quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Ainda um Tempo Factual ... 200 anos atrás!


Dei à Inglaterra o direito de estabelecer com os Brasis relação de soberano e vassalo e de exigir obediência como preço da proteção, assim se refere ao Brasil, recém-incluído, como sede, ao Reino Unido de Portugal e Algarves, no dito do embaixador inglês Strangford, como consta em crônica de Rubens Ricupero, na Folha de São Paulo, do dia 25/11, ao se referir à Revogação da Abertura dos Portos, justamente agora que estamos prestes a comemorar 200 anos do desembarque da família real portuguesa por aqui, fugindo de tropas napoleônicas.

Mas, e aí, o quê isso tem a ver com o Brasil de hoje? Já não temos uma situação bem definida, do ponto de vista político, com relação à este evento? Imagino que já tenhamos sim, mas o que mais chama a atenção é o fato desta abertura dos portos ter ocasionado um desequilíbrio de impostos nunca visto em terras brasileiras (a não ser por estes idos de hoje, onde temos uma carga tributária que está bem juntinha à metade de nosso PIB), a ponto de colocar nossos patrícios - Portugal - numa situação desprivilegiada, com relação à enorme Inglaterra, então sede do mundo.

Só para se ter uma idéia, todo produto britânico que entrasse em terras Tupiniquins, tinha uma tributação de 15%, enquanto os produtos portugueses (e olha que éramos, principalmente a partir de tamanha comitiva, quase que plenamente portugueses, ao menos assim o era a população do Rio de Janeiro) de 16% e do restante do mundo, 24%. Já parecia exorbitante, para um país - Pindorama - com nenhum tipo de manufatura, que seja para satisfazer as necessidades mais prementes de nossa gente.

Neste exato momento de nossa história, o Brasil pertencia, finalmente, aos ingleses; desejo intermitente e que, de longa data, era acalentado pelos súditos da Coroa Britânica, como afirmara o historiador português João Lúcio de Azevedo: Ficava na prática derrogada a abertura dos portos a todas as nações e o Brasil pertencia de fato aos ingleses, como sempre tinham ambicionado.

Agora, um pouquinho de presente; pensando em tempo não tão remoto, poderíamos dizer que o Brasil se encontra refém de alguém, ou alguma coisa, nos dias de hoje? É a grande questão que se levanta quando do admitir de que uma tal de CPMF não seja aprovada. Mas, esta discussão eu deixo para outro, voltemos às comparações de Ricupero, e qual sua exemplificada história para contemporizar sobre dias de século XXI: O olhar contemporâneo sobre esse episódio da história ajuda a desmistificar armadilhas atuais. Compare-se o tratado de 1810 com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Ambos falam de comércio livre, mas concedem direitos preferenciais. Nenhum dos dois ofereceu reciprocidade. Os britânicos proibiam a importação de açúcar, café e produtos brasileiros concorrentes de suas colônias. Os americanos não aceitam abrir o mercado para o suco de laranja ou o álcool, que concorrem com a Flórida ou Iwoa.

Parece que a história teima em se repetir, mas o que mais se evidencia, em situações como essas, é que o Brasil teima em fazer a mesma coisa sempre, sem uma mudança mais profunda... mas não tem problema não, dizem por aí nas vantagens da concorrência, apenas se esquecem das personagens: quem está concorrendo com quem? Pobres contra ricos, sem-condição contra com-condição? Será este o benefício do capitalismo?

Oferecem a concorrência e dizem que é boa para o desenvolvimento, mas se esquecem de oferecer a todos, de forma igual, condições para essa concorrência!!!

P.s.: Para uma melhor discussão da ALCA, confira artigo completo: http://br.monografias.com/trabalhos/projeto-alca/projeto-alca.shtml, também de minha autoria.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Por e Sobre Literatura...


A literatura quando escrita a partir de escritores tais como Dostoievski, Tolstoi, Milan Kundera, Balzac (isso só para se falar de alguns, entre tantos), dentre outros, tende a apresentar um certo enunciado do que poderia ser a história da condição humana, ou mesmo do psicológico de um tempo. Dessa forma, mais que literatura, seu espólio é uma caracterização de vida e pensamento.

