terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Por que Ler Rosa Luxemburgo?


Por Adonile Ancelmo


Rosa Luxemburgo foi uma apaixonada revolucionária anti-autoritária que apostava que as massas seriam capazes de desencadear a revolução.


Envolveu-se em diversas polêmicas, talvez a mais famosa tenha sido a que tentou desconstruir a tese revisionista de Bernstein que almejava implantar o socialismo através de reformas democráticas.


Bernstein foi o precursor do eurocomunismo e talvez o maior representante da socialdemocracia.


Rosa o refutou em diversos pontos, sendo mais expressiva quando detectou que não se poderia implantar o socialismo por meio de reformas, porque estas não destruiriam o capitalismo.


Em suma, ela antecipou a falência do Estado de Bem Estar Social, e se formos só um pouco gentil com Rosa, podemos também dizer que ao recusar a tese de que os trustes e os cartéis, mais as organizações patronais impediam que o capitalismo entrassem em novas crises, ela também anteveu a crise de 1929, que se desencadeou, principalmente, porque o desenvolvimento das forças produtivas ultrapassou, mais uma vez, como muitas que aconteceriam depois, graças também, ao crescimento do capitalismo monopolista que deveria se portar como antídoto com a ampliação do crédito, na tese de Bernstein.


Isso não só destruía as teses de Bernstein, como também as invertia, pois o que ele apontava como um dos fatores que salvava o capitalismo das crises cíclicas, qual seja, a expansão do crédito, era justamente, na visão de Rosa, como se confirmou na prática, um dos motivos que precipitava o capitalismo ao abismo.


Talvez o único senão de Rosa tenha sido o de confiar, ambiguamente, tanto na necessidade histórica do socialismo, quanto na ação dirigida das massas.


A história, até aqui nos prova, que embora o capitalismo seja inviável pois depende dos recursos limitados do planeta para continuar expandido, por outro lado, nada nos dá a certeza de que o socialismo sendo uma alternativa viável, seja também uma conseqüência inevitável dessa crise.


Contudo, ainda sim (por isso ambiguamente), não podemos nos esquecer que a autora também abria um precedente para a Bárbarie... embora, claro, preferisse e lutasse apaixonadamente pelo socialismo até o seu último suspiro, ante os que mais tarde seriam conhecidos como nazistas.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Falando de Eu-Consciência


Má-Consciência...


E por “eu”, mais que quaisquer outras informações, temos em mente a noção de consciência, no entanto, do ponto de vista da cognoscência essa tal de consciência tem muito mais lacunas que as letras de sua palavra. Daí a compreensão de que esta consciência (ou má consciência, referindo-se a filósofos como Giacóia e Nietzsche) é nomeada por Giacóia Jr.em um curso proferido no Rio de Janeiro, pelo Núcleo Philemon (http://www.rubedo.psc.br/artigosb/cursnite.htm), mencionando Nietzsche, como autoconsciência, ou mesmo o “Conhece-te a ti mesmo”, como poderá ser visto nos dois aforismas a seguir: “O problema do ter-consciência (mais corretamente: do tomar-consciência-de-si) só se apresenta a nós quando começamos a conceber em que medida poderíamos passar sem ela: e é nesse começo do conceber que nos coloca a fisiologia e a zoologia (as quais, portanto, precisaram de dois séculos para alcançar a premonição de Leibniz, que voava na sua dianteira). Poderíamos, com efeito, pensar, sentir, querer, recordar-nos, poderíamos igualmente "agir" em todo sentido da palavra: e, a despeito disso, não seria preciso que tudo isso nos "entrasse na consciência" (como se diz em imagem). A vida inteira seria possível sem que, por assim dizer, se visse no espelho: como, de fato, ainda agora, entre nós, a parte preponderante dessa vida se desenrola sem esse espelhamento – e aliás também nossa vida de pensamento, sentimento, vontade, por mais ofensivo que isso possa soar a um filósofo mais velho. Para que em geral consciência, se no principal ela é supérflua?” (Gaia Ciência: §354).

A grande questão que Nietzsche coloca aqui tem a ver, justamente devido esta contaminação que já atingira a consciência, com a constituição do que o Ocidente chamou de Ego (a partir de Freud), ou de Eu-Consciencial. Em sua filologia – gênese sintática –, consciência nos é apresentada como origem ou unidade originária, que sintetiza ou unifica o pensamento; e esse é o problema: nossa origem cultural seria o cristianismo, e já todo seu estilo de vida e de valores.

E ainda: “Já devem ter adivinhado o que certamente se produziu com tudo isso e debaixo de tudo isso. Essa vontade de se atormentar a si mesmo, essa crueldade do homem-animal interiorizado, caçado em si mesmo a golpes de pavor, encarcerado no “Estado” para ser domado, que teve de inventar a má consciência para se prejudicar depois que a saída mais natural desse querer-fazer-mal se encontrou obstruída – esse homem de má consciência se apoderou do pressuposto religioso para levar o martírio que se inflige até a dureza e o rigor mais espantosos. Uma falta contra Deus: dessa idéia faz um instrumento de tortura. Em “Deus” empunha as antíteses últimas que é capaz de encontrar com relação a seus instintos animais próprios e impossíveis de resgatar, interpreta esses próprios instintos animais como falta contra Deus (como hostilidade, rebelião, insurreição contra o “Senhor”, contra o “pai”, contra o ancestral primeiro e contra o começo do mundo): inflige-se o esquartejamento da contradição “Deus” e “diabo” projeta para fora dele todo Não que dirige a si mesmo, à natureza, à factualidade, sob forma de Sim, de coisa que é, encarnada, real, de Deus santo, de Deus juiz, de Deus algoz, do além, de eternidade, de martírio sem fim, de inferno, de incomensurabilidade do castigo e da falta.” (Genealogia da Moral: II; §22).

E é devido nossa origem cultural e identitária que o ir contra nos coloca em apuros, principalmente quando vamos contra toda uma construção cultural, identitária e histórica – isso, sem nos esquecermos do parâmetro psicológico da cognição humana. Ao mesmo tempo, que o não ir contra dá-nos uma angústia de prisão.


Nesse sentido, fazemos de conta que somos livres, em detrimento da crença no “comum” e no social-comunitário, como nos assevera Giacóia Jr. (http://www.rubedo.psc.br/artigosb/cursnite.htm), ainda dentro de seu comentário sobre a Gaia Ciência, no seguinte trecho: “Nietzsche no fundo quer dizer o seguinte: se você observa a fisiologia e a zoologia verá que o problema da consciência é, na verdade, um problema simplesmente superficial. Ou seja, que aquilo que define o essencial do sujeito não é, como pretendia a tradição filosófica, a sua capacidade de tomar-consciência-de-si, mas a consciência precisamente é um fenômeno secundário. O problema do ter-consciência, é precisamente aquilo que se constitui como problema. Ou seja, por que é que nós tomamos consciência de nós mesmos, em que medida isto é importante, tanto mais quanto nós podemos perfeitamente bem passar sem isso. Então, a fisiologia e a zoologia aqui, na verdade, simplesmente comprovam aquilo que Leibniz já tinha dito. Ou seja, que a consciência não é o essencial do sujeito, da subjetividade; mas a consciência é, na verdade, uma ínfima porção da subjetividade. Você pode ter vida, tanto animal quanto humana, sem que necessariamente o fenômeno da consciência-de-si tenha que se apresentar”. O problema então, é você, ou o que você traz sobre suas costas? Grande pergunta que não tenho resposta!

