sábado, 10 de dezembro de 2011

Tal Como Machado!

O conto O Escrivão Coimbra foi escrito por Machado de Assis no período de transição entre o Império e a República e isso fica bem patente logo no início da obra. “Assim viveu os últimos anos do império e os primeiros da república, sem já crer em nenhum dos dois regimes. Não cria em nada. A própria justiça em que era oficial, não tinha a sua fé; parecia-lhe uma instituição feita para conciliar ou perpetuar os desacordos humanos, mas por diversos e contrários caminhos, ora à direita, ora à esquerda.” Imagina-se que o mesmo tenha sido publicado em jornal, lá pelos idos de 1899, bem próximo à virada do século.

Foi publicado originalmente no Almanaque Brasileiro Garnier em 1906 e republicado em 1938 no livro Relíquias de Casa Velha, em edição capitaneada pela Edições W. M. Jackson do Rio de Janeiro.

O conto traz à tona o personagem Bernardo Coimbra, um escrivão do cartório local. Um homem de profunda fé, até a morte de sua esposa, mas, principalmente por volta dos cinquenta anos e por conta de certas leitura, acabou tornando-se mais incrédulo que um ateu, chegando a fazer pilhéria com a Igreja Católica. 
 
Um aparte histórico; não podemos nos esquecer que é deste período que o Positivismo de Auguste Comte chega ao Brasil, tornando-se palavra-chave da nascente República Brasileira, que tem em seu brasão a máxima Ordem e Progresso, um dos ícones do Positivismo. 
 
Movimento europeu, surgido na França, que visava expurgar a religião e todas e quaisquer crenças dos quehaceres comportamentais e intelectuais do século XX. Uma ciência que se explicava por si só e que buscava a mais profunda certeza da racionalidade. Mostrando que todos, e quaisquer outros tipos de conhecimento, que não tinham a alcunha da razão, estavam errados e prontamente vinculados à falibilidade humana das crenças e da fé.

Pois bem, voltando ao conto. Até perto deste período (antes dos cinquenta anos) a fé do escrivão Coimbra o levou a se tonar sócio fundador da Irmandade de São Bernardo. Construíram uma igreja e uma escola como alento para os menos crentes e menos afortunados. Fé essa que, pelo desenrolar do conto, será parte central da trama.

Aos sessenta anos passa a jogar na loteria. Neste primeiro momento este jogo não era tão constante, o que significa que estamos no início de uma era de vícios, como se verá. Assim, ao passar do tempo, de jogos esparsos nosso escrivão passou a jogar seis vezes por semana, folgando apenas aos domingos... talvez resquício da fé a São Bernardo, visto que o domingo é considerado dia muito sagrado para os católicos, e em se falando de uma sociedade extremamente voltada à fé, era de se compreender tal comportamento.

Em um primeiro momento Coimbra usava o subterfúgio dos pequenos ganhos para alimentar seu vício, coisa de trinta a cinquenta mil Réis. Situação que o afastava ainda mais de sua Irmandade, a ponto de a mesma, junto com a crença católica, servir de pilhéria para com as devotas e padres. Com o passar do tempo, nem mesmo deste argumento ele se utilizava mais. O jogo passou a ser uma obsessão.

Até que pelos idos do Natal de 1898, em que correria a última loteria do ano, chamado pelos cambistas de loteria-monstro, ele resolveu fazer uma última aposta, de fato, mesmo que a contrapelo do que pedia seu amigo Amaral. E por coincidência, é deste período que Coimbra conhece um tal de Guimarães em seu local de trabalho, o cartório da comarca, ganhador de uma loteria com 200 contos de Réis (o prêmio de Natal correria com o valor de 500 contos de Réis) e que surgiu para o pobre Coimbra como um aviso, apenas não se sabia quem havia mandado tal aviso.

Ademais, e como reflexo de referido aviso, Coimbra resolve voltar a visitar sua velha Irmandade e a igreja por ela construída, chegando a prometer que, caso ganhasse, doaria 100 contos de Réis à pequena escola construída junto com a Igreja. Prosa completa, após fatídica promessa o velho Coimbra sagra-se o mais novo vencedor da loteria de 500 contos de Réis, vindo a falecer quatro meses depois, em fins de abril, no governo do presidente Campos Sales, após testemunhar o casamento do amigo Amaral, outro escrevente de seu cartório.

Machado de Assis assim termina seu conto: “No fim de abril, casara o escrevente Amaral, servindo-lhe Coimbra de testemunha, e morrendo na volta, como ficou dito atrás. O enterro que a irmandade lhe fez e o túmulo que lhe mandou levantar no cemitério de S. Francisco Xavier corresponderam aos benefícios que lhe devia. A escola tem hoje mais de cem alunos e os cem contos dados pelo escrivão receberam a denominação de patrimônio Coimbra.

Mais uma das mórbidas lições de moral do velho Machado, deixada para o final. Onde já se viu, um velho de sessenta anos, perdendo a fé pela Santa Madre Igreja e ainda se enfurnando no vício do jogo, o mais pecaminoso de todos!?

Coimbra precisava voltar ao ventre da Mãe para ser novamente abençoado. O mais interessante é que a benção veio com a efetivação do prêmio, o fim do vício e o fim da própria vida, logo, a vida eterna e a benfeitoria terrena.

Educação Infantil e Afetividade!