A própria noção de Tempo, a partir da literatura, tende a ganhar significação e grandeza, quando de escritos bem emendados.

A sociedade humana, que em tal Tempo tece suas relações sociais, dá-nos a dica de tipos e feições que poderiam ser apreendidos, ou ainda congelados, em referido Tempo. Revelando um painel que, por mais que pretendesse ser apenas literário, é também histórico-psicológico..., diria mais, humano(!).

Cria-se, aliás, arrebenta-se um limite que não se mantém encarquilhado em páginas amarelecidas, de escritos rotos. Cada escrito conceitua uma verdade, e determina certa feição de Tempo. Um embrião iniciado no tumulto do século XIX, e que geraria, com propriedade, a moderna sociologia. São tipos e grupos que se degladiam entre si, tentando determinar - às vezes impôr - seu cadinho de verdade e de existência.

É como se uma existência se fizesse em si mesma, tentando se auto-afirmar e criando, para si, sua própria condição de ser existente, isto é; seu próprio Tempo se auto-devorando, para assim passar a ser o espírito do Tempo.

O disfarce à imprensa, permitido pela literatura, é um disfarce que mascara, aliás, que veste bem a vida. É uma imprensa às avessas, que usa da imprensa para roubar-lhes pingos de existência. Dirá, muito bem Balzac, em sua Monografia da Imprensa Parisiense: O jornal é o jornal e o político é o seu profeta, emendando Balzac; o jornal é o jornal, senhor característico e factual do Tempo, e a literatura é o seu profeta, adulador, subversivo e revolucionário disfarce. Continuando Balzac: Ora, os profetas são profetas muito mais por aquilo que eles disseram. Não há nada mais infalível do que um profeta mudo.

O constante falsear, às vezes o calar, característico da literatura, é que garante a concreção existencial de um Tempo: O verdadeiro panfleto é obra do mais alto talento, se todavia não for o grito do gênio, ou mesmo o silêncio do louco.

Qual profeta não quer ver suas profecias tornadas verdade? Duvido que exista algum que não queira. Pois seu Tempo se constrói por meio de seus escritos e devaneios. O abrir-se para o mundo, seja no grito colérico, seja no silêncio lapidar, é o mesmo mecanismo que dá à verdade o que ela tem de mais seu, e de mais convicto: o Tempo, e a sublimação de uma verdade neste Mesmo.

Por outro lado, a literatura da imprensa, com sua técnica do disfarce permitido, tem o grande problema do papel. Enquanto no mundo virtual dos bytes, essa literatura se sublima - e ao mesmo tempo se torna fugaz e minúscula, devido a infinitude de referido espaço virtual -, nas páginas de jornal - apesar de ser um Tempo apreendido, factual e real - ela se substancializa, embora, dentro do espaço que lhe é seu quinhão permitido. Dirá Balzac mais uma vez: As coisas mais interessantes, os grandes e pequenos artigos, tudo se torna uma questão de paginação entre meia-noite e uma hora da manhã, a hora fatal dos jornais, hora na qual as notícias aparecidas no início da noite exigem destaque. O que contemporiza a verdade, repito, é o Tempo. O que torna esse Tempo concreto é a escrita das folhas de jornal. O que faz das escritas o que são, é de novo o Tempo: seja a falta dele, seja esse(s) espaço(s) que o mesmo incorpora. Infelizmente, corroborando Balzac, a crítica se tornou uma espécie de alfândega para as idéias, dando à literatura o papel de representante consular destas idéias e ao Tempo o juíz que imputa a sentença. Felizmente, existem obras imortais, não dando à mínima para o Tempo... e esse é também papel da Literatura: traço concreto de pinceladas vigorosas de um imenso mural da sociedade, centro captor da unidade da condição humana... apesar de tantas motivações (sejam elas quais forem)! Cada um bica de acordo com sua fome...

domingo, 25 de novembro de 2007

Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio X

Aforismos: Sobre Deus e Tempo (mais Homens)