E este comunitário – e também identitário – nada mais é que, grosso modo, nivelar por baixo. Preso estaríamos se estivéssemos indo contra este statu quo da razão, que começara em Aristóteles e nos colocara em Hegel, repetindo o ciclo, e fechando o círculo. Quanto mais consciência tomamos, neste contexto, mais alienados nos tornaríamos; e mais sem-consciência do eu-primordial teremos..., ou será qua ainda há a possibilidade de compreendermos coisa tal antiga e tão cheia de pó?


quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Linguagem: um Possível Problema Cultural...


Parte III


No fundo da questão, o grande problema para Nietzsche seria a superação da metafísica, daí a preocupação em compreender qual é o motivo da linguagem, e de certa linguagem, ademais, aquilo que sai da construção cultural humana, por sí só, é problema insolúvel. Superando a metafísica, compreendemos melhor a linguagem, visto que ela poderia, muito bem, estar envolvida com a linguagem. Resta desvendar, contudo, o grau deste envolvimento, e se ele realmente existe.


Para tal, ao darmos um passo para trás, muito ainda poderíamos compreender, e assimilar, para a concretização deste projeto de ultrapassar toda a metafísica, e oferecer ao homem novos elementos de existência.


Ao buscar pelo espírito livre, mais que qualquer outra coisa, Nietzsche está travando uma briga feroz com a metafísica (e com quaisquer tipos de ignorância intelectual de seu tempo), donde até a linguagem servirá de instrumental: ora pelo lado da afirmação da metafísica, ora pelo lado da afirmação da vida (queiramos entender que metafísica e vida se contrapõem, assim melhor entenderíamos as palavras do filósofo). Nesta batalha de opostos, talvez o resultado final não tenha tanto valor; por outro lado, o processo que se desenrola deste (e por este) combate, aí sim, um grande recurso para que o homem consiga se livrar do forte grilhão metafísico.


Vejamos, pois, como isso poderia ser feito: "Então se faz necessário, porém, um movimento para trás: em tais representações ele tem de compreender a justificação histórica e igualmente a psicológica, tem de reconhecer como se originou delas o maior avanço da humanidade, e como sem este movimento para trás nos privaríamos do melhor que a humanidade produziu até hoje. - No tocante à metafísica filosófica, vejo cada vez mais homens que alcançaram o alvo negativo (de que toda metafísica positiva é um erro), mas ainda poucos que se movem alguns degraus para trás; pois deveríamos olhar a partir do último degrau da escada, mas não querer ficar sobre ele." (Humano Demasiado Humano: §20)


Como construção histórica que é, também a linguagem faz parte desta metafísica filosófica que nos circunda, por isso, este movimento para trás, tal como a escavação do arqueólogo, daria uma pequena medida do quanto, tanto na degenerescência, quanto na ascenção, o homem deixou muito de si, e da civilização, para trás, em suas andanças pela história e no confabular do pó por aí fixado.


O quanto, ainda, a força do tempo pesou sobre as suas decisões, levando-o, sempre de lado em lado. O fato de termos tirado-lhe o esteio (do tempo), dando-lhe a consciência, também contribuíra para os passos dados, e a direção tomada. História tem muito disso, mas tem muito mais do outro e, na maioria das vezes, é este outro que criara nossa consciência. Daí o papel justificativo, tanto da história quanto da psicologia. Ambos saberes serviram-lhe de chão.


Todavia, o que mais incomoda é o papel que a linguagem exerceu em tais motivações e escolhas. A humanidade, por seu caráter humano, sempre atuou como uma pressão sobre seus pares. Seja dando-lhes esteio, seja tirando-lhes solo, uma vez que, alguns esteios, ao invés de firmarem tais construções, as firmam para... jamais em si.


O olhar retrospecto pode servir de grande base para o projeto do espírito livre. O que se deseja, advindo deste olhar, é a integralidade do que se está mirando. O ponto chave, nesse sentido, é a forma como este olhar se dá, e não necessariamente para o lugar que o mesmo se volta.


Nietzsche dirá, numa pergunta, que "a humanidade gosta de afastar da mente as questões acerca da origem e dos primórdios", por isso "não é preciso estar quase desnumanizado, para sentir dentro de si tendência contrária?" (Humano Demasiado Humano: §1). E ao mesmo tempo em que faz essa pergunta, lança uma vontade afirmativa no ar. É como se ele quisesse demonstrar o quão certos sentimentos ainda poderão ser mais fidedignos de suas indagações. O próprio sentimento de humanidade: tão mais forte que os outros, e que nos identifica, como também, o que nos descaracteriza.


terça-feira, 25 de novembro de 2008

Linguagem: um Possível Problema Cultural...


Parte II


O futuro que se deseja, enquanto força de um destino ainda por construir, poderia ser a plena libertação deste homem, e a consolidação de um sintoma de espírito livre.


Os pássaros audazes que voam para além do arrecife (Aurora: §675) querem sempre ir mais longe, pois lhes parece que há um destino - quiçá, um futuro - ainda a ser conquistado. Coincidência ou não, parece que voam inspirados por uma memória escondida; jamais esqeucida: "Entretanto, todos os nossos grandes iniciados e todos os nossos precursores acabam por parar e o gesto da fadiga que pára, não é das atitudes mais nobres e mais graciosas: isso vai acontecer tanto para mim quanto para ti!" (Aurora: §675).


Não seria essa fadiga uma espécie de arma da linguagem para fazer valer sua vontade? Outra questão que se levanta; até que ponto também nossa memória não foi contaminada por essa verdade? O próprio fato de isso vir a acontecer - a fadiga, no caso - tanto para mim quanto para ti, já não está nos dando uma pista de como o signo ainda estaria afirmando sua vontade?


Um triste pesar, e um leve penar. Ambos sofrimentos e angústias que poderiam contribuir para a bancarrota do projeto.


E ainda, a melancolia de que tal projeto se dá como uma melancolia pelo futuro, além de uma fadiga por este presente sempre pretérito.


A cultura, e todas as informações que foram se acumulando ao longo da civilização, ainda deixam seu bafo morno nos dizer que o pó via muito alto.


E o sofrimento para com o passado de nossa cultura, seria outro elemento relevante para a constituição dessa linguagem que, apesar de parecer, pode não ser nossa: "Quem percebe de modo claro o problema da cultura, sofre de um sentimento semelhante ao de quem herdou uma riqueza adquirida legalmente, ou ao príncipe que governa graças às violências de seus antepassados. Pensa com tristeza em sua origem, e com frequência tem vergonha e fica irritado. Todo o montante de energia, vontade de viver e alegria que dedica ao que possui é muitas vezes contrabalançado por uma enorme fadiga: ele não consegue esquecer sua origem. Olha o futuro com melancolia; os seus descendentes, ele já sabe, sofrerão do passado assim como ele. (Humano Demasiado Humano: §249)


Assim como o sofrimento de algo incerto, o fato de termor um futuro que nos faça nos envergonhar do mesmo, traz para o pássaro que tenta ir além do arrecife, talvez seguindo sua memória, uma espécie de ressentimento melancólico. Há ainda por traz dele muita coisa ainda a escavar. Tal como um arqueólogo, é preciso tirar as pistas do limbo escuro e esquecido, do pó que tomou todo o passado.


domingo, 23 de novembro de 2008

Linguagem: um Possível Problema Cultural...