Em artigo publicado pelo Instituto Catarinense de Pós-Graduação, Margrit Froehlich Krueger nos apresenta a discussão de que a afetividade exerce um papel de extrema relevância para a Educação Infantil. Sua importância estaria na proximidade que o educador teria com o educando e de que forma isso se torna um incentivo para uma aprendizagem mais efetiva.
Sua discussão gira em torno de quatro bases conceituais e teóricas: Piaget, Freud, Wallon e Vygotsky, embora dê muito mais importância à Piaget, visto que o mesmo tem, conforme a autora, a seguinte a crença (referência maior para a conceitualização de seus parâmetros): “Na teoria de Jean Piaget, o desenvolvimento intelectual é considerado como tendo dois componentes: o cognitivo e o afetivo. Paralelo ao desenvolvimento cognitivo está o desenvolvimento afetivo. Afeto inclui sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores e emoções em geral.” (KRUEGER, 2002: p. 4)
Dessa forma, quando não há um acompanhamento entre afeto e cognição, não há um desenvolvimento tão a contento, aliás, tão global como realmente deveria ser. E diria ainda mais: a afetividade (seja ela apresentada em casa, com os familiares, seja também entre este bebê e seus educadores) tem papel importante, inclusive, em relações interpessoais e, principalmente, na composição dos futuros julgamentos morais desta criança; o quê significa que o afeto, mais que um elemento aproximativo do bebê com seus parentes e o mundo, é também um elemento conformador da cognição e do desenvolvimento educacional deste ser em formação, bem como seu passaporte para o mundo dos adultos e sua criação identitária.
Pelo fato de a infância ser uma etapa de adaptação progressiva, no que tange à formação biológica da criança ao meio físico e social, há que existir um equilíbrio entre este parâmetro amoroso por um lado e o intelectual por outro, além das possíveis consequências na definição e estruturação de uma conformação existencial plena e saudável deste ser em constructo.
Ainda pensando nos outros bastiões da formação psicológica do indivíduo; Freud afirmará que há uma relação muito íntima entre o mundo individual do homem, suas relações inter-humanas, a construção de um mundo habitável e a função de nossa história e de nossos processos afetivos na coabitação humano-existencial. A harmonia de nosso espírito depende destas relações de uma forma muito visceral.
Já em Wallon não há separação entre o aspecto cognitivo e o afetivo e, como tal, há que se confirmar o seguinte: deve-se valorizar a plena efetivação dos aspectos socioafetivos para o desenvolvimento e o processo ensino-aprendizagem, com foco na importância da afetividade como recurso intelectivo e motivacional e para a relação professor-aluno na construção destes saberes.
Apontar o valor da qualidade das primeiras relações afetivas da criança, com seus primeiros educadores, implica em focar numa boa teoria do desenvolvimento e como isso, diretamente, afeta no exercício da aprendizagem e na construção das relações interpessoais desta criança pelo resto de sua vida escolar.
Ainda em Wallon, as emoções têm um grande papel na formação intermediária entre o corpo, sua fisiologia, seus reflexos e as condutas psíquicas de adaptação (KRUEGER, 2002: p. 3) do ser humano ao meio hostil em que vive, confirmando a tese de Krueger (p. 4), que nos diz o seguinte: “Portanto, a afetividade exerce um papel fundamental nas correlações psicossomáticas básicas, além de influenciar decisivamente a percepção, a memória, o pensamento, a vontade e as ações, e ser, assim, um componente essencial da harmonia e do equilíbrio da personalidade humana.”
Ademais, afirma-se, entrementes, que a organização dinâmica da consciência, segundo Piaget, aplica-se ao afeto e ao intelecto, ocasionando uma plena formação crítica, intelectual, psicológica e cidadã do indivíduo.
Situação que não é muito diferente do que pensa Vygotsky, já que o mesmo explica o pensamento a partir da esfera da motivação e das relações que o ser humano estabelece com o meio social em que vive, evidenciando a importância das conexões entre dimensão cognitiva e afetiva do pensamento psicológico humano e sua pretensa unificação dos quehaceres dos indivíduos.
Um elemento a mais para se justificar aquilo que chamamos de proximidade afetiva das relações humanas, ambiente em que se dá a interação do indivíduo com os objetos a ele apresentados e a construção de um conhecimento altamente envolvente (KRUEGER, p. 5), em que o ser conhecedor sente-se motivado fisiologicamente para compreender seu mundo circundante e todas as consequências que o mesmo lhe ocasionar; e, por isso mesmo, a escola deve oferecer tal referência para as crianças diretamente a ela ligadas e com elas envolvidas. Visto que, em tal ambiente hostil, fora do leito familiar e de uma proteção que lhe é peculiar, tal aprendente deve se sentir seguro, protegido e amado.
Como a criança na idade pré-escolar ainda não sabe lidar com suas paixões, dominando-as e as transformando em situações de aprendizagem, este ambiente escolar deve ser o mais seguro possível, até para permitir uma exteriorização de seus sentimentos. Sabendo, todavia, que também há limites para a forma como se dá esta exteriorização. Assim, e pensando em referidos limites, a frustração deve fazer parte deste aprendizado tal como o afeto. E nada melhor que a separação e a regra para que se entenda o fundamento do viver em sociedade.
É inegável que a criança precisa aprender que não pode tudo, e que no universo social e escolar ela não está mais sozinha, apesar de estar fora do ambiente familiar. É ali, pois, que aprende a interagir com outras crianças, e com outros adultos que não sejam aqueles de seu convívio quotidiano e de seu seio familiar.  
Neste processo de separação a criança desenvolve a tolerância à frustração e, desta capacidade de espera, resulta o ecoar interno de uma representação da mãe; uma representação que vem simbolicamente focada no carinho que os educadores trazem para a criança, e para seu universo pessoal. Carinho que traz até a criança os símbolos do mundo, logo, confirma-se o processo de ensino-aprendizagem que o mundo exige.
Mas, esses momentos de crescimento só serão possíveis se esta etapa for suficientemente preenchida de boas experiências emocionais, que permitam ao pequeno um modelo de estabilidade e segurança, previsível e contínuo. Um modelo que lembre o universo familiar e, ao mesmo tempo, separa-se dele, trazendo os símbolos do mundo. Mostrando que o mundo também pode trazer elementos de aprendizagem e de construção de saberes. Construção essa que necessita deste outro afeto, que não o familiar, para que a criança se constitua como um ser em formação, e com uma identidade própria, apesar de vinculado aos primeiros símbolos advindos de sua família.  
Enfim, para que a criança tenha um desenvolvimento saudável e adequado aos ambientes escolar, social e familiar, há que existir um estabelecimento de relações interpessoais muito forte e positivo, em que haja aceitação e apoio. Apenas isso pode lhe garantir sucesso no universo extremamente competitivo do ambiente, então inserido, e os objetivos educativos do mesmo – nem sempre tão direcionados à afetividade, como deveria ser –, pois, tão-somente trabalhando com a construção do real.  
Juntamente com a constituição do sujeito em sua plenitude psicológica, afetiva e intelectual é que teremos condições de implementarmos o desenvolvimento integral dessa criança; e o afeto deve ser um destes elementos constituidores.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Identidade Libertadora!


