quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Resenha: Bakunin - Deus e o Estado


Esta obra é um escrito de circunstância, como muitos de Bakunin ao longo de sua vida atribulada. Nem por isso deixa de ser uma obra fundamental para história do socialismo mundial e, mais especificamente, para o anarquismo. Como um relato, talvez mais visando à oratória, cuja arte era mestre, do que um destino final de um livro, ele é um fragmento e termina abruptamente dando-nos um gostinho de quero mais.

O tema do livro é um dos mais recorrentes na vida deste revolucionário libertário que abdicou de toda a sua fortuna e aristocracia, do seio da qual saiu, para passar grande parte de sua vida atrás das barricadas juntos aos operários lutando contra o Estado burguês e a religião. Assim, no livro Bakunin procura demonstrar a relação intrínseca entre Estado e religião representada por Deus e começa: Três elementos ou três princípios fundamentais constituem, na história, as condições essenciais de todo desenvolvimento humano, coletivo ou individual: 1º a animalidade humana; 2º o pensamento; 3º a revolta. À primeira corresponde propriamente a economia social e privada; a segunda, a ciência; à terceira, a liberdade [1].

A partir desses três elementos Bakunin irá destruir as justificativas que sustentam a idéia de Deus e do Estado. Do primeiro, a animalidade humana ele vai se apoiar para exigir uma história científica do desenvolvimento da humanidade a partir do evolucionismo, racionalmente, [admite] a transição progressiva e real do mundo denominado inorgânico ao mundo orgânico....

O pensamento que culmina com a ciência moderna é o momento histórico que permite aos homens refletirem sobre si mesmos e descobrirem que o poder emana dos próprios homens e não de um ser divino mais elevado que eles e que, assim, se estão sendo explorados não é para viver um futuro melhor em uma outra vida, um paraíso, ou seja lá o nome que se quer dar ao resultado de uma representação ideológica do poder, portanto, e aí vem o terceiro ponto a que se refere Bakunin, a revolta além de ser um instinto humano porque, segundo ele, é a reação natural a todo ser, mesmos os animais, que sofrem algum tipo de violência. Para efetivar a condução dessa revolta contra o Estado burguês constitui o sentido do seu discurso.

Em todo o texto, Bakunin argumentando a partir da ciência, de um materialismo proudhoniano: ... os fatos têm primazia sobre as idéias; sim o ideal, como disse Proudhon, nada mais é do que uma flor, cujas condições materiais de existência constituem a raiz. Sim, toda a história intelectual e moral política e social da humanidade é um reflexo de sua história econômica [2], procura combater os idealistas que se utilizam de uma metafísica (para além da matéria) para legitimar as injustiças da exploração estatal e industrial, retro-alimentada e tendo como cúmplice a religião que pela idéia de Deus impõe a hierarquia natural de reis divinizados e letrados com a posse do saber transformada em poder que, por isso, torna-se opressor.

Ainda no início de seu texto, Bakunin faz uma síntese de seus pontos problematizadores: O homem se emancipou, separou-se da animalidade e se constituiu homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento especificamente humano por um ato de desobediência e de ciência, isto é, pela revolta e pelo pensamento. [3] Nesse sentido, a ciência jamais pode ser usada para impor a opressão, pois, Disso resulta que ciência tem por missão única iluminar a vida, e não governa-la. [4]

E assim, Sobre esta natureza fundam-se os direitos incontestáveis e a grande missão da ciência, mas também sua impotência vital e mesmo sua ação malfazeja, todas as vezes que, por seus representantes oficiais, nomeados, ela arroga-se o direito de governar a vida. (...) Numa palavra a ciência é a bússola da vida, mas não a vida. (...) [5]

E para lembrar e não mistificá-la: ... a ciência nada mais é do que um produto material de um órgão material, o cérebro. E continua para evitar que se faça um mau uso da própria arma que aponta para o Estado burguês encoberto pela ilusória religião: A vida é fugidia e passageira, mas também palpitante de realidade e individualidade, de sensibilidade, sofrimentos, alegrias, aspirações, necessidades e paixões. É somente ela que, espontaneamente, cria as coisas e os seres reais. A ciência nada cria, ela constata e reconhece somente as criações da vida. [6]

Dessa forma, seu texto fora construído, embora, contra idealistas, ainda como um bom hegeliano, percorrendo uma espiral crescente que sempre retorna aos princípios norteadores para desenvolvê-los com mais afinco, contrapondo-os às teses que julga mais desenvolvidas, para, a seguir, anti-teticamente, negá-las e destruí-las com argumentos também mais desenvolvidos e eficazes.

Nesta discreta resenha dou reconhecido destaque para o que é uma das atualidades de Bakunin: sua oposição a uma ciência dogmática.

[1] BAKUNIN. Deus e o Estado, p. 13.
[2] Ibidem, idem, p. 14.
[3] Idem, p. 17.
[4] Idem, p. 62.
[5] Idem, p. 61-2.
[6] Idem, p. 61.

