minha (nossa) vida está acima de meros receptáculos de memória.

E assim, amar a vida seria transmutar paixão em tesão e sangue, oferecendo-nos o gozo do paraíso, e esta força só se mostraria, em paraíso, quando nossa memória se encontra aquém destes receptáculos. Nossa vida, nossa paixão, e todo o entorno elementar desta celeuma, poderiam criar uma destexturização de nossa identidade, dando-nos uma nova possibilidade de compreender o mundo sem que o mesmo nos engula, por isso, imagino que isso pode ser útil quando nossa identidade estiver recoberta pela poeira do tempo, e a história contaminada pelo vício dos homens.

Voltando ao ponto principal: o impulso ao conhecimento, e somente ele, é o responsável por esta nossa nova possibilidade de vida...; resta saber se nossa vida está aberta a essas novas possibilidades...

O fato é que nosso impulso ao conhecimento é forte demais para que ainda sejamos capazes de estimar a felicidade sem conhecimento ou a felicidade de uma ilusão forte, firme; é penoso simplesmente representarmo-nos tais estados! A intranquilidade do descobrir e adivinhar tornou-se tão atraente e indispensável para nós quanto o amor infeliz para aquele que ama (...). (Aurora: § 429)

Infelizmente (ou felizmente, depende do ponto de vista), amar de forma infeliz pode ser o melhor remédio para sairmos do engano e reconhecermos, realmente, qual o futuro que queremos para nós!!!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sob o Pó do Tempo...

A história é legitimada a partir do retrocesso, não que isso signifique um retorno ao obscurantismo, mas um retorno de fato, ou seja, um retorno a tudo aquilo que está posto sobre a mesa, colocado sob a poeira do tempo e encoberto pela ignorância de nossos antepassados. Assim, tudo isso passa ser repensado, revisto e redescoberto, principalmente do ponto de vista psicológico. É como se tivéssemos a possibilidade de andar alguns degraus para trás, para vermos o que nossa sombra (e a sombra do mundo) encobriu.

Velhos valores, velhos conceitos e velhas ideologias devem ser pensados como realmente são, isto posto, apenas uma certeza; coisa velha! Seu pó (o pó do tempo) há muito encobriu velhos saberes e até mesmo velhas verdades, por isso mesmo somos tão cheios de preconceitos, embora, muito donos de si. Nesse sentido, o fato de sermos donos de si, pensando sob esta forma retrógada, é bem diferente do ser dono de si, com olhares para adiante. Com olhares de ruminação...

Apenas pensando para trás ultrapassamos preconceitos e medos (preconceito do que está aí posto, medo do que se coloca, adiante, diante de nossos olhos), recolocando saberes e valores no trilho novamente; aqueles encobertos pela poeira da estrada. E quando nos dispomos a largar destes vícios, nos dispomos a olhar o futuro com bons olhos (e com outros olhos)... e esta sensação é o começo de uma nova visão de mundo.

Como por exemplo no aforismo de Humano, Demasiado Humano: (...) em seguida é necessário um movimento de retrocesso: ele tem de compreender a legitimação histórica, assim como a psicológica, de tais representações, tem de reconhecer como a máxima promoção da humanidade veio de lá e como, sem esse movimento de retrocesso, nos privaríamos dos melhores resultados conseguidos pela humanidade até agora. (§ 20)

O movimento de retrocesso, dessa forma, acaba causando em nosso espírito uma nova oportunidade e um novo olhar. Um novo olhar que nos coloca aquém de tudo aquilo outrora, por nós, passado, e dentro de algo novo, por nós passado mas, ao mesmo tempo, não-visto de forma plena e distinta. Uma nova oportunidade que nos dá, também, uma nova chance de corrigir os erros de nossos antepassados.

A necessidade de se encobrir nosso espírito de história nos dá uma segunda chance para um novo passado, embora, um novo passado já vivido, porém, pouco sentido...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Como Um Regurgito!