Imagino que as consequências da liberdade podem não ser como gostaríamos de ser, principalmente no fato de podermos controlá-la, visto que o ser humano tem uma forte tendência em determinar caminhos que ele considera os mais corretos, isso não significa, no entanto, que esta intencionalidade não seja importante para nós e para aqueles que, por estas searas se aventure. Tal qual o adolescente que se considera como ser dentro da liberdade absoluta e que, por isso, gostaria de fazer tudo que quisesse, mas, mais do que isso, mostrar para ele que isso realmente acontece, o problema está no fato de não fazer tudo o que quer, mas o que lhe é permitido dentro de sua maldição, ou de seu destino, que é a liberdade. Mostrar que tais situações realmente acontecem, embora tragam consequências a todo e quaisquer seres que delas queiram fazer sua jornada. O fato de isso acontecer traz a todos a inédita situação de poder repensar-se a si mesmo, algo que, há tempos nos faz falta na sociedade atual. O ser, nesse sentido, tem que ser pensado como um indivíduo que tem responsabilidades, e que não é único no mundo, muito menos, único em suas escolhas. Aliás, suas escolhas o colocam como ser no mundo e que do mundo depende para tornar-se livre sem ser um criminoso. Este ser é alguém que deve estar em constante transformação, em constante movimento, e que tem nas escolhas, suas escolhas no caso, uma auto-afirmação e uma afirmação de um mundo que é seu, do outro e das consequências de sua liberdade plena; sua condenação libertadora. O quê queremos é que todos tenham melhores noções e condições de serem realmente livres, visto que, para ser livre tem que saber como é ser livre e, de que forma nossas escolhas podem nos trazer para situações complicadas. Porém, um complicado que tenha nossa identidade, ou seja, nossas escolhas conscientes.

domingo, 20 de novembro de 2011

Sobre Nietzsche!




A perspectiva da moral nietzschiana
Vamos, agora, intentar uma leitura da problemática ética a partir dos pressupostos da filosofia do autor alemão Friedrich Nietzsche e a forma peculiar com que ele lida com a situação. Como veremos, a discussão se firmará muito contraposta às conclusões observadas no pensamento de Aristóteles, em que a moralidade e a ética estão dispostos sob o jugo da razão, e isso é importante para mostrarmos como um mesmo problema pode ter, em Filosofia, tantas e tão diversas interpretações, sendo todas elas complementares a si mesmas e, como tal, necessariamente, dependentes umas das outras, visto que a filosofia, tal qual seus preceitos, pode ser pensada como uma construção humana.

Nietzsche e o método genealógico na Filosofia; moral, valores, conhecimento, verdade, direito, leis são vistos pelo filósofo como invenções do caráter humano; importante crítico da filosofia ocidental e da moral ocidental, baseada na religião cristã.

Grandes obras do pensamento nietzschiano
Quase toda obra filosófica de Nietzsche volta-se para as discussões morais, em maior ou em menor teor. Assim, decidimos destacar algumas que devem auxiliar a compreensão desse complexo pensamento:

Para além do bem e do mal
Para a genealogia da moral
Crepúsculo dos ídolos
Sobre verdade e mentira no sentido extramoral
A origem da tragédia
Ecce homo

A valorização nietzschiana dos instintos
Um ponto a ser exaltado primeiramente nessa filosofia é seu caráter de busca da valorização dos instintos e impulsos inconscientes como forças vitais do ser humano. Para Nietzsche, o vigor humano está presente nessas características, postas em segundo plano pela demasiada crença na razão como elemento central do homem.

É por isso que muitos denominam esse pensamento como uma filosofia da vida, do homem completo.

É essa valorização a assinatura da filosofia nietzschiana e é por aí que podemos iniciar o entendimento de sua crítica à moral ocidental que parte da filosofia grega.

Sócrates inicia a ideia na filosofia grega de que a verdade e o bem devem residir num plano exterior ao do devir sensível, numa esfera puramente conceitual.
Platão, desenvolvendo por completo esse juízo, marca a existência de dois mundos para explicar a realidade:

O mundo sensível, ilusório, o mundo das experiências sensíveis e que é imperfeito e não verdadeiro.
O mundo inteligível, das formas perfeitas, verdadeiro, no qual residem as essências únicas das cópias do sensível.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pensamentos Soltos IX




Modus Vivendus...

Segundo Sartre, a essência do homem é não ter essência, mas o seu viver determinaria o que vem depois, e se esse depois levar o nome de essência, que seja. Ou melhor, essa coisa chamada essência seria algo que o próprio ser humano constrói, é sua história no mundo e com o mundo. Assim, quando diz que a existência precede a essência ele está, tão-somente, confirmando a existência do homem no mundo e, por conseguinte, o que vier depois como sendo algo procedente desta existência, também seria algo-no-mundo. Isto quer dizer que nenhum ser humano nasce pronto, pré-determinado, mas faz-se para o mundo, deixa-se se tornar pronto, além de deixar o mundo pronto. Pensando nisso, o homem seria, em sua essência – a posteriori, visto que a essência é construída depois do estar-no-mundo – produto do meio em que vive, e que é construído por si-só. Este meio passa a existir a partir de suas relações sociais e com suas relações sociais. Tudo isso acontece dentro de um contexto em que cada pessoa se encontra inserida, embora modus incerto de viver e de se inserir. O homem é o único ser que possui condição de existência já pré-existente em seu viver. E se existir significa “sair de si”, ele, como sujeito, não apenas procura, de acordo com sua liberdade, conhecer as coisas externas, como fazer parte delas e, principalmente, fazê-las. Ou seja, fazer não somente ao mundo, mas também a si mesmo dentro do fazer do mundo, aliás, dentro do seu fazer no mundo. Por isso, ele produz o seu próprio ambiente e constrói em si aquilo que pretende ser, e como pretende fazer o mundo. Por outro lado, esta produção da condição de existência não é livremente escolhida, e nem sempre a desejada ou necessária, porque é previamente determinada. É-se assim porque, historicamente, determinou-se e se deixou construir pelas condições a si expostas. Se assim é, é também responsável por todos os seus atos, pois ele é livre para escolher (dentre as condições possíveis); seja o que quiseres ser. Enfim, como o que lhe determina é justamente esta liberdade, ele é condenado a ser livre para poder ser.