Parte I


Criador de conceitos que somos, damos valor ao que imaginamos que tenha sido, assim fez Sócrates, assim se fará durante grande parte da História da Filosofia. É onde entra o papel da representação (também um grande problema histórico, lembro-me da Universidade e as acaloradas discussões acerca de Roger Chartier) para nos fazer aproximarmo-nos ainda mais de nossa memória e do legado que, imaginamos, advira dela. Tentando refletir sobre esta questão, caímos diretamente no campo da linguagem e em seus constructos cognoscentes.


Quando se quer fazer de um instante algo duradouro, o primeiro 'movimento' de nosso cérebro é criar signos. Ao criar signos acabamos criando, também, algumas verdades, seja lá na História, seja cá na Filosofia. E estas mesmas verdades são a forma mais visível e factível de que nossa linguagem se faz dar conta, gritando para nós o quanto ela precisa ser notada... e anotada.


A representação que destes signos se forma, dá ainda um aparato maior de sua existência. Ao menos da insistência de uma possível existência. Apenas o brado mais alto consegue se fazer notar. E este brado, como pode ser um alerta, também pode ser uma necessidade falsa e lisonjeira. Falsa no sentido de advir, talvez, de signos errôneos; lisonjeira no seu feitio de bajular a memória para tentar se fazer representação. Representação que se afirmaria na linguagem.


O que governa nossos sentidos é uma veemente necessidade de os auto-afirmar enquanto tais, aliás, os auto-afirmar enquanto seara concreta de algo que está por acontecer. O brado forte que outrora se fez ouvir, nada mais é que a necessidade dessa veemência em fazer-nos existir.


A grande guerra da linguagem é travada perante, e diante, a memória do invíduo. Por mais que se afirmem por aí a validade da linguagem, sempre em sua meta está a intenção de se indispor com a memória. Se o discurso fosse o elemento que traz grau de validade à vida, ele somente poderia pensar o homem como um intenso simulacro. O homem, como sabemos, pode ser muito mais que isso (parece-me que sua genética histórico-cultural apenas constata referida tese), resta a este indivíduo a gana e vontade (e aqui vale a redundância sim; diria até: a redundância apenas reforça nossa tese; pois, é na redundância que se afirma o homem e o discurso que fazemos do mesmo) de se fazer existir.


E por espírito livre, elemento seminal de um outro homem, temos a certeza dessa sua emancipação: "Por esse tempo pode finalmente ocorrer, à luz repentina de uma saúde ainda impetuosa, ainda mutável; que ao espírito cada vez mais livre comece a se desvelar o enigma dessa grande liberação, que até então aguardara, escuro, problemático, quase intangível, no interior de sua memória." (Humano Demasiado Humano: Prólogo; §6)


E esta liberação, como aqui se tentará asseverar, apenas viria se o homem conseguisse romper com alguns elementos da linguagem, essa mesma que vem se acumulando (como um grande e infinito pó) sobre o tempo, e que ainda está aí, ainda antes do homem esteve, trazendo para seu seio o elemento maior de sua auto-afirmação, enquanto espírito que se quer livre, fazendo-se surgir do desvelamento de certa genealogia, os rincões obscônditos da memória.


Logo adiante, Nietzsche afirmará que "nosso destino dispõe de nós, mesmo quando ainda não o conhecemos; é o futuro que dita as regras do nosso hoje" (Humano Demasiado Humano: Prólogo; §7), e apenas poderíamos ter plena ciência de nossa memória se confirmarmos este simulacro, como um círculo, e tão-somente assim teríamos condição de atender o jogo errôneo que se juntara à linguagem para a construção do 'hoje'.


Resta saber se o que validamos hoje como sendo o nosso 'hoje' é realmente o caminho traçado pela memória, ainda antes de sua consecução crítica.


sábado, 22 de novembro de 2008

Uma Construção em Fragmentos...


Parte III



A razão a qualquer preço, tal como pretendia Sócrates, nos arrebataria, arrancando de nossa terrível natureza humana (a mesma referida acima como propensa ao medo e à contradição da terrível verdade) os elementos mais primevos de nosso instinto. “Os instintos precisam ser combatidos – esta é a fórmula da décadence. Enquanto a vida está em ascensão, a felicidade é igual aos instintos.” (Crepúsculo dos Ídolos: O Problema de Sócrates, §11).


E a ascensão à qual Nietzsche se refere é a mesma levantada por Sócrates quando da alavancagem da razão: uma “luz diurna mais cintilante, a racionalidade a qualquer preço, a vida luminosa, fria, precavida, consciente, sem instinto (...)” (Crepúsculo dos Ídoloso: O Problema de Sócrates; §11).


Uma contraposição clara, e que mostrara efetivamente o instinto, senão como uma doença, do ponto de vista de Sócrates. Daí a ascensão da vida e sua conceitualização de felicidade: uma clara contraposição ao peso homérico de Atenas anterior a Sócrates: "Mas o que se encontra por trás do mundo homérico, como local de nascimento de tudo o que é helênico? Nesse mundo, somos elevados pela extraordinária precisão artística, pela tranquilidade e pureza das linhas, muito acima da mera confusão material (...) mas para onde olharíamos, se nos encaminhássemos para trás, para o mundo pré-homérico, sem a condução e a proteção da mão de Homero?" (Cinco Prefácios: 64)


Nessa época sanguinária a luta é cura (Cinco Prefácios: 67); e é exatamente atrás da cura que Nietzsche volta suas mais valiosas letras. A mesma cura que Sócrates fez questão de condenar, trazendo, ainda conforme Nietzsche, doença para Atenas, através de sua cicuta, impelindo tal cidade para o cálice com o veneno (Crepúsculo dos Ídolos: O Problema de Sócrates; §11).


A partir do momento em que há a constatação da doença, Nietzsche passa a atacar aquele que essa doença disseminou – com sua cicuta.


A ética grega apresentada por Nietzsche é a mesma que coloca duas deusas Eris – deusas da inveja – no início de tudo. Como um complemento, há a necessidade da atuação de uma contradição para o elemento primordial grego surgir: “O grego é invejoso e percebe essa qualidade, não como uma falha, mas como a atuação de uma divindade benéfica: – que abismo existe entre esse julgamento ético e o nosso!” (Cinco Prefácios: 70).


E a exclamação de Nietzsche é justamente porque ele está se referindo ao julgamento ético moderno: aquele que Sócrates consolidou quando de sua cicuta.


Pois bem, um homem tão franzino e 'doente', conseguiu jogar por terra toda uma tradição de vitória e liberdade. Deixando nos homens a sensação de orfandade e arrebanhamento. Dando aos grandes 'pastores' ocidentais mão-de-obra para toda uma existência.


Criou-se, com isso, toda uma justificação da teoria divina, e da necessidade de escravização dos homens: meras ovelhas de um rebanho gigantesco e ocidental.


A partir deste momento – e de Sócrates – a plebe ascende ao poder. Jogando os fortes e aristocratas de antanho no limbo da culpa e da moralidade fatalista.


Cria-se argumentos, dentre os quais a primazia da razão, para se justificar ações. Ações moralizantes e arrebanhadoras.


