sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Deus e a Serenidade... sua Maior Revelação!


O grande mistério que envolve Deus é sua revelação, exatamente por isso sua pessoa se institui nos locais mais enigmáticos e nos momentos mais terríveis, também por isso sua presença, mesmo distante de nossa visão por algum tempo, ainda nos comove e nos incomoda, bem como nos acomoda também, este é seu mistério. As situações da vida nos aproximam deste ser, nos coloca perante ele mesmo sabendo que ele sempre esteve por perto, mesmo sabendo que seu trono pode ter ficado vazio por um tempo, mesmo sabendo que sua presença pode ter passado desapercebida. E aí não o vimos, situação que nos traz a tormenta, a sublimação e a serenidade, e eis que como uma luz ele se nos revela, apesar de sempre ter estado por perto. Mas, mais que isso, junto com a serenidade nos aproximamos de Deus, sentamos junto a ele no trono, e nos colocamos frente a frente com ele, como iguais, apesar de algumas instituições pensarem isso como uma blasfêmia... aliás, até mesmo na blasfêmia ele se nos apresenta, nos deixando ainda mais intrigados.

Nosso maior problema é quando buscamos ele em locais errados, no entanto, também nestes locais sua pessoa se faz presente, também nestes locais sua resposta se apresenta, e nossa vida pode receber, ou não, esta sublimação. Se houve transformação, houve sublimação e serenidade... e sua principal morada é a serenidade.

Assim, sua onipresença pode nos deixar estarrecido, principalmente quando o procuramos em locais que, habitualmente, nossa mente e coração não concebem, por isso a cicatriz de nossa vida, e por isso também a busca constante por esta serenidade..., e, assim, os momentos ruins nos aproximam bastante deste ser, deixando-nos serenos perante a realidade da vida, porém, incomodados..., incomodados com a vida.

Muitos podem não buscá-lo nos meios convencionais (como as igrejas, por exemplo), como também podem ir nestes locais e não o ver devidamente (visto que um grande véu cobre nossa mente e nos deixa inebriados por algo que não convém, neste momento em específico), pois a mente está enevoada e a penumbra persiste. Por isso mesmo, ainda falta muito para entendermos o quanto nossa religiosidade está acima das religiões, sejam elas quais forem, e ainda mais, para compreendermos o que ele é realmente, e o que deseja de nós. E é este sentimento de religiosidade que nos coloca diante dele, mesmo sem sabermos se ele é realmente aquilo que a instituição determinou, ou se nossos olhos realmente estão vendo isso.

Por isso mesmo, nossa busca deve se concentrar em todos os momentos, mas será nos momentos difíceis que mais nos aproximaremos do encontro. Nos momentos difíceis é que essa nossa religiosidade se aflora e nos comove... assim, alguns são convertidos, outros são iluminados, ainda outros são colocados à prova. Aí sim, neste momento de convocação, nossa mente e coração estão preparadíssimos para conceber... seja sua força, seja sua ira.

Dessa forma, o importante, neste momento de serenidade, é saber receber bem estas emanações e como elas podem ser um instrumento de transformação em nossa vida. E creio que a grande transformação esteja justamente em poder encontrá-lo mais de perto, estando, para isso, mais longe de seu centro, mais longe de sua morada.

E, nesse sentido, as religiões são justamente este centro irradiador e nevrálgico, daí elas fazerem tanta diferença em nossa vida, como sei que pode fazer na de quaisquer pessoas, como também pode não fazer tanta diferença, visto que a serenidade já habita o ser, ou seja, a morada está ocupada, junto com ele... e as dificuldades da vida são justamente as emanações as quais me referi, e pelas quais precisamos saber passar.

Acho que é assim que as coisas são...
(Homenagem a uma amiga de longa data: para você QTP)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Leis "Naturais"


Quando falamos em lei natural, de forma automática, algo nos remete à natureza e suas leis infalíveis, ou mesmo ao homem e sua legalidade infalível; principalmente no que diz respeito à moralidade ora reinante e aos elementos sociais que constituíram, e ainda constituem, tudo isso. Nossos sentimentos, nossa noção de espaço, e também nossa naturalidade no que se refere aos dogmas da natureza humana, tudo isso, sempre nos faz remeter a algo inatual e perene... resta saber se a questão levantada é a mesma que os dogmas defendem, ou condenam.