Responsabilidade Por Sermos Livres!



Sob a perspectiva de discutirmos sobre a profundidade da Condição Humana há que levarmos em conta a relação existente entre Liberdade e Responsabilidade. De que maneira esta questão se coloca existem algumas possibilidades, dentre elas a noção de Sartre de que o homem existe, primeiro, e somente depois ele passa a refletir sobre tal situação. Ainda para Sartre; o homem é aquilo que ele quer ser, e aquilo que ele estabelece como plano de vida para si. Sendo assim, não existe nenhuma definição pré-estabelecida que possa dar conta de sua natureza, logo, tal situação interfere diretamente em sua condição, enquanto ser humano inserido num contexto por ele mesmo construído e a ele validado. Ainda pensando no filósofo: não há natureza humana, mas a existência de uma vida humana que constrói uma natureza ou uma condição de sua existência.

Na medida em que deixa claro que a liberdade é um ato de escolha e por isso o ser humano tem o dever social de arcar com as consequências de seus atos, construímos um diálogo com o mundo, do adolescente com ele mesmo e com o mundo, e dele com as concepções que seu tempo lhe imputa.

Se o homem é condenado a ser livre, pode surgir o questionamento de que não há liberdade, pois está implícito em seu cerne, a obrigação de escolher, ou seja, deixa de ser um direito?

Desta forma, ao analisarmos o tema Liberdade, podemos afirmar que, a partir da concepção de Sartre, ela tem mais gosto quando desta análise mais “ousada”, pois, se sou eu quem faz tal escolha, em princípio, eu tenho que ter a noção de que não é ideal para mim no momento. E neste caso, tenho que ser responsável pelo que escolhi, visto que o meu ato foi livre, pelo menos na medida de fazer a opção diante do que me foi proposto.

E aqui surge outro ponto, a ideia de liberdade proposta por Dostoievski, ao afirmar que se Deus não existisse, tudo seria permitido, resgatada por Sartre, também nos ajuda a trabalhar o conceito de responsabilidade em nossas escolhas, nos colocando neste torvelinho que se mostrou as atuais escolhas, ainda mais tendo como referência um mundo tão cheio de “eus” como o que temos hoje.

Em sua análise, argumenta Sartre: Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. A tendência, na religiosidade popular, é entender este conceito como um ato de ateísmo. Neste caso há que se argumentar, quando do ato do convencimento – situação que não é a mais fácil nem a mais bem vista, quando se fala em responsabilidade no pensar livre e profundo – que a escolha do indivíduo não está vinculada a qualquer espécie de crença, mas é um ato social e, portanto, deve ser conduzida pela responsabilidade em sua opção mais carnal, visto que ele tem o poder de decidir o que fazer.
Enfim, o ser humano, por natureza e contingência histórica, faz questão de atribuir a outrem a responsabilidade das coisas, facilitando o não compromisso com seus atos, na medida em que os mesmos não tenham dado certo. E, nesse ponto, a concepção sartreana acerca do Existencialismo favorece o aspecto da responsabilidade como um atributo do ser humano, para consigo e para com o outro, isto é, quando escolhemos, não estamos obrigados a nada, aliás, a nenhuma natureza prévia, e por isso somos responsáveis por tais escolhas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Tente Ser Livre!

 
Ser livre é escrever num pedacinho de papel o tamanho do universo

É transformar a rotina em surpresa

É fazer das surpresas uma rotina.

Ser livre é ser todos sendo você mesmo

É ser você mesmo estando com todos.

Ser livre é ter o coração aberto para a liberdade do outro

É ter a liberdade do outro dentro de seu coração.

Ser livre é ter sentimentos bons pelos outros mesmo
quando os outros têm sentimentos ruins para você.

Nossa liberdade se traduz na liberdade que fazemos de nossa vida com o outro
 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Odisseu e os Deuses: uma Luta por Valorização




O filme Odisseia narra a aventura de Odisseu, herói grego, após a Guerra de Tróia, e como ele enfrenta a fúria dos deuses, perigosos inimigos e monstros mitológicos e, sempre com a proteção de Atenas, se dá bem, demonstrando bravura e resistência para retornar à Penélope.

O mais interessante na película é justamente esta condição contraditória de Odisseu que, apesar de criticar os deuses e sua condição de intromissão na vida dos homens, tem sempre o auxílio de Atenas. Ademais, ele se envolve emocionalmente com algumas deusas e acaba se saindo bem.

Assim, quando um homem desafia os deuses, e quando este homem resolve bancar este desafio, temos caracterizado uma das maiores virtudes da Grécia Antiga, versado por Nietzsche como uma das maiores revoluções e herança, advindas dos gregos, especificamente no período histórico chamado pelos historiadores de pré-Arcaico, ou Idade das Trevas Gregas, ou ainda, Idade Dórica, momento em que supostamente viveu Homero e que, conforme a Wikipédia: “A Idade das Trevas na Grécia (c. 1200 a.C.-800 a.C.) refere-se ao período da pré-história grega cujo início tem lugar a partir da suposta invasão dórica e do final da civilização micênica no século XI a.C. e cujo fim é marcado pela ascensão das primeiras cidadeséstados gregas no século IX a.C., pela literatura épica de Homero e pelos primeiros registros escritos a utilizarem o alfabeto grego, no século VIII a.C.[1], período em que os deuses, constantemente, intervinham na vida das pessoas.