Mas Sócrates não foi nenhum inocente neste seu ato desesperado. O fato de tomar cicuta, sem ao menos se preocupar com a própria vida, mas com as idéias que havia deixado (exemplo maior disso o ressentido Platão), e com a verdadeira vida que teria pela frente, faz com que este franzino ser, antes que algum outro venha e ocupe seu lugar – visto que Sócrates compreendera o momento histórico pelo qual Atenas estava passando, sentindo a deixa para se tornar seu maior exemplo –, demonstre a contra-força que usara para fazer com que esta sensação de desamparo nos acompanhasse até nossos dias; deixando-nos fracos e dependentes – meras ovelhinhas de um projeto universal de submissão da moral guerreira e aristocrata.


Prova maior deste seu ato como algo não inocente pode ser buscado no seguinte aforismo de Nietzsche: "Mas Sócrates desvendou ainda mais. Ele olhou por detrás de seus atenienses nobres; ele compreendeu que seu caso, a idiossincrasia de seu caso, já não era nenhuma exceção. O mesmo tipo de degenerescência já se preparava em silêncio por toda parte. A velha Atenas caminhava para o fim. – E Sócrates entendeu que todo o mundo tinha necessidade dele: de sua mediação, de sua cura, de seu artifício pessoal de autoconservação... Por toda parte os instintos estavam em anarquia; por toda parte estava-se cinco passos além do excesso; o “monstrum in animo” era o perigo universal. “Os impulsos querem fazer-se tiranos; precisa-se descobrir um antitirano, que seja mais forte”... Quando aquele fisionomista revelou a Sócrates quem ele era, uma caverna para todos os piores desejos, o grande irônico ainda deixou escapar uma palavra, que deu a chave para compreendê-lo. “Isto é verdade, disse ele, mas me tornei senhor sobre todos estes desejos”. Como Sócrates se assenhorou de si mesmo? – No fundo o seu caso foi apenas o caso extremo; apenas o caso mais distintivo disto que outrora começou a se tornar a indigência universal: o fato de ninguém mais se assenhorar de si, de os instintos se arremeterem uns contra os outros. Ele fascinou como este caso extremo – sua feiúra apavorante o comunicava a todos os olhares: ele fascinou, como segue de per si, ainda mais intensamente enquanto resposta, enquanto solução, enquanto aparência de cura para este caso." (Crepúsculo dos Ídolos: O problema de Sócrates, §9)


A fascinação que, após sua morte, surgiu no mundo ocidental, como podemos notar, teve um papel importantíssimo para a efetivação de sua filosofia. O exemplo que, renitentemente, Platão coloca na cabeça das pessoas, dará uma força gigantesca nesta luta contra a força da virtude e da arete grega.


Os instintos que davam aos gregos sua melhor vestimenta tornam-se, a partir de tão acachapante exemplo, matéria de iniquidades e de barbarismos.


Estaria aí, talvez, uma das possíveis explicações para podermos, minimamente, tentar compreender nossa tradição, e o desmando galopante de sua força. Valores que, por um motivo peculiar, adquirem força de lei. Ganhando enorme sacralidade para nossas incautas cabeças.


Valores que, a partir do momento que passam a ser questionados, ganham força de contravenção à tradição ocidental, e sua História errônea e equivocada.


Penso, justamente por tudo isso que fora exposto acima, que a inflexão nietzscheana poderia servir de subsídio para o alheamento que, de sua obra, nos surgira aos olhos como uma pitada de luz na rotunda escuridão da modernidade – escuridão por excesso de luz!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Uma Construção em Fragmentos...


Parte II



Pensando assim, e tentando encontrar o momento em que Nietzsche faz esta constatação – a constatação de que muito fez, Sócrates, para tentar apagar a velha Atenas –, o primeiro lume da consciência que se nos advêm, remonta o período histórico chamado de 'homérico'.


Uma natureza que, desconsiderando limites de separação entre o terrível e o humano, se-nos coloca diante de uma natureza toda construída na contradição e na peleja.


E é exatamente este momento que Sócrates descaracteriza, trazendo para o homem uma aura de idealidade, passividade e harmonia.


O medo que poderia afligir, afirmaria Nietzsche, quando da aproximação deste momento, e sua possível compreensão, assim se apresenta aos olhos dos frágeis conceitos da humanidade moderna, daí a preocupação em trazer para o seio da sociedade ateniense um novo viés, aliás uma nova revelação e um novo divino. Conceitos elencados por Sócrates em seus primeiros sinais de construção.


Ademais, como se sabe bem, em Platão o mundo das idéias – aquele que é verdadeiro – é imutável e inexpugnável. Como então aceitar alguém falando que há uma certa multiplicidade na persecução da verdade?, e seria esta multiplicidade que garantiria seu teor de saber. E esta multiplicidade, devido sua inspiração na vida, a responsável por prover o saber de seus mais recônditos templos?


Se em Parmênides ser e não-ser se encontram em lados opostos, em Heráclito ambos elementos se complementam, dando ao saber uma vivacidade que alimenta esta sabedoria, embora também um medo de um desconhecido que não está sob a guarita racional. Apesar de contrários, jamais excludentes, ao contrário, complementares.


Por isso, ao sentir esse medo, Nietzsche constata que só o sentimos por não compreender, de uma forma mais completa, este mundo como um 'grego' (Cinco Prefácios: 66), pois há muito a humanidade, ainda conforme Nietzsche, já perdeu o terrível olhar que um grego, como Homero, lançaria sobre cenas tão curéis, humanas e naturais; a começar por qualquer cena de Ilíada.


O estado de alerta e suspeição que inspirava os pré-socráticos – ou mesmo sofistas, uma vez que, para Platão e Sócrates ambos pareceriam uma coisa só –, por outro lado, desqualificaria o ser imutável de Platão e, como tal, poria abaixo toda a teoria da inexpugnabilidade que adviria do saber. Não dá para raciocinar com o medo presente, muito menos com a incerteza do posterior momento.


Essa queda, pelo que nos parece, poderia ser demais para nosso filósofo. O fato de se agarrar a algo tão sólido, e que lhe garanta certeza, sempre lhe perseguiu, desde a morte de Sócrates: modelo ideal de 'inexpugnabilidade' e 'incorruptibilidade' da alma.


Até que ponto este lado 'humano' não interferiu nos fundamentos epistemológicos de Platão? Não surgiria aí um ressentimento de um Estado que teria força suficiente para garantir a pluralidade de um mundo (pensemos nos vários deuses gregos, motivo maior da queda de Sócrates)? Apenas especulações, e que não convêm ao teor de nossas reflexões.


E esta longa cadeia de erros, conforme Nietzsche advertira (Crepúsculo dos Ídolos: O problema de Sócrates, §§01-12), surgida em fragmentos com Parmênides, estilizada em Sócrates e detalhada em Platão e Aristóteles; como sabemos, desencadearia toda a condenação da filosofia originária, esta referida por Nietzsche de Filosofia Trágica (Nascimento da Tragédia), e a justificação da filosofia moderna – esta nossa contemporânea.


Toda uma condenação surgida, simplesmente, duma tentativa de justificação de um saber desertificado, que luta contra a vida, e que a deixa doente. Um saber onde o valor da vida não passa de mero empecilho para a libertação de algo inexistente. Um saber que pensa o corpo como uma carcaça; um objeto degradante que está prendendo o verdadeiro valor. Um corpo que prende a alma em sua 'beleza' mais pujante.