Seção - Filosofia de Boteco: Dioniso Sóbrio XV


Aforismos: Senso Moral


Todas as coisas viventes - e não-viventes também - só nos fazem sentido quando entramos em contato com elas. Todavia seja um contato todo controlado, e determinado, ainda assim é nosso contato para com o mundo externo e, dessa forma, nossa significação de vida. Determinado por nossa formação, valores e estrutura de vida. Assim, nossa condição humana, responsável por nossa estrutura existencial, também dá muitos pitacos nos elementos que criamos sentidos, e estes sentimentos serão nossa referência para entender o mundo e a infinidade de signos que este mundo nos bombardeia os sentidos. Quando se fala em moral, aí a situação fica ainda mais complicada: qual o parâmetro do autor que vos fala, ou de outros autores, para clarificar o conceito de moral? Boa pergunta... ainda mais quando sabemos que este conceito foi muito discutido em toda a história do conhecimento humano e da filosofia, sempre significando algo que compete aos seus autores, jamais ao coletivo - apesar de termos exemplos de situações que se universalizaram devido as forças externas que determinavam e dirigiam o mundo de então. O que não é de todo incorreto, nem condenável: ao contrário; é sinal de liberdade de pensamento e de significação... apesar de sabermos que nossa liberdade sempre esteve vinculada a algo, bem como o sentido de nossa vida e nossos conceitos. Por isso, ao se referir ao termo senso moral, qualquer coisa que eu falar faz sentido, ainda mais quando o que está em jogo seja a liberdade de expressão. É isso que nos faz humanos, embora seja isso também que nos tira a liberdade existencial, dando lugar a uma liberdade totalmente vinculada a algo; principalmente a algo que não faz parte de meu-algo. Conhecer tem seus traumas, filosofar, então (ainda mais num país onde não se pode pensar direito...), é mais traumático ainda. Vai saber o que os outros dirão destas palavras? Será que o senso moral deles a mim me compete? E o meu, a eles se coaduna?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Sobre a Liberdade – por Mill



Parte II

O quase antagonismo advindo da dualidade liberdade/autoridade, desde remotas datas, sempre foi o estopim para grandes revoltas, além de uma justificação para a noção e o comportamento do que estamos chamando de Liberdade Civil.

Tentando combater inimigos criando outros; grande estratégia dos Tempos: em boa parte do processo histórico no qual se envolveu a luta pela liberdade, deu-se a contrapelo de direitos individuais. Condições humanas, por vezes antagônicas aos direitos coletivos, ficavam preteridas, criando tiranos para combater tiranos.

Opressão e abuso de poder podem ser instrumentos de liberdade – ainda mais quando o que se está no horizonte é o nascimento de um novo tirano –, visto que um governo representativo, não-necessariamente, representa a população, nem mesmo seus compatrícios. O objeto da Liberdade Civil, como demonstra o tempo dos homens, nunca foi a Liberdade, nem tampouco a unanimidade; foi sim a legitimidade de determinado poder. Situação que sempre se mostrou como objeto instrumental de um coletivo, nem sempre responsável pela coletividade.

Mill nos dirá, com referência a este evento, o seguinte: Há um limite para a interferência legítima de opinião coletiva com independência individual; e encontrar este limite, e mantê-lo contra qualquer invasão é tão indispensável para uma boa condição de questões humanas, quanto à proteção contra o despotismo político. E este mesmo limite, por mais que seja algo contraditório, é o que dá garantias à liberdade, e a nós, em sua busca no coletivo. Situação muito estranha quando o que está em jogo seria a perpetuação de certos poderes, em detrimento de algum tipo de renovação, ou ainda a manutenção de determinados vícios.

Por isso mesmo, a existência de cada pessoa só demonstra sua importância dentro do coletivo, legitimando certa individualidade, apenas quando do reconhecimento do limite alheio, e somente para isso. Por este motivo, ao pensarmos em limite, também estamos nos referindo às restrições que parecem ser inerentes à Liberdade. Apenas por meio de restrições é que a Liberdade Civil se afirma.

Ao penalizar o outro, dando-lhe condições de exercer sua liberdade, e a de quem o está penalizando, nada mais fazemos que compartilhar de uma sociedade que tem seus fundamentos morais, externos, e em desagravos e tolerâncias que tão-somente a si – e a seu grupo dominante – compete.

Mas, o mais interessante deste condicionamento social, que dá lugar à Liberdade, é o local onde sua primazia passou a ser maior que as individualidades. Apenas na religião temos um grande ornitorrinco se empenhando em dar à humanidade sentimentos que a todos deveria se coadunar, convergindo antagonismos individualizantes... outro problema: da doutrina se faz a Liberdade. E da Liberdade se faz a vida: seja ela coletiva ou individual.