Este homem, ao fazer este ato desesperado de coragem, em busca de um ideal (o retorno à casa e aos braços de sua amada esposa), apresenta toda a astúcia daqueles que, outrora, jamais deixavam que os deuses os conduzissem, embora a figura de Atenas esteja sempre ao lado de nosso herói.

E isso acontece quando há amor ao destino, ou como diria Nietzsche em A Gaia Ciência, amor fati. Este ato de amar aquilo que lhe é proposto pelos deuses (um castigo às bravatas que Homero faz o tempo inteiro, questionando os deuses e, ao mesmo tempo, sendo protegido por Atenas), no entanto, sem que isso se torne um castigo, uma punição ou uma prisão. Situação que faz de Odisseu, como também de Édipo e Prometeu, heróis dentre os medíocres.

Enquanto todos acatam os desmandos dos deuses de uma forma apática e sem questionamento, tanto Odisseu como Édipo faz deste destino uma forma de desafiar quem os colocou nessa situação, mostrando aos deuses que a existência deles está diretamente ligada à crença que os mortais neles depositam.

Assim, o amor fati é o amor ao necessário, não permitindo que o destino (empreendido pelos deuses) seja um empecilho para a consecução das obras que este grande homem faz, ao mesmo tempo em que é prejudicado por aqueles que, diretamente, tentam intervir em sua vida. Além do mais, há um outro conceito, também forjado por Nietzsche, que nos revela mais algumas ideias do que seria este desafio.

Um conceito que, diferente do amor fati (e que este último nos remete ao conceito que Nietzsche chamou de eterno retorno do mesmo) também nos dá pista de como era a personalidade de homens como Odisseu – é como se a vida sempre aqui estivesse, suas dores e seus sabores também, algo que com a presença do homem, ou não, faz dos seres, sejam quais forem, imortais na mortalidade do corpo –, onde a vida segue seu percurso sem que interrupções mais bruscas aconteçam; é o conceito de Individuação. Este outro conceito, mais voltado para os gregos, se encontra no livro O Nascimento da Tragédia: “O homem, alçando-se ao titânico, conquista por si a sua cultura e obriga os deuses a se aliarem a ele, porque, em sua autônoma sabedoria, ele tem na mão a existência e os limites desta.” (NIETZSCHE, 2000: § 9)

Ao desafiar os deuses Odisseu mostrou a eles que o homem, apesar de estar preso ao destino de seguir os deuses, pode fazer seu próprio caminho, nem que para isso ele passe pelos mais terríveis sofrimentos, como realmente aconteceu.

Um outro mito que Nietzsche apresenta, para justificar sua teoria é o de Prometeu: por ter roubado o fogo (sinônimo de conhecimento) de Zeus e dado aos mortais, foi condenado a ter seu fígado estraçalhado por uma águia todos os dias e, de novo no dia seguinte, o fígado ressurgiria, para novamente ser estraçalhado pela águia; e assim, por toda a eternidade. Prometeu é considerado aquele que alimentou o homem de sabedoria e o colocou em eterno confronto com os deuses.

Enfim, ao estudarmos a trajetória de Odisseu, e outros mitos a ele relacionados, estamos mostrando o lado contraditório do homem e, ao mesmo tempo, sua grandiosidade; devido justamente este lado contraditório. O homem, neste contexto, sabe exercer sua humanidade e nos mostra que, mesmo na mortalidade, podemos ter, e apresentar, personalidade e habilidades de deuses, principalmente no que se refere a forma como lidamos com o sagrado.


[1] Disponível online: http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_das_Trevas_(Gr%C3%A9cia), acesso em 10/11/2011.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Apenas Um Ensaio



Nietzsche escreve um ensaio, Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra Moral, no qual explora o lado gnosiológico, de origem e fundamentação do conhecimento. O conhecimento é uma ilusão, a única relação do homem com o mundo possível é a estética. O conhecimento típico do homem, que assimila o mundo à sua perspectiva. Existem os instrumentos do conhecimento (categorias e linguagem) e seu produto, o mundo percebido. Uma das perspectivas que aprecem em Nietzsche é noção de que o instinto da conservação da espécie é a responsável por muitos atos. O conhecimento é útil à preservação da vida, e é também o objetivo de todos os líderes religiosos.

O conhecimento não é transcendente, o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas, o resultado é o mundo articulado. O conhecimento foi inventado em um minuto, em relação aos cosmos, pelo homem. Foi um minuto mentiroso. A verdade é procurada para ser válida e comum e a linguagem dá as primeiras leis da verdade. A verdade e a mentira seriam relativas, válidas para o ponto de vista humano.

No processo de antropomorfização do mundo, o reduzimos e generalizamos. Por exemplo, ao estereotiparmos folha, ignoramos qual folha é verdadeira e válida. Não existe na natureza a folha, elas são bilhões de folhas. Nietzsche observa os humanos de longe, e não o considera um ser privilegiado. Um dos pontos principais de sua obra é a crítica aos valores judaico-cristãos.

O homem não é divino. Necessita sobreviver e dominar, na história estão presentes a vontade de poder, de dominar. O destino de um homem não é tanto assim, afinal, o sistema solar é apenas um ponto. O homem se apega à mentira do conhecimento como se sua filosofia ou ciência explicasse realmente o mistério cósmico.

São invenções o conhecimento, a moral e a metafísica. No século XVIII caíram as teorias de origem divina do homem. Mas existe o idealismo metafísico, o homem é divino, a Terra é escolhida.

Para Nietzsche, o homem está sem Deus, sem causa transcendente. O conhecimento é ativo e submisso à vida. O mundo que tem valor é o que criamos ao perceber. Nossas verdades são ilusão.