E isso fez Sócrates; pelo fato de não valorizar uma vida em abundância, até mesmo pela fealdade de suas feições, acabou optando por dá o real valor da filosofia à alma; ser 'inexpugnável' e 'incorruptível': este o verdadeiro ontos metafísico do velho Sócrates: "Em Sócrates, a desertificação e a anarquia estabelecidas no interior dos instintos não são os únicos indícios de décadence: a superafetação do lógico e aquela maldade de raquítico, que o distinguem, também apontam para ela. Não nos esqueçamos mesmo daquelas alucinações auditivas que, sob o nome de o “Daimon de Sócrates”, receberam uma interpretação religiosa. Tudo nele é exagerado, bufão, caricatural. Tudo é ao mesmo tempo oculto, cheio de segundas intenções, subterrâneo. – Procuro compreender de que idiossincrasia provém essa equiparação socrática entre Razão = Virtude = Felicidade: essa equiparação que é, de todas as existentes, a mais bizarra, e que possui contra si, em particular, todos os instintos dos helenos mais antigos." (Crepúsculo dos Ídolos: O problema de Sócrates, §4)


Esta luta inusitada, tão pouco usual aos gregos contemporâneos de Sócrates; esta luta sem igual, onde a força que se põe é justamente a força contrafeita à vida; uma força que visa derrubar todo e qualquer sintoma de uma força vívida, real e verdadeira, uma força que somente a vida em abundância poderia oferecer; esta força ao contrário, porém, extremamente belicosa, usada por Sócrates para combater os instintos e as contradições do homem livre: aquele mesmo que era contrafeito à pólis, e que, se dela se aproximasse, seria totalmente ostracizado.


É justamente esta força sobre-humana, uma vez que tinha na alma seu maior quinhão, que colocará trilho na filosofia moderna, ostracizando de vez todo e qualquer sintoma de contradição e guerra – bem aos moldes de Heráclito.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Uma Construção em Fragmentos...


Parte I


Por alguns dias irei aditar alguns textos que fazem parte de minha dissertação de mestrado, como será uma construção quotidiana, os amigos verão que muitos fragmentos se colarão, outros nem tanto... uma experiência que, espero, dê certo; começando por hoje:



Apresentar um problema para, logo em seguida, tentar compreendê-lo pode ser a referência maior do que este problema visa esconder. Principalmente quando se está em jogo uma reconstrução de um novo modelo.

Sócrates, segundo Nietzsche (Crepúsculo dos Ìdolos: O problema de Sócrates, §9), percebendo a degeneração da velha Atenas se incubiu de tornar-se seu próprio médico. A grande crítica feita por Sócrates ia de encontro aos velhos conceitos de Atenas, e seus velhos hábitos.


Aquilo considerado por Sócrates como velho seria a velha maneira de se observar e compreender o mundo. Um mundo de assombro e constante conflito, muito bem representado pelo pré-socrático Heráclito, donde a contradição ditaria os rumos do mundo. Seja este mundo humano, seja o mundo dos deuses, muito vivo no quotidiano ateniense dos séculos VI e V a.C.


A contradição que se mostrara como um elemento plural e diverso, apresentado por Parmênides – apesar de notarmos em Parmênides o primeiro pensador, destes filósofos originários, a se referir à ambivalência existente entre ser e não-ser e, automaticamente, colocar ambos ontos em lados opostos, trazendo com isso um primeiro fragmento de razão que, a partir de então, e com Sócrates, ganharia uma força ainda maior –, ganha status de irracionalidade, visto que joga por terra a certeza.


Por outro lado, o ser humano, e sua noção de humanidade, por ter tal estrutura, tanbém assim se define: uma contradição in loco, um conjunto inseparável da natureza. A natureza assombrosa, em constante embate, apresentada por Heráclito em seus fragmentos.


Suas “qualidades” naturais e humanas são como um conjunto. Conjunto esse que se recoloca no homem, e a ele volta, em sua plena noção de humanidade. Não se fala mais em racionalidade, fala-se agora em humanidade pura e natural, aquele antiga que Sócrates repudiara, se auto-proclamando médico de seu povo.


Por este motivo, fazia-se necessário, então, pegar este discurso, e dialeticamente embaralhá-lo junto com o discurso poético, e desqualificá-lo em detrimento da lógica e da clareza.


Esta velha estrutura faz de sua humanidade (a do homem) um duplo e inquietante caráter, ou ainda, “as capacidades terríveis do homem, consideradas desumanas, talvez constituam o solo frutífero de onde pode brotar toda humanidade, em ímpetos, feitos e obras” (Cinco Prefácios: 65). É sua terrível natureza mostrando o elemento mais natural de sua humanidade.


Já em Sócrates, velho médico, o elemento vital do saber deveria abrir espaço para o elemento frio e racional da lógica platônico-aristotélica.


E fora Parmênides (um pouco antes), também, que iniciara Platão em suas querelas; um jovem continuador do legado socrático.


Como aponta Guthrie (Os Sofistas; 1995: 12), Parmênides mostra a Platão irrestrita confiança nos poderes da razão humana, fazendo com que este último tenha em mãos uma identidade essencial da razão no homem e em Deus.


Idantidade que faz da dialética socrática uma grande armadilha, a qual conseguirá manter-nos dentro, durante séculos. Ao tentar desvencilhar da mesma, resta o limbo da imoralidade.


E como apresentado acima, apenas esta identidade íntegra, e sem contradições, poderia legitimar a verdade e, consequentemente, também a filosofia.


Não é à toa que o velho Parmênides rejeitara por completo os sentidos. Nova justificativa para que Platão fizesse o mesmo, dando-lhe (ao velho Parmênides e à velha razão) papel mais elevado que o papel dos sentidos, o qual a mente deve deixar para atrás o mais rápido possível. "(...) já em Sócrates e Platão pode-se vislumbrar o predomínio das armadilhas morais, cujo influxo parece ter se mantido com o passar dos séculos. Mesmo percorrendo diferentes caminhos, as filosofias não puderam desvencilhar-se daquela invenção primeva do homem abstrato, dialético, justo, que ansiava acima de tudo conquistar o bem, o conhecimento e a felicidade." (O Crepúsculo do Sujeito em Nietzsche ou Como Abrir-se ao Filosofar sem Metafísica; ONATE, 2000: 54)


Surgindo com isso uma nova certeza: o conhecimento só poderia ter este nome, como um nome de merecimento, se partisse de uma certeza absoluta e universal e, automaticamente, baseado na razão. Esta mesma, velha conhecida de Parmênides, e a mais nova amiga de Platão.


Uma amiga que, com Heráclito (fragmento CVII), nunca viera sozinha e absoluta: “É bem necessário investigar muitas coisas para os homens serem amantes da sabedoria” (Heráclito: fragmentos contextualizados; COSTA, 2002: 214), apesar de também fazer parte do mistério que é o saber. Aliás, do mistério que é a sabedoria – esta mesma que oculta-se quando muito próxima da luz.


Razão essa que, ainda conforme Guthrie (Os Sofistas; 1995: 12), só mereceria seu lugar em absoluto se transcendesse a própria experiência, e os sentidos e aparências humanos, penetrando o véu do sentido divino, e levando à consciência humana verdades que estariam latentes num ser absoluto, imorredouro e universal.


Este ser imorredouro que, vertendo-se como uma torrente imortal, se mostraria numa essência já concebida em seu estado desincorporado e anterior ao próprio homem; visto que o corpo seria a prisão da alma e, de forma direta, a prisão da verdadeira, e absoluta, razão.


terça-feira, 21 de outubro de 2008

De Como Filosofia, Politicagem e Futebol se Misturam...