Diz-se que de Deus e Tempo não se pode falar. Que a cronologia poderia muito bem ser uma criação humana para se igualar a Deus, e que o Tempo, na mesma medida, uma humanidade eterna. Daí pensar que o novo possa vir de cá ou de lá... do lado de cá do Hades - terra de Homens - e do lado de lá do Hades - terra de Deuses -, apesar do que, por novo, apenas a criação em terra de Homens, que leva aos Deuses. Ainda assim, vários teólogos, ao discutirem sobre os mistérios destes dois mundos, trazem para a cena o lado humano, apromorfizado para se tornar lado deificado; e para isso o teólogo A. Torres Queiruga também nos dá uma resposta (tentando, talvez, responder coisas do lado de lá do Hades): tendo em conta o enriquecimento do conhecimento do real trazido pela ciência, [a Teologia] reelabora a partir de si mesma e na sua lógica específica os seus próprios conceitos, e cria um Tempo em que os Homens possam falar de Deuses sem a possível prerrogativa de não se esquecer deste lado de cá. Pensa-se com cabeça de ciência para se falar com idéias de teologia. O Tempo que deste remarque surge é um tempo em que os homens, falando de lá, acabam por se eternizarem de cá. E isso pode ser acompanhado junto às palavras do filósofo Luc Ferry: Como todos os crentes, tenho, sem dúvida, o sentimento de que há um mistério neste mundo. Mas não desejo ir além desta constatação. Por constatação humana e temporal há que se pensar, de forma deificada, que os mistérios ainda persistirão, e que os homens também estarão por aí, pensando sobre o Tempo. Sintomático para nos dar a justa medida de como os homens precisam ser homens, no meio de deuses. Outra possível resposta a este mistério vem do filósofo M. Conche que acaba de escrever que Deus é inútil, pois a própria Natureza cria seres que podem ter idéias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza, e essa Natureza só pode existir como espaço temporal do homem junto à humanidade falível, que se esvai, embora possa se eternizar no Tempo. Não se trata, porém, da natureza oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade, mas da Natureza omni-englobante, a physis grega, que inclui o Homem nela. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito. Estes são os homens, se vestindo aos moldes do Olimpo. Outro filósofo português, de nome Anselmo Borges - também padre e teólogo - dirá, por outro lado, como o mais convicto dos crentes: Ao crente monoteísta parece mais razoável uma interpretação da realidade que co-implica a presença do Deus transcendente, amor pessoal e criador. Afirma-se desse modo a infinita transcendência de Deus e a sua mais íntima presença à criatura, tornando-se então claro o que parece paradoxal: precisamente porque Deus está sempre presente como criador, faz o mundo fazer-se autonomamente, seguindo as leis próprias da natureza e a liberdade. Pode ser que o Homem também pense na Natureza que o faz eterno, pensando do lado de lá, aplicando deste lado de cá. Deus faz o mundo aparecer de forma autônoma, seguindo as leis próprias da natureza e a liberdade, daí implica que Deus dá ao Homem (ou será que é o Homem que assim o quer?) condições de, junto ao Tempo, manter-se eterno... que Tempo?

Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio IX


Aforismos: Cronologia

A idéia de novo, intriga de tempos imorredouros, diria até, do tempo dos deuses, é uma idéia que, apesar de sua pouca ou quase nenhuma percepção, devido, talvez, o grau de consciência que direcionamos sobre o tema, ou ainda, o nível externo que venha a confirmar este novo, por mais que nos ronde, nos incomode, e até nos faça meditar, sempre virá acompanhada de uma cronologia que, não necessariamente faz parte da gente e, no entanto, a nós foi deixada de herança para continuarmos sua jornada. O pequeno problema que disso advém é o fato de que, por mais que seja uma herança maldita - como em alguns casos acaba sendo - é sempre uma herança presente. A partir do momento em que o novo, a essa herança se incorpora, passamos a nos dar conta pelo tanto que isso venha a ser insignificante, ou até mesmo, o quanto o grau de conhecimento e discernimento deste novo possa ser, também, uma ilusão; como de resto grande parte de nossos anseios e, mesmo nossas preocupações, também o é. Para Heráclito, logo após, corroborado por Vico e Nietzsche (ambos estes dois últimos, questionadores do tema História, e sua infinitude de valores), a ilusão foi o primeiro sintoma de existência, de que o homem sabia que existia mais alguma coisa do lado de fora de sua caverna - se é que algum dia isso foi morada peremptória - que a mera escuridão de uma vida em família, ou em grupo. Juntamente com esse mistério, descobriu também o quanto a ilusão lhes fora importante para desenvolver certo raciocínio, seja ele mágico ou mesmo racional (sou da idéia de que ambas fazem parte de um todo um bocado ainda maior, e que há a necessidade de uma constante intromissão dum no outro, para que o mundo venha a se valorar, e até existir; imagino que fora por isso que criaram o tempo), e que deste raciocínio quanta coisa nova surgira(!). Pois bem, penso sim - e chego a asseverar, ao menos no atual momento, é claro, pois o novo pode vir a me subjugar - que são as ações do homem em seu dia-a-dia que acabam por criar valores e, consequentemente, por criar história. Diria até: história é uma consecução e um constructo de valores que nos amontoam dentro do armário, e de tão cheio acabam por transbordar... é onde aparece o novo... pequenos fragmentos de valores outrora criados e que não foram muito bem vistados - ou aproveitados - por nós.... seria uma miragem?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Notas Sobre o Passado

Um adendo a "Sobre História... e Otras Cositas Más"

Quando evocamos o ditado "Tudo vai passar" (a la Tchecov), a primeira afirmação que nos acomete é a de que o passado sempre aí esteve. E de uma forma ou de outra - mesmo que não queiramos -, assim voltará. Talvez diferente, talvez o mesmo. Sempre haverá lembranças que nos evoquem o que somos, e como a isso não conseguimos fugir. Daí, são essas lembranças que manterão vivas nosso passado... e o que dizer, então, do esquecimento, quando o passado que temos não é o que fizemos?

Quando traçamos, ademais, uma linha que nos vincule à modernidade que este passado forjou, resta a garantia, ao menos para a modernidade, de que a História não será diferente. Mas, queremos realmente a diferença? Ou será que o passado (e nossas lembranças por ele desencadeadas) não estaria sempre assumindo um limite para o que deveríamos lembrar?

A partir disso, um outro assombro: a modernidade quer nos mostrar o caminho. Mas pensando que este caminho viera pelo passado, o que, então, mostrar a nós? Diz-se, ainda baseado na modernidade, que a tendência é fazer com que, nela - a modernidade -, os indivíduos poderiam definir suas potencialidades.

Que potencialidade é essa que nos faz, ao invés de escolher, sermos escolhidos por nossas lembranças?

E nossas lembranças, por que ainda continuam a partir de nossos subterrâneos? Como fazer, para dessas lembranças, bem ou mal, trazer as vivências que mais nos formaram e nos transformaram? E que formações gostaríamos que fossem nossas?

Está aí um imbroglio difícil de ser solucionado. Às vezes por faltar-nos controles de nossas lembranças, outras vezes por nos trazer lembranças subterrâneas, há muito recônditas.

Nesse momento entra em cena um outro elemento: o quê fazer da tradição, advinda do passado - e de nossas lembranças -, e formadora do que viria a ser a modernidade? Essa que, segundo consta, tenta desenvolver as potencialidades do indivíduo?

Contardo Calligaris, no ensaio 'O Passado', da Folha de 01/11, assim dirá: Mas se o legado da tradição se torna menos relevante, é justamente porque o que me constitui é minha história - não apenas a intensidade do momento e a audácia de meus planos, mas o conjunto das experiências que vivi. Bem, e daí?, as experiências que vivi, conforme as lembranças que omiti, teriam tanta coesão psicológica - e até histórico-filosófica, visto que somos o montante, e a consequência, dos erros vários de nossas gerações precedentes - para determinar o que eu poderia ser a partir do presente tênue que me re-faz constantemente, e a cada instante?