Afetividade e Aprendizagem na Primeira Infância (0-3 anos)



A Primeira Infância, considerada a base para todas as aprendizagens humanas, perpassa o período do nascimento até os seis anos de idade, mas para a relação existente entre afetividade e aprendizagem, pode retroceder até a vida intra-uterina, visto que o feto já recebe os primeiros estímulos afetivos e, consequentemente, cognitivos de sua existência; vista já neste momento como a preparação de uma longa jornada, a qual pode ser abortada se não houver estímulos muito agradáveis ou caso não haja a preocupação de que a vida ali existente já está totalmente disposta a receber bons e amorosos fluídos intelectuais.

Dotado de desejos, vontades e sentimentos próprios, já no nascimento o ser humano começa a se desenvolver, seja respondendo por estímulos – ainda dentro do útero – seja, afetivamente, entrando em contato com seus pares. Sua postura de ator pensante no mundo, por mais que ali não esteja totalmente definida, para a cognição social já está em projeto, já está em potência. E é neste ponto que as primeiras experiências relacionais desempenham papel importante no curso do desenvolvimento cognitivo.

Pensadores como Piaget falarão da importância da vivência destas crianças com os adultos, principalmente da vivência afetiva. Já Vygotsky afirmará que o ser humano se constrói nas suas relações e trocas com os outros, em especial, quando estas relações se constroem por meio do afeto. Em Wallon “no início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas, com predomínio da primeira.” (apud LA TAILLE: 1992, p. 90), ou seja, ambos os três pensadores colocam a afetividade como elemento primordial para a construção da identidade social e constituição educacional das crianças.

Por conseguinte, alguns estudiosos vão defender que, devido um ritmo mais lento de desenvolvimento, em nos comparando com outros mamíferos, o ser humano é mais dependente de seus pares por um período mais extenso e prolongado, daí a justificativa – e a necessidade – da afetividade para o pleno desenvolvimento dessa criança, visto que, por ser tão dependente, esta situação de afeto é algo muito caro para o bebê. E é isso que, mais indistintamente, nos torna humanos.

Por um lado, tal fato constitui um grande inconveniente para a criança e para os pais, embora, simultaneamente, isso acarreta em grande benefícios para a criança. Com efeito, um período tão longo de dependência justifica-se pelo fato da criança ser uma criatura cuja principal especificidade é sua capacidade de aprender e; invenção básica dos seres humanos, aprender a cultura, isto é, os modos de ser e estar no mundo que cada geração transmite para a seguinte. Transmissão que tem no afeto o primeiro elemento de confrontação e confirmação de saberes.

Assim, a cognoscência do bebê, devido este processo de maior dependência do adulto, tem na afetividade o elemento que liga esta criança com seus pares humanos. Com tanto a aprender, as crianças têm muito a ganhar com o fato de serem “forçadas” a permanecer junto daqueles que as ensinam com afeto.

Desde seu primeiro ano de vida, a capacidade perceptiva e a inteligência do bebê atuam como elemento consoante ao ambiente, outrora hostil, do mundo que a circunda. Esta relação de interação com as coisas ao seu redor garante uma certa autonomia cognitiva, além do mais, traz situações de conflito e afeto. Situações que serão lembradas pela criança na configuração de sua vida, e de suas relações sociais.

Por isso mesmo é que Ramires (2003), em Cognição Social e Teoria do Apego: Possíveis Articulações, busca na conexão emocional com outras crianças e com os adultos, o processo que garante a composição da individualidade do bebê e sua separação do mundo intra-uterino, logo, o processo que apresenta ao bebê o mundo da cultura tal como ele é, e como sua dependência dos adultos lhe é útil: “O desenvolvimento sócio-cognitivo, portanto, começa com os primórdios do processo de separação-individuação e conexão emocional com o outro nos bebês. Esse desenvolvimento inclui a compreensão crescente das emoções e dos perceptos, e também o conhecimento das crianças e dos adolescentes acerca dos atributos pessoais dos outros e do self. Inclui ainda o conhecimento das causas do comportamento e uma compreensão das relações sociais que implicam no reconhecimento de relações recíprocas como a amizade, os relacionamentos amorosos e os julgamentos morais.” (p. 404)

Como se vê, mais que preparar o bebê para receber os símbolos e estímulos do mundo, a afetividade (seja ela apresentada em casa, com os familiares, seja também entre este bebê e seus educadores) tem papel importante, inclusive, em relações interpessoais e, principalmente, na composição dos futuros julgamentos morais desta criança; o quê significa que o afeto, mais que um elemento aproximativo do bebê com seus parentes e o mundo, é também um elemento conformador da cognição e do desenvolvimento educacional deste ser em formação, bem como seu passaporte para o mundo dos adultos e sua criação identitária.

Daí a importância das interações socioafetivas do bebê e de sua dependência para com os adultos, situações que proporcionam vivências afetivas, e consolida sua entrada no mundo, como ser individual que é. Tanto a entrada social como a entrada cognitiva, onde há o reconhecimento de símbolos que são constantemente apresentados e decodificados pelo bebê.

Para melhor compreendermos estas interações socioafetivas, tanto Wallon quanto Piaget e Vygotsky nos serão mui úteis, trazendo-nos elementos formativos e conformativos para a confirmação desta tese. Mas, além disso, também a relação psicológica exercida entre a criança e seus pares pode mostrar bons elementos para a constatação deste estudo.

Diante disso, este trabalho tentará analisar a importância dos aspectos socioafetivos para o desenvolvimento e o processo ensino-aprendizagem, com foco na importância da afetividade como recurso intelectivo e motivacional e para a relação professor-aluno na construção destes saberes.

Apontar a importância da qualidade das primeiras relações afetivas da criança, com seus primeiros educadores, implica em focar numa boa teoria do desenvolvimento e como isso, diretamente, afeta no exercício da aprendizagem e na construção das relações interpessoais desta criança pelo resto de sua vida escolar.