A necessidade da natureza se torna, pela expressão “legalidade”, mais humana e um último refúgio do devaneio mitológico. (Humano, Demasiado Humano, II: § 9) Nossa humanidade, mais uma vez, se sobrepõe à naturalidade inerente às leis da natureza, ou ao menos, aquilo que assim constituímos, e até determinamos... não nós, mas todo o elementar peso do tempo e a poeira jogada sobre os mais variados – e insistentes – saberes e valores, principalmente aqueles que não dizem nada a respeito de nossa real – e valiosa – natureza humana.

A constituição do que é natural acaba sendo uma constante, e premente, repetição daquilo que temos de mais humano, e de mais errôneo e autoritário... nossa inegável capacidade (e também obtusa necessidade) de construir valores universais que devem se referir à toda humanidade; como se estes valores lhes (e a nós) fosse algo inerente e natural.

O ornamento e a enganação, nesse sentido, caem a nós como uma lei eterna, dogmática e extremamente autoritária, criando elementos cada mais vez mais problemáticos e universalistas; elementos que colocam em nossa natureza humana algo que é totalmente estranho e avesso à ela. Quem foi, então, que ornamentou este mundo à sua cara e semelhança? Quem que determinou à natureza – e suas leis naturais – essa caricatura de moralidade só de homens?

Um estranho enredo para um mundo cada vez mais universalizante e naturalmente humano.

Seção D'Outro!



O Terno

Depois de 15 anos sofrendo em cargos subalternos numa agência bancária de periferia, o manguaça foi promovido de repente a assessor especial da diretoria, e transferido para um prédio na região mais próspera da metrópole. Pêgo de surpresa, foi obrigado a renovar às pressas todo o guarda-roupa - e a comprar pelo menos um terno de grife capaz de frequentar os eventos sociais mais requintados da empresa. Com dor no coração, o manguaça espremeu o orçamento e parcelou em 18 meses um bonito e vistoso terno Armani. As parcelas mensais fizeram com que sua cachaça diminuísse pela metade, mas era por uma boa causa, pelo futuro profissional.

- Um espetáculo seu terno, Praxedes. Muito bom gosto.

- Obrigado, doutor Cardoso.

E assim, logo nas primeiras ocasiões em que vestiu a roupa, foi elogiado por todos, e especialmente pelos superiores. Mas sorria amarelo, pensando no desfalque mensal que o caríssimo e proibitivo terno havia lhe custado. Três meses depois, um colega de seção, todo cheio de dedos, o chamou para conversar.

- Praxedes, minha irmã vai casar com um alto figurão do governo, eu vou ser padrinho e não tenho roupa pra ir. Estou com muita vergonha de pedir dinheiro para o próprio noivo pra poder me vestir. Será que você não me empresta aquele seu terno?

- Ah, Medeiros, você vai me desculpar, mas não posso. Aquilo me custou uma fortuna, ainda tenho 15 meses pra quitar, morro de medo que aconteça alguma coisa.

- Por favor, eu prometo que nada acontecerá. Juro! Por favor, se precisar, eu ajoelho na tua frente!

Constrangido pelos suplícios do amigo, que já chamavam a atenção de outros funcionários, Praxedes, muito a contragosto, capitulou. Só impôs uma condição:

- Tudo bem, tudo bem. Mas faça uma coisa: use o terno apenas na igreja. Eu sei que na festa você vai encher os cornos e acabará me estragando a roupa, manchando de bebida e comida. Leve um terno seu no carro e troque depois da cerimônia.

- Pode deixar! Vou fazer isso. E depois mando seu terno na melhor lavanderia da cidade, vou te devolver melhor do que está. Muito obrigado! Você me salvou!