Minha vida determina minhas verdades, minhas aparências surgem com meu contato com o mundo da vida, aliás, com o mundo da minha vida e com as relações que travo com outras vidas, neste mesmo mundo. Se o mundo das aparências seria o mundo da vida, então ouso afirmar que este, o das aparências, de fato, é o verdadeiro mundo, pois é meu mundo! E onde entra as aparências e ilusões de anseios quebrados?


Por meu mundo posso ainda afirmar que é todo o universo de coisas que envolve minha vida e minhas predileções, por isso, quando escrevo alguma coisa, estou falando tão-somente de mim, e de como eu entendo e vejo o mundo ao meu redor.


Se em minhas obras aparece muito de mundo, o mundo que pinto é o mesmo usado por minhas tintas e com várias senhas de minha vida.


O universo político brasileiro, quando coopta o universo esportivo acaba criando um mundo que é seu e que, ao mesmo tempo, oferece aos outros facetas de como este mundo é visto pela multidão. E por multidão e massa, o futebol é o esporte que melhor açambarca o mundo, tornando-o cada vez maior.


Em minha postagem anterior me referi justamente da forma como o universo político (para ser mais exato: politiqueiro) pode se utilizar desta necessidade humana para angariar alguns votos, visto que para alguns futebol significa muito mais que paixão. Diria até que seria como uma construção identitária: uma vida por se fazer na vida que o outro fez. Daí a preocupação em mostrar ao mundo o que realmente somos, ou como realmente nos vimos perante este mesmo mundo, uma vez que, ao incorporar certas ideologias identitárias, acabamos incorporando uma nova vida à nossa já velha vida.


Nesta semana em que o segundo turno das eleições municipais decidirá a vida de muitos brasileiros pelos próximos 4 anos (alguns já com 3 anos e meio na mesma maré), já podemos ver, referente à postagem anterior, alguns reflexos disso.


Em Rio Branco, capital do Acre, o resultado nas urnas confirmou o grupo do atual prefeito, que é do PT, no poder por mais quatro anos (com 80.022 votos, ou 50,82% dos votos válidos), o que significa que, por lá, parece que o time Rio Branco ainda terá algum patrocínio, no entanto, olhando na tabela da Série C, do octogonal final, suas condições não são das melhores: é o último... o que acontece heim?


Por outro lado, o Águia de Marabá, no Pará, continua no páreo, na terceira posição do octogonal, todavia, o grupo que o patrocinava não conseguiu se reeleger, ficando em terceiro lugar no pleito municipal, com 18.916 votos, o equivalente a 20,49% dos votos válidos. Já a oposição conseguiu 45.963 votos, 49,79% do total.


E, por último, dentro dos classificados, está o Duque de Caxias do Rio de Janeiro, na penúltima posição do octogonal final, e com três goleadas nas costas, uma situação não muito desanimadora, ainda mais quando descobrimos que o grupo do prefeito que patrocinava o time (também do PT) não conseguiu se reeleger, ficando com apenas 204.988 votos, num total de 44,59%, em segundo lugar. A oposição (capitaneada por DEM e PSDB) angariou 245.218 votos, num total de 53,34%. Vamos ver o que restará ao Duque, ainda na Série C do ano que vem, porém sem condições de garantir uma certeza com relação ao patrocínio local.


O Salgueiro de Pernambuco (teve o atual grupo, capitaneado pelo DEM, derrotado com 12.748 votos, 44,83% dos votos, e em segundo lugar, contra os 14.596 votos, 51,33%, da oposição, chefiada pelo PSB e PC do B, além, de uma denúncia de compra de votos), o Marcílio Dias de Santa Catarina (sediado na cidade de Itajái, e que teve o atual prefeito, do PT, sem conseguir se reeleger, ficando em segundo lugar com 44.973 votos, num total de 44,5%, perdendo para o PP, com PSDB e DEM na coligação, coligação essa que se sagrou vencedora do pleito com 53,31% do total de votos, com números absolutos de 53.871) e o Ituiutaba de Minas Gerais (da cidade com o mesmo nome, tendo em Fued José Dib, seu atual prefeito e responsável pelo patrocínio do clube, no entanto, não conseguindo se reeleger, ficando em segundo lugar com 26.139 votos, 46,94%, e com uma diferença apertada com relação ao primeiro, Públio Chaves, liderado pelo PMDB, obtendo um total de 28.349 votos, ou 50,91%) também ficaram pelo caminho, não conseguindo nem a classificação à fase final..., é esperar pelo ano que vem, para sabermos se ambos times, sem o patrocínio oficial de outrora (ou não), conseguirão a façanha de agora.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

06 de outubro de 2008... será lápide?



É estranho como o mecenato, uma instituição inaugurada ainda nos tempos do Renascimento, e que fora responsável por grandes obras da humanidade como o teto da Capela Sistina, além de 90% das obras de arte do mesmo período, ainda hoje tenta "auxiliar" grandes forças em longíquas - e até próximas - regiões do Brasil. São os rincões que só ouvimos falar quando de uma situação um tanto quanto interessante - e pouco interessante para alguns que insistem em dizer que a massa se constrói como identidade apenas dentro de um estádio de futebol, não importando seu tamanho; exitando em reconhecer como tal obra do imaginário popular pode mudar a cara, inclusive, de uma comunidade inteira (ainda mais quando de anos eleitorais).


O futebol faz coisas que somente no meio da mata fechada (Arena da Floresta, sede do modesto Rio Branco, uma das sensações da Série C do Brasileirão, bancado fortemente pela prefeitura do PT, de nome Raimundo Angelim; Série C em uma de suas edições mais importantes da história, diga-se de passagem) podemos ver ressurgir um carrocel que durante os anos de 1970 e 1980 encantaram o mundo, ainda que não tenha o mesmo brilho, apesar da bela-mesma cor, e com uma bandeirinha do Acre em seu centro, outro diferencial. O famoso carrocel holandês, nome do modesto time amazonense eliminado na fase anterior, de nome Holanda e com as mesmas cores e beleza do famoso Carrocel de outrora.


"Bancos" oficiais, estatais e municipais: é o que temos visto na Série C, uma boa Série C, diga-se de passagem - ou não, talvez o rádio engane a gente com sua vibração interessante e irradiante, mas que os gols têm saído aos montes, aí sim, posso constatar. Ano eleitoral, momento definitivo para o mecenato moderno agir. Ano que vem, Série C na TV, em nível nacional e com apenas 20 times (mesmo modelo adotado pelas Séries A e B, diferente da futura Série D, com inchados 64 times; aí sim uma festa de Babette, com um banquete de cores, locais e sabores, embora com a mesma emoção e beleza), eleições dia 5 de outubro, e dinheiro oficial numa das campanhas mais interessantes de referida divisão nacional de futebol.


Como sempre, temos a política mexendo até naquilo que, em teoria, seria o mais puro do brasileiro: sua identidade futebolística com uma massa apaixonada, mesmo quando o que está em jogo, nem sempre é o próprio jogo, como podemos ver em times como Rio Branco AC, Águia de Marabá PA, Salgueiro PE, Duque de Caxias RJ, Ituiutaba MG e Marcílio Dias SC.


Diferente deste mecenato moderno-politiqueiro, times de tradição como Remo PA e Santa Cruz PE, maiores rendas da Série C de 2008 e constantes representantes do norte-nordeste brasileiro na Série A, amargam campanhas e crises intermináveis, com falta de verba até para pagar energia elétrica.