E aqui podemos apontar como Piaget apresenta esta informação, conforme seus estudos, “é nas vivências que a criança realiza com outras pessoas que ela supera a fase do egocentrismo, constrói a noção do eu e do outro como referência. A afetividade é considerada a energia que move as ações humanas, ou seja, sem afetividade não há interesse nem motivação.” (SILVA e SCHNEIDER: 2007, p. 83), significando que, a afetividade funciona como um motor para o desenvolvimento da criança e, mais que isso, para que a criança entre no universo consolidado por sua relação com seus educadores e seus métodos de ensino-aprendizagem é necessário que ela chegue até este universo levada pela mão do afeto e do carinho, tanto aquele advindo de casa – sendo considerado o mais importante – quanto aquele recebido nas escolinhas infantis, por seus educadores; daí a grande importância do elemento afeto no desenvolvimento deste educando e como isso afetará, positivamente, toda a vida escolar do indivíduo.

Se no início, a criança sente a mãe como parte de si mesma, no culminar do primeiro ano, ela aprende a vivenciar a mãe como objeto separado (com identidade e papel próprios) e, como tal, mais um elemento de seu mundo conformativo e identitário, momento considerado ideal para apresentá-la ao mundo escolar, e às outras pessoas que deste mundo fazem parte.

Aprende a esperar, visto que, no universo social e escolar ela não está mais sozinha, ela interage com outras crianças e com outros adultos que não aqueles de seu convívio familiar. Neste processo de separação a criança desenvolve a  tolerância à frustração e, desta capacidade de espera resulta o ecoar interno de uma representação da mãe; uma representação que vem simbolicamente focada no carinho que os educadores trazem para a criança, e para seu universo pessoal. Carinho que traz até a criança os símbolos do mundo, logo, confirma-se o processo de ensino-aprendizagem.

Mas, esses momentos de crescimento só serão possíveis se esta etapa for suficientemente preenchida de boas experiências emocionais, que permitam ao bebê um modelo de estabilidade e segurança, previsível e contínuo. Um modelo que lembre o universo familiar e, ao mesmo tempo, separa-se dele, trazendo os símbolos do mundo. Mostrando que o mundo também pode trazer elementos de aprendizagem e de construção de saberes. Construção essa que necessita deste outro afeto, que não o familiar, para que a criança se constitua como um ser em formação, e com uma identidade própria, apesar de vinculado aos primeiros símbolos advindos de sua família.

Ganham os bebês que se ligam bem aos adultos mais próximos, e com eles constroem uma relação de confiança básica, marcada por um padrão rotineiro, sem períodos de separações traumáticas ou perdas de figuras de referência. E por adultos mais próximos, não são necessariamente aqueles da estirpe familiar, mas todos aqueles que passam a integrar este novo universo da criança; o universo da escola. Por outro lado, perdem aqueles que, por oposição, possuírem vinculações inseguras, marcadas pela instabilidade ou, por múltiplos prestadores de cuidados; daí a importância da criança ter uma continuidade na constituição de seus saberes primordiais.

A segurança que a criança constrói em seus primeiros contatos afetivos com a mãe serão levados para o mundo externo. Dessa forma, ela terá maior segurança de separar-se da mãe sem que isso se torne um trauma. Esta vinculação pode ser indicadora da qualidade das ligações emocionais que a criança, numa situação futura, continuará na escola, em seu processo de ensino-aprendizagem.

Aquelas crianças cuja ligação com a mãe (e com seus pares mais próximos) ocorreu de modo seguro e tranquilo, estão naturalmente mais aptas a gostar de ir à escola, aprender, brincar, receber e visitar amigos, e um dia namorar, casar, terem a sua família organizada. Pois, o afeto que se desenvolveu neste primeiro momento será marcante durante toda a vida socioafetiva da criança, em seu processo de ensino-aprendizagem. Isso dá-lhe confiança, para com suas relações com o mundo.

Ensina-as a lidar com as frustrações de uma forma mais serena, visto que o desapontamento e a desilusão garantem a elas limites, dão-lhes elementos cognitivos para lidarem com o mundo.

Como justificativa desta afirmação, Silva e Schneider (2007), afirmaram o seguinte: “Partindo do pressuposto de que a afetividade é um composto fundamental das relações interpessoais que também norteia a vida na escola, acresce em relevância uma pesquisa teórica que facilite a compreensão, por exemplo, da relação entre a afetividade e a aprendizagem no âmbito da relação professor–aluno para a construção do conhecimento, para o desenvolvimento da inteligência emocional e para o processo de avaliação da aprendizagem.” (p. 83), mostrando que muitas pesquisas atuais já estão sendo feitas, justamente, para confirmar esta teoria. Mais que isso, a empatia, nesse sentido, é o primeiro elemento para que o educando se disponha a empreender uma busca pelo saber; e isso ocorre em todas as fases de sua vida escolar.

domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre a Escola da Ponte



O modelo de monodocência, onde o professor determina o que é melhor para o aluno, isto é, o que ele deveria aprender, de um ponto de vista macro, pensado como uma lógica burocrática e corporativa de mera adição (em que o aluno apenas recebe “líquido” e o professor apenas deposita), confrontação ou justaposição de papéis educacionais (ALVES, 2004: p. 115) é o ponto de crítica para o programa da Escola da Ponte, modelo educacional existente há alguns anos em Portugal – Escola da Ponte nº 1, situada em Vila das Aves, na Vila Nova de Famalicão, terra do escritor Camilo Castelo Branco –, e este foi o exemplo utilizado por Rubem Alves para tentar justificar o título de seu livro e um novo modelo educacional.

Ao desejar uma escola que fuja dos padrões da escola tradicional, Rubem Alves se inspira no modelo adotado nesta localidade de Portugal – Vila Nova de Famalicão –, ponto de referência para o título de seu livro de crônicas: A Escola Com Que Sempre Sonhei Sem Imaginar Que Pudesse Existir, (2004).