Naquele sábado à noite, enquanto rolava o casamento, o manguaça bebericava sua cerveja, encostado no balcão do português, com os piores pressentimentos possíveis. "Uma hora dessas meu terno já deve estar um trapo. E eu ainda tenho 15 parcelas pra quitar! Quem vai pagar? O próprio Medeiros admite que não tem um tostão furado no bolso! É o diabo, é o diabo!". Mas, na segunda-feira, o colega apareceu todo sorridente em sua mesa:

- Praxedes, você é mais que um amigo, é um irmão! Deu tudo certo. Usei seu terno somente na igreja, as fotos ficaram lindas. Depois me troquei no banheiro, guardei tudo direitinho e já enviei pra lavanderia. Na quarta-feira fica pronto e na quinta eu trago aqui no trabalho para você. Obrigado mesmo!

- Não há de quê - respondeu o manguaça, entre suspiros de alívio.

Na quinta-feira, porém, Medeiros não apareceu para trabalhar. "Justo no dia em que ia trazer a roupa de volta. Aí tem coisa! Eu bem que desconfiava", gemeu Praxedes, já temendo pelo pior. Mas calou sua preocupação, bateu o ponto, passou no português para beber a obrigatória e tomou o rumo de casa. No outro dia, ao chegar para mais um expediente, estranhou que, além de Medeiros, nenhum outro funcionário estivesse presente. Duas horas e meia depois, sem que ninguém tivesse aparecido, subiu dois andares e indagou os três ou quatro que ali se encontravam sobre o sumiço dos colegas.

- Ah, "seu" Praxedes, eles vieram mais cedo e tiveram que sair. Deixaram um bilhete para o senhor.

No papel, apenas um endereço. Nervoso e cada vez mais confuso com a situação kafkiana, o manguaça pegou o primeiro táxi que viu e se mandou para um subúrbio bem distante. O endereço era o de uma pequena capela. Ao entrar, viu de longe alguns de seus companheiros de repartição. E, antes que pudesse abrir a boca, notou, a alguma distância, um caixão circundado por quatro velas e muita gente chorando. Deitado, com algodões no nariz e as mãos entrelaçadas, Medeiros. Vestido impecavelmente com o seu bonito e caríssimo terno Armani. A família do defunto ficou muito emocionada ao presenciar o choro convulsivo e desesperado do manguaça. Nunca poderiam imaginar que um colega de trabalho demonstrasse uma amizade e uma dor tão fortes...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ondas de Heráclito!


Para se conhecer o mundo e nos conhecer, mais que uma observação imediata do que está sob nossos sentidos, precisamos também de história viva, pois sempre foi ela que fundamentou estes sentidos de agora. Assim, precisamos do passado, nem que este precisar seja para não repetir seus erros, revendo os fatos de outrora e repensando as atitudes de agora. Mas, mais do que isso, toda a construção psicológica, moral e política que nos antecede, já nos chega com uma outra história ainda mais antiga. Este é o ponto..., esta história mais antiga é o verdadeiro local a ser desvendado.

A observação imediata de si está longe de ser suficiente para aprender a se conhecer: precisamos de história, pois o passado continua a correr em nós em cem ondas; nós próprios nada somos senão aquilo que sentimos dessa correnteza a cada instante. (Humano, Demasiado Humano, II, § 223) A transformação que advém desse processo de construções imediatas de auto-conhecimento é sempre criar-se do antigo e intercedê-lo junto ao novo, são ondas que percorrem não somente o corpo, mas todos os sentidos ambivalentes que o corpo sente, estando no mundo. A felicidade por albergarmos algo novo neste universo antigo está em saber compreender onde está o problema e qual a possibilidade de se ter chegado a este problema, e ainda, saber reconhecer que o outro pode não estar tentando se construir tal como nós.

Mais que um problema, procurar uma solução e sentir em todo nosso ser o lambido destas ondas; ondas que a cada instante nos traz informações ainda mais distintas, em situações as mais variadas. Os resíduos vivos que estas ondas trazem ao nosso corpo e lambem nossa mente, podem ser uma proposição sempre nova àquilo sempre existente, ou àquilo ainda não-pensado, logo, simbolicamente não-existente.