As revoluções são sintomáticas para melhor entendermos isso. Elas surgem, quando despontam do fogo, com a intenção de botar tudo abaixo (vide o exemplo da Francesa, que pensou, inclusive, em mudar o tempo, aliás, a contagem do tempo - seria o tempo tão vigoroso assim, como imaginamos?) e, das cinzas, sem usá-las, é claro, construir algo novo.

No entanto, quando surgem vigorosos debates acerca de como fazer isso, alguns vestígios acabam sendo poupados, inventando com isso os museus públicos, e as lembranças deles advindas... poucas décadas depois da Revolução Francesa nascem os conceitos de patrimônio histórico e de preservação de monumentos, surgindo, com isso, grande interesse pela narração e compreensão da História...

Como conquistar o novo sem se desvincular do antigo, do velho e do passado... e ainda, até de nossas lembranças?

Reminiscências de outrora...

Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio VIII


Aforismos: Doctor Suresh

É a habilidade do homem de lembrar-se que nos diferencia, como também de esquecermos que nos individualiza na espécie. Nós somos a única espécie que se preocupa com o passado, e precisamos fazer deste passado um novo presente, ou até um novo passado para as necessidades do espírito. Nossas lembranças nos dão voz, mostrando-nos, também, que podem nos deixar roucos; com gritos que tentam dizer vida e liberdade. Elas testemunham a História para que outros possam aprender e, com isso, reinventar seus quotidianos, ensinando-nos a esquecer deste passado quando o mesmo não convém à espécie, e à liberdade do espírito. Para que possam celebrar as nossas vitórias e nos advertir sobre nossos fracassos, ensinando-nos a deles nos usufruirmos. Existem várias formas de definir nossa frágil existência, e a memória, além de definir nossa frágil existência, também define a linha da História e o liame constante que a humanidade tem passado. Várias formas de dar significado a ela, significando assim uma nova-nossa-vida. Mas são nossas memórias que dão forma ao seu propósito, e dão contexto a ela, fazendo da História algo mais que fatos envoltos em bolor e pó. Os sortimentos particulares de imagens, medos, amores e arrependimentos, dando-nos nossa humanidade necessária, também nos torna titânicos. Por essa cruel ironia da vida é que estamos destinados a manter a escuridão com a luz. O bem com o mal. O sucesso com a decepção. Isso é o que nos separa, o que nos torna humanos. E no fim, temos que lutar para nos sustentar. Mesmo sabendo que a convivência destes opostos não nos é uma dádiva mui benquista.

Seção: Resenhas


:: A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos - Friedrich Nietzsche
Por: Hugo Santos

Nietzsche começou pela filologia clássica. Na verdade, terá antes sido da tensão entre filosofia e teologia que tudo surgiu; foi, porém, o estudo dos clássicos e o seu ensino que o filósofo primeiro levou a cabo, antes de se «tornar ele mesmo», para usar a bela formulação concisa de um especialista. Nomeado para lecionar a cadeira de Filologia Clássica na Universidade de Basileia, ainda antes de ter completado vinte e cinco anos, Friedrich era já um classicista de alguma força, tendo, à altura, já publicados alguns trabalhos – pelo que Leipzig lhe atribuiu o doutoramento sem que o jovem Nietzsche tivesse sequer de prestar provas. Durante dez anos, F.N. ensinaria em Basileia, segundo se crê, com sucesso, a cadeira para que fora nomeado. Curiosamente, apenas desempenhou funções na área da filologia, nunca no domínio que o tornou célebre, e nem tão-pouco era diplomado em Filosofia. Foi após ter deixado as aulas que começou a fase mais marcadamente de filósofo de Nietzsche.