O futebol é sempre muito desprezado por aqueles que aqui em Pindorama pensam na política e identidade de seu povo, contudo, é este mesmo futebol que consegue colocar nomes e cores em locais onde nem mesmo estes parrudos seres de óculos aro grosso e lente fundo de garrafa possam pensar que existem. Só que aí surge um outro problema: até quando o Brasil vai largar de mão seus olhos entrelinhados e, com inocência e sinceridade, investir em algo que dá alegria à sua gente? Embelezando nossos olhos com cores leves, pesadas e fora do lugar-comum, como o é na Série A.


Uma pena saber que há a necessidade de surgir ano eleitoral para haver investimento na arte e alegria deste esporte bretão tão tupiniquim quanto... apesar dos males da turma lá de cima. Aliás, justamente devido estes males que a coisa desanda, naufragando uma enxurrada de interesses e intenções lá no final da fila. Será que ano que vem poderemos nos divertir com uma Série C "rica" e mais bem-vista? Ou a onda de mecenato moderno se encerra dia 6 de outubro de 2008?


Que esta não seja a data de sua lápide...

domingo, 21 de setembro de 2008

Municipalismo e Livre Associação: Críticas Libertárias à Democracia Representativa


A idéia puramente quantitativa, que sugere que o tamanho das instituições sugere a sua impessoalidade, a qual, por sua vez, leva à prática da indiferença, é simplista demais. (SENNETT. Autoridade. P. 122).


A atualidade do anarquismo consiste na sua crítica à democracia representativa, entendendo esta como uma farsa, diria, como antidemocrática, pois um governo do povo, para sê-lo, deveria ser exercido pelo povo e não por seus supostos representantes. Assim, uma democracia representativa se levada a sério, trata-se de uma contradição em termos.

O problema que esta crítica libertária bastante atual leva a um posicionamento equivocado, pois a relação pública necessária para o exercício político é também deturpada, ou seja, a crítica anarquista joga tanto a água da bacia quanto o bebê fora. Um governo democrático deveria se constituir como um autogoverno. Este só foi concebido na prática em termos espaciais reduzidos (também temporais, com curta duração), o que levou muitos anarquistas à defesa do municipalismo democrático apenas em termos espaciais e quantitativos, que propiciaria as decisões diretas dos politicamente interessados.

Dessa forma, a crítica à democracia representativa levou os anarquistas à velha acomodação naturalista/determinista de problemas históricos e políticos, que já era utilizado por Montesquieu quando este defendia a idéia de que o sistema político também era definido e limitado pelas condições geopolíticas do local. Concluía-se que uma democracia só seria viável em uma pequena cidade, nesse sentido, constituir-se-ia em um governo permanentemente instável e vulnerável. A sua soberania estaria, assim, constantemente ameaçada por outros Estados de governos autoritários e centralizados, que poderiam, ao contrário da democracia, constituírem-se em Estados grandes e amplos capazes de garantir suas soberanias e estabilidades.

Mas o problema não estaria todo exposto se nos restringíssemos a este aspecto, como dizíamos acima, a defesa de uma democracia direta de fato, em que os reais interessados pudessem atuar politicamente sem qualquer limitação leva a uma defesa do municipalismo, este herdeiro, por certo, do federalismo proudhoniano que, como dissemos também se resvala na redução naturalista típica do iluminismo (Montesquieu, Rousseau...), mas o problema maior é que este desenvolvimento de raciocínio aproxima os anarquistas daqueles que rebaixam a vida pública, vendo esta como uma relação já em si corrompida. Nessa perspectiva, o espaço público já seria por si só um lócus desumanizador, e isto significaria supor que o impessoalismo necessário à relação dos interesses públicos desumanizaria os homens.

Daí a defesa do municipalismo ser não só uma saída para a impossibilidade de debates verdadeiramente democráticos numa sociedade de massa, o que é perfeitamente justificável, mas também um romantismo disfarçado que rebaixa a relação pública, tentando reviver algo impossível que é a vida familiar dos clãs das sociedades ditas primitivas ou pelo menos o ambiente próprio de sociedades patriarcalistas (mas sem a autoridade paterna, numa concepção palatável para alguns anarquistas) em que todos se conheceriam enquanto irmãos.

Em outras palavras, parte da crítica atual do anarquismo referente à democracia representativa culmina em um romântico e ingênuo exame que condena a própria condição de possibilidade da política. Para esta existir é necessário o distanciamento e o impessoalismo, que se constituem em fatores básicos que criam e estabelecem o espaço público como um lócus privilegiado de decisão dos caminhos a seguir pela sociedade em questão.

O espaço público deve ser formatado pela suas próprias necessidades, projetos e anseios, o que importa não é a dimensão, mas as multiplicidades de relações e dimensões possíveis. Porque as condições de igualdade em que os poderes individuais em seu exercício público se fundirão, se anularão, se superarão na tentativa de criar o consenso democrático da maioria, não determinado tanto pelo número de debatedores, mas pela as inter-relações em que estes podem fazer, as configurações infinitas que os indivíduos podem formar, os grupos e sub-grupos que podem fundir, desfazer e refazer infinitamente.

Acrescentando a isso, aí sim, a grande contribuição dos libertários à democracia direta que é a de deixar livres aqueles que foram derrotados em suas idéias e propostas para desassociarem quando quiserem sem perdas, ressentimentos ou represálias e fundarem outros núcleos de decisões autônomos com outras condições e outros poderes de decisões.

domingo, 10 de agosto de 2008

Homens... ou não?


Por: Edilson Alves


A partir do momento em que o ser humano percebe que sua vida fica além de uma tênue linha, visual e visão não das mais agradáveis... e ainda, a partir do momento em que percebe o quanto sua via é medíocre, seu ser é ingente, e sua existência nada significa, ele deveria começar a repensar seus hábitos e, principalmente, suas crenças. É onde conseguimos separar as categorias humanas (se é que esta expressão poderia ser utililizada sem uma conotação preconceituosa) do verdadeiro ser humano, o mesmo que não se pode categorizar, nem tampouco mensurar. E é daí que surge aquilo que Nietzsche chamou de espírito livre.


O espírito livre revolta-se contra a crença, criando para si mesmo seu destino. Para libertar-se da crença seria necessário um longo processo de abandono de hábitos e comodidades, e por isso mesmo, Nietzsche não se pretendia racional, nem tampouco irracional, como várias vezes foi denominado. Mesmo porque, como foi falado ao longo deste intróito, a racionalidade seria a doença que Sócrates jogara no mundo.


Nietzsche diz que os homens de ciência não tem espíritos livres, pois estão presos à crença de sua infalibilidade. A interpretação científica não é única, muito menos a mais confiável das verdades. Na verdade é apenas uma interpretação.


Cada instante traz a marca da eternidade, e volta a acontecer um número infinito de vezes. As civilizações voltarão, até mesmo Nietzsche voltará. O universo é animado por um movimento circular sem fim. Passa de um frescor para desenvolver-se e chegar ao ápice, e renasce, como Fênix, de si mesmo. A soma de energia permanece igual no universo.


Apesar disso, Nietzsche condenava a crença na vida após a morte. Para ele o homem havia sido preso pela suas crenças, inventadas e colocadas acima do real. Não devemos nos voltar para o além e o eterno, pois essa mistificação reduz o homem a condição de servo e destrói as fontes mais profundas da vida, bem como sua vontade de viver. No lugar dessas crenças, devemos reconhecer em nós e na história a Vontade de Potência, de poder.