Essa é a sabedoria que pouco a pouco se tornou amanhecida, mas apesar disso permanece tão forte e substanciosa quanto era outrora: assim como aquela, segundo a qual, para entender história, é preciso ir à procura dos resíduos vivos de épocas históricas (...), (§ 223) e o viajar, tal como Heródoto nos tempos antigos, é procurar por alguma coisa a mais que pó e mágoa; é procurar em cada cultura o que ela tem de mais vivo, vibrante e exótico. A procura destes resíduos vivos pode ser feita também nos hábitos deste nosso tempo presente. Pode ser vista na face de cada pessoa, em seus valores e, sobretudo, em seus preconceitos. Esta é a parte viva do tempo, a mesma que constrói história para além do passado.

Construindo-a sempre disposto a recomeçar, sempre disposto a destruir, para novamente levantar suas peças. A história deveria se vestir, sempre de novo, porém sem jamais se esquecer de olhar para trás, pois a indumentária do tempo é nova e viva, é velha e morta. Esta ambivalência e sua ambiguidade é a parte viva que nos falta neste eterno construir.

sábado, 6 de novembro de 2010

Viva a Trolha!


A divergência tem uma informação que nosso conhecimento não consegue perceber, e por isso mesmo, ela vale muito mais que a mera informação comunesca. Ela vale, por si só, como referência para o que virá depois..., seja que coisa for!

Por isso mesmo pequenas ações divergentes são necessárias, ou ainda, questões de costumes valem muito menos que imaginávamos, aliás, valem nada quando o que está em jogo é a elucidação do universo... do universo consciencial. A não ser que queiras abandonar sua liberdade espiritual, e se dedicar à escravidão mundana...

Agir, em questões do costume, mesmo que uma única vez, contra seu melhor entendimento; quanto a isso, abandonar-se à praxe e reservar-se a liberdade espiritual; fazer como todos e assim manifestar a todos uma gentileza e benefício, como que em reparação pelo que há de divergente em nossas opiniões: (...) (Aurora: § 149) e que essa divergência não fique disposta apenas a nós. Que esta divergência fique disposta a todas informações que queiramos mostrar ao mundo.

Pois, mais que qualquer coisa, nossa mentalidade deve ser sofrivelmente livre, uma vez que o sofrimento consegue fazer-nos humanos, e como possam soar as belas palavras, com que se canta para a consciência intelectual dormir: e assim este leva seu filho ao batismo cristão e ao lado disso é ateu, e aquele presta serviço militar como todo mundo, por mais que maldiga o ódio entre os povos, e um terceiro corre com uma mulherzinha para a igreja, porque ela tem uma parentela devota, e faz votos diante de um padre, sem se envergonhar, (§ 149) ao mesmo tempo em que professa uma fé, aliás, um dogma, que não diz respeito à sua vida, à sua liberdade espiritual.

E essa humanidade é a única garantia que temos para podermos dizer à nossa consciência o quanto nossa liberdade não se deixa recrudescer. Uma liberdade que não se deixa perder sua essência!

Quer-se muito agradar ao mundo, nem que para isso, desagrademos a nós mesmos...; e a trolha, quem aguenta ela? Esse é o problema, quando queremos agradar alguém... ninguém agrada a nós mesmos!

A sanção da própria razão... tão-somente ela, pode justificar esta situação. Se, nalgum momento, essa sanção deixa de ser algo incômodo, somos nós que a incomodamos... eu diria que este seria o caminho!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Melancolia de Passado...


Voltar no tempo, da mesma forma que nos faz acabar com alguns mitos, também nos deixa um pouco paranóicos com o passado, pois, este passado pode estar muito carregado, cheio de vícios. Ao mesmo tempo que é importante rever este passado, mais importante ainda é seguir adiante, aconteça o que acontecer, ou mesmo, acontecido o que tenha acontecido. Daí a importância de encarar esta situação como uma proteção, um reguardar das agruras do tempo.