Foi, portanto, antes, em 1873, que Nietzsche deu por concluído o manuscrito de A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos. Trata-se de uma obra de juventude (não esqueçamos os vinte e nove anos do filósofo), que, juntamente, com O Nascimento da Tragédia (publicado um ano antes) – que os nossos escolares ‘aprendem’, ou ‘aprendiam’, já não sei ao certo –, recolhe parte (sublinhe-se: parte, uma vez que mais há a conhecer, e apenas desta fase da sua obra me ocupo) dos seus inovadores trabalhos em torno dos Gregos. O Nascimento foi recebido com desprezo e perplexidade, pela sua metodologia heterodoxa e orientações francamente contrastantes com as práticas então correntes. No entanto, não esqueçamos, respigando as palavras de R.J. Holingdale, que «Mais consequente do que a sua influência sobre os estudos gregos foi a influência que os estudos gregos nele tiveram. O seu efeito mais geral foi o de lhe terem demonstrado que uma grande civilização – a maior, na verdade, como ele viria rapidamente a considerar –, poderia ser construída em bases morais totalmente diversas da cristã; e que a moralidade cristã não era a única.» Este pequeno trabalho é disso um índice notável. Nas suas breves páginas freme o poder avassalador da criação ensaística do jovem autor – «Esta tentativa de contar a história dos filósofos gregos mais antigos distingue-se de outras tentativas semelhantes pela sua concisão.» (p.13), nos dirá ele próprio. O modo como apresenta os filósofos gregos é não só entusiasmante, mas pleno de ensinamentos ainda hoje, parece-me, perfeitamente atuais – «é provável que jamais um homem [Heráclito], em tempo algum, tenha escrito de um modo mais claro e mais luminoso. É verdade que se trata de um estilo muito lacónico e, por isso, obscuro para leitores muito apressados.» (p.51) «O pensamento de Parménides nada tem do perfume embriagador e sombrio do pensamento hindu, que talvez não seja completamente imperceptível em Pitágoras e em Empédocles» (p.69) É, além disso, um raro momento de fruição e de aprendizado, o contato com o que teria sido objeto de leituras públicas do jovem Nietzsche – «Heraclito de Éfeso surgiu no meio da noite mística que envolvia o problema do devir de Anaximandro, e iluminou-o com um raio de luz divino: "Contemplo o devir"» (p.39).

A sua abordagem dos pré-socráticos (ou «pré-platónicos», nas suas palavras) – «Tales, ao expor a representação da unidade pela hipóteses da água, não superou o nível muito baixo das teorias físicas da sua época» (p.27) – revela toda a sua capacidade de estabelecer relações proveitosas entre sistemas filosóficos e filósofo a filósofo. É, no entanto, sobretudo em Heráclito que pousa a atenção de Nietzsche. E é porventura em torno do filósofo que ri – na formulação clássica de Juvenal – que se tecem as mais fecundas e interessantes reflexões do filósofo – «A sua [de Heráclito] concepção do tempo, é, por exemplo, a de Schopenhauer, para o qual cada instante do tempo só existe na medida em que destruiu o instante precedente, seu pai, para ser ele próprio também destruído» (p.41).

A juventude do autor intensifica a iconoclastia e informadíssima rebeldia que haveria de animar o conjunto da sua obra – (p.25). A força incontrolável do seu trabalho dota a escrita de Nietzsche de um invulgaríssimo poder de penetração e de admiráveis dotes de psicólogo (e convém não esquecer a importância que o autor atribuía a essa atividade) – «Uma época que sofre daquilo a que se chama cultura geral, mas que não tem qualquer nenhuma, nem na sua vida tem unidade de estilo, nunca saberá saber o que fazer com a filosofia, mesmo que ela seja proclamada nas estradas e nos mercados pelo génio da Verdade em pessoa.» (p.25) –; os de um poderoso prospector dos sinais, identificáveis ou não, com que se confronta, o que lhe possibilita, mesmo ao tratar autores clássicos, alvejar certeiramente a sua própria época – «o nosso tempo, habituado à peste biográfica…» (p.34).