Modelo que se baseia no pensar a educação como uma aventura coletiva de partilha em que saberes, expectativas e experiências dão valor e sentido à vida.

Local em que a criança, com o bailar de seu corpo, define o que quer aprender. Um aprender que estaria intimamente ligado à vida. Um espaço em que se vive o que se aprende e se aprende o que se vive.

Na escola tradicional o docente é pensado como uma ilha autônoma dentro de um arquipélago, onde cada um tenta construir sua própria identidade (quando se consegue tal feito), ou mesmo a identidade do que ele concebe como sendo o correto da educação. Assim, definir monodocência é como tentar encontrar, numa ilha, um coletivo de papel.

A Escola da Ponte, por outro lado, é uma escola que se referenda nos seguintes valores: Uma equipa coesa e solidária e uma intencionalidade educativa claramente reconhecida e assumida por todos (alunos, pais, profissionais de educação e demais agentes educativos) são os principais ingredientes de um projecto capaz de sustentar uma acção educativa coerente e eficaz [sic], informações que fazem parte dos princípios fundadores da Instituição. A Escola da Ponte pode ser vista como uma escola em que a hierarquia não se apresenta de uma forma direta, um local onde o projeto pedagógico do professor não é só dele, mas um constructo coletivo.

Talvez essa hierarquia se mostre apenas em lastros educativos, local em que as crianças mais velhas ensinam as mais novas (os miúdos). Jamais em lastros organizativos, visto que a educação, quando coletiva, traz para mais perto das pessoas sua real importância, por isso, essa hierarquia organiza, não comanda e nem impõe.

Uma escola que tem como intencionalidade educativa a formação de pessoas e cidadãos cada vez mais cultos, autónomos, responsáveis e solidários [sic], em que a construção do conhecimento acontece de forma coletiva, com a ajuda de todos aqueles que se interessem pelo projeto.

A escola que Rubem Alves almeja deve ser uma escola que não se traduza em algo mecânico e compartimentado ou em disciplinas curriculares inarticuladas de conteúdos ou objetivos avulsos. Quer-se com isso dar autonomia ao aluno, para que ele comece a escrever a própria vida, visto que ela é única e irrepetível.

Daí a importância em repensar a escola que, para Alves, deveria ser como a da Ponte: uma práxis de educação na cidadania, pois, é da prática do civismo que resultaria a aprendizagem na consciência da cidadania.

Em se pensar que nossas escolas não conseguem mais colocar consciência nas crianças, e estão longes de, junto a isso, imprimir-lhes cidadania, é um projeto muito interessante, e como consta no livro, com alguns relatos de educadores e pais, é um método que realmente funciona. Educar na cidadania não é o mesmo que educar para a cidadania; ao menos não nos moldes das escolas brasileiras.

Hoje a escola parece muito mais um depósito de criança, em que o que vale não é mais o saber em si, mas manter as crianças ocupadas por um tempo, para que os pais possam ficar livres delas e, ao mesmo tempo, garantir alguns trocados no final do mês. Quer-se crer, infelizmente isso faz parte do ponto de vista de uma grande quantidade de pais, que a escola serve tão-somente para dar Bolsa Família, não mais para educar na cidadania.

Educadores como Rubem Alves acreditam que a aprendizagem e o ensino sejam um empreendimento comunitário, uma expressão de solidariedade das pessoas para com o mundo. E mais que aprender saberes, as crianças deveriam aprender valores – como nos faz acreditar que isso acontece em Vila Nova de Famalicão –, se não por completo, ao menos em grande parte de sua vida estudantil; em sua vida de aprendente. Na Escola da Ponte a ética perpassa silenciosamente, sem explicações, o quotidiano das crianças e suas relações naquelas salas imensas.

sábado, 29 de outubro de 2011

Pensamentos Soltos VIII



Por Kant

Eu diria que Kant pega e empirismo e o racionalismo e os coloca lado a lado, no entanto, sem se bastarem por si só. Entra neste ponto a crítica da razão pura, visto que, ao pensar o objeto como algo que depende das sensações advindas da sensibilidade espaço/tempo, ele está traçando um novo elemento. E esta crítica se direciona a ambos elementos, por um lado a experiência que pode nos enganar, e por outro o racionalismo que precisa ser pensado a partir de uma premissa, evitando a confusão entre fenômeno e coisa em si. Um elemento mais crítico àquilo que outrora se praticava em filosofia. Pensar a razão por si só não bastaria, visto que nossas sensações poderiam deturpar esta produção do saber, aliás, não as nossas sensações, mas aquelas advindas da relação espaço tempo. E aqui eu poderia usar as seguintes palavras para justificar esta tese: "Para Kant, o exercício puro da razão, isto é, sem a experiência, não possibilita o conhecimento, por isso, a crítica. Não haveria conhecimento nesse caso, pois, segundo Kant, a experiência traz o material que as formas a priori do entendimento irão organizar." E este material advindo do mundo e introduzido na mente, por meio da razão, precisa ser aprofundado, por isso a crítica, evitando que as informações que nos cheguem sejam apenas fenômeno, já que a coisa em si é difícil de ser assimilada, isto é, difícil de ser mensurada. E ainda mais informações a respeito: "Por outro lado, também critica o Empirismo que coloca toda a cognição a partir dos sentidos. Kant concorda que o conhecimento inicia-se pela experiência, porém, para ele, esses dados recebidos são organizados por formas existentes a priori em nossa razão, a saber, as formas da sensibilidade do espaço e do tempo." O grande problema que os sentidos demonstram, novamente, têm a ver com o fenômeno que nos chega como conhecimento a ser recebido, aliás, como conhecimento a ser captado. Resta à razão pura buscar no a priori o elemento que traduza este fenômeno e o transforme em saber palatável. Enfim, empirismo e racionalismo não são descartados, mas aprofundados e melhorados, pois a razão pura terá condição de fazer com que estes elementos, a partir da crítica, se transformem em saber... se transformem em conhecimento de mundo.