De passado nada como pensá-lo com leveza, tirando de nossos costas, e do mundo, o peso que o mesmo algum dia foi e que ainda pode estar nos incomodando. O barco precisa zarpar, e o bom marinheiro é aquele que sabe o caminho a seguir, e ainda, conhece o caminho já havido.

Sua existência deve estar ligada a este pequeno retrocesso, sem que isso se torne um peso para si, ao contrário, é o retrocesso do ir adiante, do pensar para frente. Talvez assim, nossos gestos apareçam um dia como passo adiante. Quem percebe de modo claro o problema da cultura, sofre de um sentimento semelhante ao de quem herdou uma riqueza adquirida ilegalmente, ou ao do príncipe que governa graças às violências de seus antepassados. (Humano, Demasiado Humano: § 249) Precisamos nos livrar desta herança que, de uma certa forma, não nos pertence, deixando o mundo pesado, e as nossas costas doloridas. Esta riqueza advinda de tal herança maldita, neste sentido, não convém, muito menos tem alguma utilidade à cultura, à humanidade.

Pessoas que pensam com tristeza em sua origem, e com frequência tem vergonha e fica irritado. Todo o montante de energia, vontade de viver e alegria que dedica ao que possui é muitas vezes contrabalançado por uma enorme fadiga: ele não consegue esquecer sua origem. (§ 249) E ao chegar neste estágio, seu futuro (seu passo adiante) fica comprometido. É como se lhe faltassem energias para caminhar adiante, visto que este ir adiante pode ser, por vezes, muito pesado. Esta falta de energia deixa-nos fraco e doente, automaticamente, faz com que nos acomodemos com o que já está posto... e isso é retrocesso retrógado; e jamais um retrocesso para ir adiante.

Estas pessoas olham o futuro com melancolia; os seus descendentes, ele já sabe, sofrerão do passado assim como ele. (§ 249) Esquece-se que, assim como eu, os que virão depois de mim herdarão esta herança maldita. Criaram maneirismos de tempo; maneiras que se repetirão por várias gerações. E são exatamente estas manias que manterão o mundo doente... mais ainda do que está.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Leveza da Literatura e Dureza da Arte...


A qualidade de alguma obra de arte está intimamente ligada à qualidade estética de quem a observa, o que significa dizer que, não necessariamente, os críticos têm validação absoluta sobre suas críticas. Da mesma forma podemos constatar que isso acaba acontecendo com a filosofia e com sua íntima relação com o conhecimento. Nossa relação com as coisas que valoramos é que determina quem é como é a construção de nosso saber.

Uma teoria revolucionária pode não o ser, se quem assim determinou não dá garantias de sua validação inteletual ou valorativa, visto que os valores que determinam a passagem do tempo podem não se garantirem, ou mesmo, podem estar ali para garantir a alguém, a algum saber, seja que pessoa ou mente for essa.

A segurança de que um conhecimento é válido está nas mãos e na formação de quem assim formulou; seja o conhecimento, seja a crítica sobre. A veracidade de nossos sentimentos, nesse sentido, pode ser um bom sintoma de valoração, ou mesmo de validação de certo saber, por isso, o julgamento que fazemos sobre um outro julgamento é tão importante e necessário.

Vejamos como Nietzsche chegou a esta constatação em Humano, Demasiado Humano: (...) não devemos estar muito seguros de nossa crença na qualidade de qualquer artista que seja; ela não é apenas a crença na veracidade de nosso sentimento, mas também na infalibilidade de nosso julgamento, quando julgamento ou sentimento, ou mesmo ambos, podem ser de natureza demasiado grosseira ou delicada, extremados ou crus. Mesmo os benefícios e bênçãos de uma filosofia, de uma religião, nada provam quanto à sua verdade: assim como a felicidade que um louco desfruta com sua idéia fixa nada prova quanto à racionalidade da idéia. (§ 161)

A prova de que uma religião, filosofia e/ou conhecimento precisa é o julgamento que colocamos sobre o julgamento de quem assinou sobre aquela teoria. A crítica em suspensão, e sua constante situação de suspeita, seria o melhor instrumento para constatarmos falsos profetas, ou descobrir o quão são falsos certos filósofos, inteletuais e/ou artistas.