A prontidão com que as coisas se apresentam, todos os dias, em nossa vida, a força do conhecimento, o ir e vir constante das várias informações que, diuturnamente, somos bombardeados... tudo isso, acaba nos colocando numa situação extremamente complicada: até que ponto todas estas informações, toda essa gama de conhecimento são úteis e saudáveis para nosso espírito? E como temos digerido este alimento?

Imagino que, informação em excesso é o primeiro sintoma de que alguma coisa está errada em nosso organismo, a não ser que tenhamos tal comida como algo a ser regurgitado, jamais defecado, pois todo conhecimento necessita de um tempo de maturação, e esta maturação pode vir de uma forma bastante enigmática; quando isso não acontece, o que nos chega, mostra-se como algo ilusório e extremamente enganador, com mal cheiro de fezes.

Por outro lado, toda essa gama de informação que, por assim dizer, surge da ignorância e da pressa em não nos atermos a nada com uma força arbitrária extremamente coercitiva, pode ser também o ponto de partida para algo novo e ruminador. Isto é, estas informações arbitrárias, para virarem conhecimento, necessitam de um tempo de gestação, ou mesmo de transformação; e um exemplo bom disso é o ruminar da vaca.

Um alimento que é engolido no início do dia, com uma pressa voraz e desesperada, lá pela metade do dia, acaba voltando como um bolo estomacal e tal como um quase-vômito, passa a ser mastigado, pelo resto do dia, pela boca destes ruminantes. Bom começo este.

Vejamos, pois, Nietzsche em Para Além de Bem e Mal discorrendo a respeito, e pensemos um pouco: (...) uma satisfação com o escuro, com o horizonte exclusivo, um dizer-sim e aprovação à ignorância: tudo isso necessário segundo o grau de sua força de apropriação, de sua “força digestiva”, para falar em imagem – e efetivamente o “espírito” ainda se assemelha ao máximo a um estômago. (§ 230) Esta vontade de se deixar enganar, com tanta informação, quando digerida e ruminada; surge da ignorância e se transforma numa das mais nobres formas de pensar: o pensar-diferente, apesar deste pensar vir através de uma aparência não mui agradável.

Em que medida temos feito isso, com tanta informação concebida e digerida? Será que estamos apenas digerindo e defecando, não permitindo que o vômito nos dê uma segunda oportunidade de ruminarmos tais informações? Vale a pena tentar este vômito...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Grandeza do Espírito


A força do espírito, como força de lei, passa a olhar o mundo como um preço a ser estipulado e uma conquista a ser valorada, preza-se com isso o poder imperioso de fazer o espírito brotar numa semente genuína onde os valores de outrora apenas compõem o mosaico do porvir. Com uma liberdade intimamente ligada à propensão de dominação e à reavaliação da vida. É como se o forte voltasse a exigir seu poder e domínio de volta, é como se o fraco fosse preterido em detrimento de uma revolução.

Estes espíritos imperiosos que vez ou outra surgem no mundo nada mais desejam que reivindicar seu trono de volta, é como se um trono, há muito perdido, fosse novamente requisitado..., pelo simples fato de não ter sido tomado por ninguém, mantendo-se vazio à espera deste dono sempiterno. Um dono que sempre esteve por perto, contudo, apenas olhando de forma distante.

O grande risco que surge deste controle são as mãos que o toma. Até que ponto há um espírito tão valoroso capaz de reivindicar de volta isso, sem que suas pretensões sejam engano de um ser fraco e voluntarioso?

O que poderia ser alheio passa a ser meio para um fim mais valoroso e nobre, para uma vida mais aberta ao novo e ao distinto... ao contraditório até. Não que se justifique qualquer ação, mas que se constitua uma revolta interna capaz de alimentar esta semente em plenos valores de germinação, uma semente que com sua seiva bendita traga novos e nobres espécimes. Assim, sua galhardia só se confirma conforme os atos então justificáveis e justificados, com gérmens cada vez mais belos e sempre-tenros.