É muitas vezes um poema com raízes filosóficas, o texto nietzcheano, e é frequentemente com a amplidão, com o poder criativo da sua palavra, que o filósofo mais marca o seu leitor – «Se alguma vez, num momento infinitamente longínquo acontecer que todas as substâncias semelhantes sejam reunidas e que as existências primordiais indivisas repousem lado a lado numa ordem bela, quando cada partícula tiver reencontrado os seus companheiros e a sua pátria, quando a grande paz suceder à grande dispersão e à grande divisão das substâncias e quando já não houver fendas nem divisões, então, o Nous regressará ao seu movimento espontâneo; não se encontrando já dividido, percorrerá o mundo em massas uma vez grandes, uma vez pequenas, sob a forma de espírito vegetal ou de espírito animal e instalar-se-á no interior de uma outra matéria.» (p.99-100)

sábado, 10 de novembro de 2007

Novidades dos Altiplanos Andinos


Notícias dos Altiplanos Andinos, local onde boas-novas (não tão-novas, porém um pouco diferentes) vêm revestidas de notícias velhas. Direitistas e esquerdistas, como ainda são auto-intitulados pelo mercado, tentam se igualar em tons (e sons amistosos) populistas.

Locais onde vários estopins se acendem sucedâneos e que, por isso mesmo, tentam trazer novidade em táticas de outrora - até mesmo esse discurso de direita e esquerda, além de estar bastante outrora, carrega um sentimento moral de pior espécie; como índoles que, por serem distintas, não podem conviver: não com o mercado. São problemas antigos e que se vestem - um de farda, outro de paletó - de novidade: diferenças ideológicas que se traduzem em sons correlatos: direitistas e esquerdistas (se assim querem, assim será) que se igualam em populismo: venezuelanos e colombianos que se igualam em guerrilha: tem as do campo (aliás, das matas amazônicas) e as da cidade; bolivarianos e não-bolivarianos.

Relações boas que se fazem em ideologias - totalmente - contrapostas. É Uribe e Chavez que trazem notícias, fresquinhas, dos Altiplanos; notícias que poderiam também vir do Sul (ao menos assim poderíamos pensar no mercado, deus ex-machina), mas o Sul oferece apenas a diferença: mulheres e homens que triunfam em monarquia conjugal.

Encontros promovidos em prol da guerrilha e que escancaram uma incrível semelhança entre dois opostos.

Até mesmo a direita é acusada de "chavismo"!, como isso é possível? Parece que, ao criar situações e nomes, o próprio mercado se confunde com sua retórica. Falseiam tanto que não conseguem nem mesmo voltar ao conceito outrora forjado! Verborragia intestinal das mais fétidas!

Nada como complementar uma prosa com outra prosa. Esta da Folha de São Paulo do dia 04/11 (boas-vindas ao mundo de Chavez... "grande modelo" para o Sul e os Altiplanos): A popularidade os leva a destruir ou mudar as instituições [grande medo do deus mercado] que condicionam o seu poder. Os dois são inimigos da divisão e rotação de poderes, que pretendem concentrar em si.

Ambos concentram o que a(s) América(s) tem de melhor, e o que tem de pior. Ambos são a diferença que nos falta neste mar de igualdade.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Seção: Reflexões


Viva La Presidenta


E viva la presidenta... novamente a América Latina ficou em evidência. Novamente o mundo se voltou para este pequeno mundo... um pequeno que quer ser grande, fazendo disso uma lição de casa para a casa do outro; um rincão que quer ser algo deixando de ser a si-mesmo. Quando temos mais uma mulher no cargo, e mais vários homens a olhando de lado, alguns de baixo, outros tantos por cima, novamente temos nuestros hermanos construindo seu mítico passado... ancianidades com cara de modernidades, e de novo estão falando em rever, em renegociar, em repensar... Fica, no entanto, a grande pergunta: quando há a discussão de um mundo novo, num universo dos tempos que antecedem Adam Smith, e o liberalismo escorreito buscado por Thompson, há realmente alguma novidade? Dirão alguns... agora é uma mulher, mas e aí!!! Nossa igualdade se faz pela diferença, por outro lado, querer fazer da igualdade o fim das diferenças, mostrando para o mercado que ele tem razão, não seria um caminho tão novo assim. Será que algum dia teremos direito à diferença, ou continuaremos ciscando no terreno da verborragia que fala da diferença? Cristina dirá... ou não!