O bom intelectual deveria ter a leveza da literatura e a dureza da arte – ou como diria Milan Kundera (em livro que se refere, e que tem em seu título, a citação a seguir), referindo-se à Nietzsche: a insustentável leveza do ser e a constatação de seus valores de ser.

Por isso, sua estética, ou mesmo seu ponto de vista sobre algo, faz parte de toda uma construção filosófica que perpassa (ou perpassou) suas escolhas, seus valores e sua formação identitária. Até o mesmo o ambiente em que este saber foi construído deve ser colocado sob suspeita e julgamento.

Somente assim, talvez teríamos uma crítica mais conveniente com a realidade plástica do objeto estudado, aliás, do objeto avaliado. Uma crítica que pode ser menos ou mais velada, menos ou mais dura, já que a idéia não é agradar ao outro, mas à real construção e valoração do saber.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Argonautas do Futuro!


Da mesma forma que nossa lealdade às nossas convicções pode ser ledo engano de valorações remanescentes e cheias de recalque, pode também significar que o universo inteiro conspira para que nosso espírito e nossa vontade de verdade continuem encobertos; por outro lado, pode significar que estejamos almejando algo mais, algo que se encontra acima do já posto, algo que se encontra além do já existente.

Em certa passagem de sua obra, Nietzsche se refere aos argonautas do futuro, seres nobres e imaginários que se encontram além da linha geográfica que separa o ser humano medíocre do semi-deus, pode-se dizer que é justamente esta espécie que joga por terra a lealdade de suas convicções humanas e busca, para sair do semi, tornar-se um deus de fato, sem recalques nem convicções enganosas..., ele precisa de convicções incômodas e desapegadas. Ele precisa desagradar o mundo.

Buscam o antagonismo natural que perpassa toda a humanidade, encontrando com isso elementos de mudança e evolução, jamais subterfúgios e fugas. Busca caminhos que margeiam a existência humana, trazendo para o centro de sua própria existência algo novo e diferenciado. Caminhos tortuosos que não o levem a novos mares, mas ao mesmo mar de sempre.

A adversidade natural de sua existência daria cor, ditaria ritmos e concluiria uma caminhada que não cessa, mas que constantemente se renova e se refaz. Se constrói e se destrói... se alimenta de restos e cria sua própria comida. Traz néctar de deuses em copos americanos, quebra taças reais e as esmaga.

O ideal de valor a que se busca, deve estar fora das margens argonáuticas, além de não ser o ideal de deuses, seria, isso sim, o ideal de vermes energúmenos que se consideram... que pensam que são algo inexistente. É o ideal que acreditam permear sua vida, mas que apenas os escravizam, os destroem... sem construí-los.

Para confirmar esta enganação a ciência está longe de repousar o bastante sobre si mesma, precisa antes, sob todos os aspectos, de um ideal de valor, de uma potência criadora de valores, a serviço da qual ela pode acreditar em si própria – ela mesma nunca é criadora de valores. (Para a Genealogia da Moral, III: § 25), visto que, sua aceitação não se encontra nela mesma, mas na forma como o mundo a enxerga. Está na forma como seu foco se volta a algo enganoso e engenhoso, algo que ela tentar fazer acontecer. E isso nos lembra o ser humano, pois tenta se afirmar, negando algo que lhe é natural e próprio.

Entrementes, acreditar em si mesmo pode ser o primeiro passo para a escravidão, principalmente quando este acreditar está a buscar aceitação em quem nos vê. É como se estivéssemos querendo agradar alguém para agradar a nós mesmos, fugindo daquilo que desagrada o outro e que se torna, ao mesmo tempo, um estorvo para a sociedade. Tornamo-nos, deste jeito, escravos de valores de outrora; escravos de uma obsessão compulsiva de auto-afirmação, aliás, de auto-afirmação enganosa.