Se nalgum momento um espírito como este surge das entranhas de nosso ser, como outrora, precisamos de tais vísceras e de sua abnegação com o velho, além de tão belos valores quanto a força que deles, como broto novo, surgira. Há que se valorar aquilo que o ser concebe como mais profundo; de tábula rasa o mundo está cheio de pretendentes ao trono, e nenhum espécime capaz de domá-lo.

Em Para Além de Bem e Mal, um aforismo é bem detalhado no que se refere à esta revolução, aliás, a esta revaloração, vejamos: A força do espírito em apropriar-se do que é alheio revela-se em uma forte propensão a assimilar o novo ao velho, simplificar o diverso, passar por alto o inteiramente contraditório ou descartá-lo: assim como arbitrariamente sublinha mais forte, destaca, falsifica para seu uso determinados traços e linhas no que é alheio, em cada pedaço de “mundo exterior”. Seu propósito, nisso, é a incorporação de novas “experiências”, a inserção de novas coisas em velhas séries – crescimento, portanto; mais determinante ainda, o sentimento de crescimento, o sentimento de força aumentada. (§ 230) A força que deste novo irrompe deve entrar naquilo que está carcomido e revigorá-lo dentro de uma nova roupagem que, por sua vez, cria novos brotos.

Este novo não pode ser pensado de forma aventureira, mas de forma revigorante e premente (com uma constância quase sagrada), o que garante o surgimento da força do espírito num universo outro. O que garante uma constância jamais igual ao posto anteriormente... uma constância de algo sempre novo e nobre!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Da Superação de Si Por Meio das Vísceras



Quando se trata de conhecimento o importante é não se envergonhar de fazermos o que nossa vontade manda, em especial quando este conhecimento surge de nossas vísceras, a elas se volta e depois se translitera para o mundo. Nesse sentido, esta última parte que parece ser a mais complicada, visto que, tudo aquilo que sai das vísceras de alguém pode não parecer belo aos olhos, muito menos ao coração. Eis que é neste ponto quando damos o salto de autonomia.

E por autonomia, nada melhor que a transgressão, ou seja, se pensar é transgredir não estaria eu transgredindo algo que faz parte de minhas vísceras, estaria apenas sendo autêntico aos meus princípios, mesmo sabendo que estas minhas vísceras não fazem parte do senso-comum. O mesmo senso-comum que se nos apresenta a partir da tábula rasa dos saberes instituídos. Não que eu vá negá-los; apenas algo que faço (essa negação) para afirmar outrem.

O que minhas vísceras são, passam ao jugo do coletivo a partir do momento em que elas vêm à tona, deixando de ser minhas, mas identificando-me a algo, garantindo uma identidade própria. Eis o tomo da coisa: nossa vida só vira livro de vários tomos quando a publicamos, daí a necessária exposição.

Em Assim Falou Zaratustra, livro II, vemos o seguinte: E então se envergonha vosso espírito de fazer a vontade de vossas vísceras, e se esquiva de sua própria vergonha por vias de dissimulação e mentira. (Do Imaculado Conhecimento) Este seria o ponto, como dissimular aquilo que nos convém de mais legítimo? Envergonhar-se de saberes distintos pelo simples fato de não serem convencionais? Que tipo de pessoas estamos sendo ao agirmos dessa forma?

Uma outra leitura interessante vem logo antes: Com vossos valores e palavras de bem e mal exerceis poder, ó estimadores de valores; é esse o vosso amor escondido e o esplendor, estremecimento e transbordamento de vossas almas (...) (Da Superação de Si), ao nos superarmos a nós mesmos estamos deixando nossas vísceras expostas, estremecendo o meio no qual colocamos nossa exposição, e o importante dessa exposição é justamente a demonstração do que somos capazes, e o esplendor desta capacidade oculta, embora sempre presente; isso se chama amor próprio... eis uma boa dica!

domingo, 17 de outubro de 2010

Ler Para Crescer


Entender o que se diz, seja de forma escrita, seja de forma oral, seria talvez, a mais nobre de todas as artes, especialmente em momentos tão tenebrosos como os que estamos vivendo, onde o dito pelo não-dito acaba sendo a mesma coisa – com a mera intenção de se angariar algumas almas incautas para um futuro de luxo pelos próximos quatro anos (ao menos). Poderia ser uma superstição, mas a Idade Média nunca esteve tão próxima dessa nossa era que chamamos Era da Informação. São ilimitados os recursos, no entanto, são limitadíssimas as pessoas que destes recursos se sobrelevam... que criam e olham adiante.