Ainda pensando na religião, atenção para o fragmento a seguir, ainda em Mill, pois o mesmo faz uma ótima referência de como os códigos doutrinais e religiosos poderiam se confundir com alguns hábitos dos promotores das Liberdades Civis: Eles [referindo-se à casta que coordena a Liberdade Civil] preferiram empenhar-se em alterar os sentimentos da humanidade nos pontos particulares onde eles próprios eram heréticos, do que em produzir uma causa comum em defesa da liberdade, geralmente com heresia. O único caso onde o fundamento superior foi adotado como princípio e mantido consistentemente, por qualquer indivíduo aqui e ali, é o da crença religiosa: um caso instrutivo de muitos modos, e não menos em relação a um exemplo de falibilidade surpreendente daquilo que chamamos senso moral: pois o odium theologicum, em um beato sincero, é um dos caos mais inequívocos de sentimento moral.

Por que não pensarmos neste tal de senso moral a partir de agora? ...

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Sobre a Liberdade – por Mill



Parte I

A pensar que a liberdade surge de uma imposição tirânica sobre abutres que se impõem em grau menor, a um grupo chamado, como ainda menos, de gavião, um longo debate nos alerta que, por liberdade, gostando ou não, a única coisa que podemos entender é a forma como utilitariamente ela nos vêm, e isso só acontece por meio de uma relação que temos para com nossos coetâneos espécimes, dando-nos instrumentos de compreensão de força e poder e, principalmente, de tirania!

Se liberdade é pensada como grau de comprometimento e de submissão, resta-nos a clara informação de que jamais a poderemos conquistar... a não ser dentro de uma Liberdade Civil ou Social que, já por natureza, não cabe mais a nós! E sim a alguém que, de alguma forma, tomou para si a tarefa de dar-nos a liberdade, isto é, cabe àquele que está de fora – seja em pessoa, seja em instituição; que também pode ser uma pessoa.

Grande ironia; vejamos como John Stuart Mill em seu Ensaio Sobre a Liberdade nos alerta para isso: Seu poder [do exercício opressor] era considerado tão necessário, mas também tão altamente perigoso; quanto uma arma que tentassem usar contra seus súditos [liberdade surgida como garantia de submissão a um certo chefe, para qua a vida se garanta junto ao grupo, e em detrimento do inimigo externo, ou ainda, a determinado opressor... pois bem, assim surge a Liberdade Civil], não menos do que contra inimigos externos. A fim de evitar que membros mais fracos da comunidade fossem oprimidos por inúmeros abutres, era necessário que houvesse um animal de rapina mais forte do que o resto, encarregado de contê-los.

Liberdade advinda de um jogo de força, donde o mais fraco, para manter-se mais fraco, e por ser mais fraco, se escraviza em prol de seu senhor. Devido sua força, e para manter sua força. Esquemas de jogos de poder que, ao surgirem como política do dia-a-dia, e manutenção de agregados não-familiares, se-nos mostram como elementos de não-liberdade, embora, elementares para manter a Liberdade Civil, e para dar-nos a liberdade – boa ironia!

Como explicar para o tirano que ele não pode ser tirano se, diuturnamente, ele está, cada vez mais, vendo justificada suas estratégias de manutenção de poder? Não dá... talvez por isso o tema seja tão espinhento e tenha passado por muitas bocas e penas ao longo da história da humanidade. Esta mesma que se faz por meio do jogo e da enganação. Por meio da submissão e da imposição. Por meio da força e, em raros momentos, da rebeldia. Aliás, até mesmo a rebeldia, dado o lado em que é posta, se faz por meio da força e da imposição... talvez uma justificativa para o trecho acima exposto, de Stuart Mill.

Ainda pensando por Mill, e a partir de Mill, a liberdade surgirá da necessidade de se impôr limites àqueles que dela não compartilham, em nosso grupo, e que, ao mesmo tempo, delas necessitam para que sua vida seja, de fato, vivida. Uma sobrevida que se garante dando em troca uma primeira vida: a vida em liberdade.

Chamar à tona a palavra Liberdade é o mesmo que chamar à tona a palavra Comunidade: Mas como rei dos abutres estaria não menos empenhado em oprimir o bando do que qualquer dos menores gaviões, era necessário assumir uma eterna atitude de defesa contra seu bico e garras. O objetivo, portanto, dos patriotas era estabelecer para o poder limites aos quais o governante deveria estar sujeito [e acaba não estando, como temos visto em abundância, na história do homem, este ser tão inteligente e cheio de si: por ter soluções sobre todas as coisas e problemas] ao exercê-lo sobre a comunidade; e esta limitação era o que eles chamavam de liberdade.

E hoje, será que temos visto muita diferença... em se pensando que Mill se refere ao século XIX? É sobre isso que gostaria de descobrir, a partir destas novas palavras, depois de um longo – porém curto – mês de férias! Estamos de volta!