Não queremos ser nós mesmos, é como se quiséssemos ser alguém que pode olhar para o outro e justificá-lo. Se a justificativa é nossa própria existência, esta última passa a ser o engano e a negação. Ao afirmar o outro, achando que afirmamos a nós mesmos, desagradamos àquilo que temos de mais nobre e argonáutico, nos negando esta nobre situação: desagradamos à nossa vontade de potência, à nossa vontade de superação do ser medíocre que sempre fomos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estado Grego... Estado Belicoso!



Onde está a origem de tanta belicosidade, onde está a origem de guerra, de toda engenhosidade de batalha? Onde esta a constante diferenciação que vez ou outra nos acomete por este mundo afora? Onde está a origem dessa coisa tão humana que é a competição? Imagino que esteja em sua (em nossa) natureza, aliás, em sua (em nossa) constituição psíquica... ou mesmo no desmontar e remontar constante de sua (de nossa) alma e seu (e nosso) estado de espírito.

A necessidade de querermos ser melhor do que somos, a necessidade de querermos mostrar ao mundo nossa capacidade... tudo isso junto e misturado, tudo isso em nosso ser encaracolado; acaba por intimidar nosso espírito perante nós mesmos e encorajar este mesmo espírito perante o outro. Este segundo ponto é exatamente o ponto que corresponde à real natureza humana, embora tenhamos a consciência de que nossa natureza, nem sempre, se mostra como realmente deveria se mostrar.

Às vezes por estarmos envolvidos com o mundo do Estado, às vezes por estarmos envolvidos com outros seres humanos, temendo desagradá-los, ou mesmo, estarmos envolvidos com o senso-comum e toda seu caleidoscópio escravizante... Todas estas condições nos tiram a condição de sermos realmente quem somos. Nos tira a certeza de que a liberdade só aí está por um significado palavral e palavresco, jamais como algo realmente consistente e vivo. Pulsante em nossa natureza e desde sempre existente, todavia, escondido e intimidado por uma série de fatores... fatores estes que dizem respeito a nós mesmos e ao nosso convívio social escorchante.

Por um lado é-nos dado a opção, ou mesmo imposição, de assim sermos, por outro; o fato de estarmos envolvidos com o convívio social e com o universo humano, acaba por nos obrigar a desta forma agir, sem ao menos existir, por parte de nós mesmos, um questionamento ou mesmo um possível conhecimento desta situação escravizante. Quer-se, mais do que nunca, olvidar estas informações do ser... ser vivo e vibrante que circunda a natureza de cada agregado humano.

Cada criatura, nesse sentido, deveria ter um pouquinho de criador, um cadinho de desbravador e um tantão de grego... grego arcaico, grego homérico. O mesmo grego que deu ao mundo todos os elementos vivos e incontroláveis de nossa natureza grandiosa e poderosa.

E a esperteza que nos falta é justamente esta que outrora existira, e que se encontra encoberta; envolta de uma áurea um tanto quanto misteriosa e perigosa. Vejamos, pois, como Nietzsche retrata isso em O Andarilho e Sua Sombra: Como o querer vencer e prevalecer é um traço insuperável da natureza, mais antigo e mais originário do que todo respeito e alegria do igualamento, assim o Estado grego sancionou a competição ginástica e música entre iguais, portanto, delimitou uma arena onde esse impulso podia se descarregar sem pôr em perigo a ordem política. Com o declínio final da competição ginástica e música, o Estado grego entrou em intranquilidade interna e dissolução. (§ 226)

E como todo ser humano deseja desbravar sua própria coragem (ou mesmo, sua própria origem), o igualamento acaba sendo um castigo a todos aqueles que optam por quererem agradar a todos. A coragem do caos, que lhe existe, mas lhe falta, é a mesma que lhe foi confiscada em detrimento da ordem social e da escravização moral e política, tempos atrás. Resta a estes homens, dessa forma, reaver as rédeas de sua própria condução, reatando-se com sua natureza e seu impulso criativo... às vezes também destrutivo, o que faz parte de nossa existência, quando a mesma deixa de ser medíocre e mesquinha.