Afora, mais limitada ainda é a condição que as pessoas têm de conceber tais informações... para alguns são apenas letras miúdas que brincam com nossa tíbia visão, para outros um estorvo à correria e ao imediatismo “adolescil” de nossas imberbes cabecinhas. Nesse contexto, uma ciência tal como a Filologia nunca fora tão importante como pode ser nos dias de hoje, principalmente quando queremos conceber o mundo fora da consciência tabula rasa da política atual; aliás, da politicagem atual, trazendo para nossos espíritos uma elevação inteligencial jamais vista.

Em Humano, Demasiado Humano vol. I, Nietzsche dirá: (...) a Idade Média inteira era profundamente incapaz de uma explicação rigorosamente filológica, isto é, do simples querer-entender aquilo que o autor diz – foi alguma coisa encontrar esses métodos, não o subestimemos! Toda ciência só ganhou continuidade e constância quando a arte da leitura correta, isto é, a filologia, chegou a seu auge. (§ 270) Quando a boa leitura se dá de uma forma ruminosa, mais lento e sensível é o sabor das belas letras. Infelizmente, mesmo tendo tantos recursos nunca ficamos tão burros como estamos nos tornando.

Ao nos acostumarmos com más letras estamos abrindo mão de um direito conquistado a mais de cinco séculos, retrocedendo a um tempo em que o saber, tão-somente, poderia ser saboreado por lu$trosas mãos... se voltar no tempo é o que essa molecada quer, que façam sozinhos!

sábado, 16 de outubro de 2010

Sonho de Ícaro


As torres de uma cidade, tal como o panóptico de Foucault, servem para vermos das alturas, sem que possam nos observar. Por isso, olhando de lá, sinto que o caminho, e sua estrada, foram traçados unicamente para podermos, como ovelhas, depositar nas urnas dois dígitos, sem ao menos sabermos o que significam tais dígitos. Que números posso lá digitar? Uma pergunta que não convêm a mim, e sim àqueles que aqui lêem estas letras.

Anteriores ou vindouros, o quê colocamos nas urnas não passa de meros dígitos, longe da representação que outrora tivemos... aliás, uma representação que nunca tivemos: como representação de si nos resta o número de alguém, com uma plataforma de ninguém, que não tem nada a ver comigo, nem contigo!

Uma forma de sabermos o tamanho deste panóptico seria, justamente, ir o mais distante possível dele. Visto de longe; de longe colocaríamos nosso pastoreio e, menos ainda, seríamos contaminado por tal doença... mesmo sendo, nós, os fortes da história.
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Preconceitos morais seriam meramente momentos de consciência fora de nós, ou, pensando no coletivo de nosso povo: algo que acontece em todos aqueles que a má doença tomou conta. Nossa consciência só se constitui quando dela nos despimos... tal como, atualmente, nos vemos e nos vêem... vêem a gente como se nós tivermos vendo-os! Mas, o quê gostaríamos de ver?.

Uma solução? Certamente aquela colocada por Nietzsche em A Gaia Ciência: “Pensamentos sobre preconceitos morais”, caso não devam ser preconceitos, pressupõem uma posição fora da moral, algum além de bem e mal, ao qual é preciso subir, galgar, voar (...)(§ 380), vemos aquilo que os preconceitos querem nos mostrar... Se quisermos galgar além disso, com certeza, precisamos tirar da estrada a asa que nos coloca junto à Ícaro...!.