E este viver por meio da vontade e da força dariam ao homem o espírito livre que ele tanto necessitava para se criar a si mesmo. É a vontade se fazendo a partir de uma força advinda da vida, e não do sofrimento, como buscavam aqueles que me são adversos. E isso pode ser constatado numa carta de 1879, a qual Nietzsche escreve para o amigo Peter Gast, enviando-lhe o manuscrito de seu Andarilho e sua Sombra. "Ao ler êste meu último manuscrito, veja V., meu querido amigo, se pode encontrar-lhe vestígios de sofrimento e de depressão. Creio que não há-de encontrá-los e esta crença é já um sinal de que, nas minhas doutrinas, se escondem fôrças e não desfalecimentos e fadiga, que é aquilo que nelas buscarão aquêles que me são adversos". (11 set. 1879)

E esta teoria da força, como forma de se justificar o embate dos valores e conceitos da vida, poderia, também, justificar uma outra teoria que o próprio Nietzsche levantou, e que ainda continua, entre nós, por ser desvendada: é a teoria do eterno retorno.

Na teoria do eterno retorno, por exemplo, o mundo se alterna na criação e destruição, alegria e sofrimento, bem e mal. Em Zaratustra, Nietzsche é um defensor do virtuosismo, virilidade, contatos rústicos com a natureza e espírito guerreiro.

Como explica em um poema, Nietzsche estava num jardim, no inverno de Rapallo, esperando e meditando além do bem e do mal, quando "um se fez dois, e Zaratustra passou por mim". Sentindo-se a obrigação de fazer valer tão valorosa visita, o filósofo se dispôs a homenageá-lo, homenageando assim o Übermensch.


Quando será que conseguiremos deixar de ser medíocres, deixando de ser meros humanos de tenda? Sei lá, nem sei mesmo se saímos do macaco!


O Agir Político Autônomo




Por: Adonile Ancelmo
Partimos do pressuposto de que a ação direta é uma ação política. Entendemos assim porque, para nós, política compreende ações que não estão restritas às formas políticas dominantes que são expressas através de Estados democrático-liberais.

A ação direta é do ponto de vista teórico uma crítica externa ao Estado, aos poderes instituídos, uma recusa às regras formais de uma democracia liberal. Por consequência, constitui-se no agir autônomo das massas, que passou a ser denominada ação direta em 1906, no contexto de lutas movidas pelos sindicalistas revolucionários franceses. Assim, as revoluções sociais sempre começaram por meio de ações diretas do povo que ia ocupando os espaços de decisões políticas de quem antes estava no poder, contudo, no decorrer do processo revolucionário, o povo, depois de enfrentar os maiores perigos era, geralmente, relegado a segundo plano, deixando a administração da sociedade nas mãos de outras pessoas ou de pseudo-representantes do povo, assim terminava ação direta, porque acabava a autonomia popular.


Mas a ação direta nem sempre termina em revolução, ela pode caracterizar um simples boicote de produção, de consumo, ou uma greve parcial, geral, ou ainda atitudes de sabotagem na produção, na distribuição, ou pode ainda significar a ocupação de propriedade, como fazem as pessoas do Movimento dos Sem-Terra (MST), e em casos extremos a ação direta representou também atentados contra autoridades.


Nesse ponto, ocupar propriedade, atentados contra autoridades... surge a pergunta: a ação direta é uma expressão política restrita aos anarquistas? Não, tanto que a expressão escrita, segundo nos consta, aparece tardiamente em 1906 entre os sindicalistas revolucionários, anarco-comunistas, anarcossindicalistas, sindicalistas e socialistas de toda ordem.


Por outro lado, a ação direta, o agir autônomo dos diretamente interessados, foi sempre uma bandeira anarquista. Os anarquistas desde a metade do século XIX, para sermos mais preciso, eram aqueles que rejeitavam a via parlamentar, que se insurgiam contra as instituições liberais de poder, que apontavam o Estado e o capitalismo como o grande mal da sociedade, nesse sentido, a ação direta enquanto estratégia e, mais que isso, enquanto aglutinador de sensibilidades foi a marca principal dos que se diziam e agiam como anarquistas.


Mas nesse ponto, podemos entrever uma distinção na ação direta anarquista, principalmente, alentada entre os anarco-comunistas italianos que tiveram nos escritos de Malatesta sua maior e melhor expressão. No caso específico da ação direta defendida e difundida pelos anarco-comunistas organizacionistas, como passaram a ser denominados os companheiros de Malatesta, era uma ação direta ligada a uma moralidade específica em que a defesa da ação violenta por parte dos anarquistas só se justificava a partir de um objetivo maior que era o da sociedade igualitária para todos, e apenas num contexto em que os anarquistas tivessem conquistado a adesão da maioria e, quando assim, tivessem agindo a favor e com os oprimidos.


Para os malatestetianos, enquanto o povo em sua completa maioria não quisesse fazer a revolução, restaria para os militantes libertários apenas a luta pelo menos pior, ou seja, criar comunidades de resistência, sociabilidades fraternais, organizações de apoio mútuo, escolas de ensino libertário, em suma, a criar micro-sociedades, se é que podemos dizer isso, onde pudesse se erigir a solidariedade fraterna entre as pessoas, um outro agir ético baseado na igualdade e na liberdade, mesmo que, no caso, isso fosse restrito aos espaços de lazer libertários ou a períodos do dia em que os trabalhadores conseguissem escapar da exploração capitalista.


Esses núcleos de convivência libertários existem hoje em dia e podemos vê-los com mais freqüência do que se imagina. Há muitas organizações anarquistas espalhadas pelo mundo que buscam demonstrar que outras possibilidades de convivência são possíveis. No contexto dessas organizações libertárias, busca-se criar regras de sociabilidade com base no respeito e apoio mútuos, sem hierarquias pré-definidas, sem instituição de autoridades, sem mecanismos de coação, repressão, opressão ou de controle. Tais espaços são regidos pela autogestão igualitárias das atividades, quando são cooperativas autônomas, há muitas espalhadas pelo mundo, dependendo de qual linha teórica anarquista, a produção é dividida com base na necessidade de cada um ou conforme o trabalho feito por cada pessoa. É mais freqüente vermos núcleos de memórias anarquistas e federações regionais que procuram colocar em prática as idéias anarquistas num contexto mais reduzido.


O que é comum nesses núcleos é a concepção ética que se funda na solidariedade, na autonomia, na igualdade e na liberdade, isto é, na livre associação entre as pessoas que se uniram, justamente, por acreditar em objetivos comuns e, se no desenvolvimento das relações tal união for desfeita por um ou mais participantes, não haverá nenhum tipo de represália, multa ou quaisquer coisas do tipo. Nessas organizações o que vale é o agir ético, muito mais que qualquer lei, os indivíduos tem para si e para outros uma obrigação de respeito e solidariedade, mas caso desistam disso, cada um está livre para seguir o seu caminho da melhor forma que lhe apetecer. A liberdade de um só existe enquanto existir a liberdade do outro. Os libertários ainda vivem! No Brasil, mesmo depois de determinada historiografia pensar ter enterrado o movimento operário da Primeira República junto com os anarquistas, as várias federações e organizações libertárias brasileiras comprovam isso. Quando foi que o Estado tornou-se expressão da própria política, isto é, do agir político em si? Quando foi que a História do Estado tornou-se uma história estatista auto-referente, auto-explicativa, uma justificativa em si mesma. Que é o Estado, que entidade é esta que chamamos de Estado. Onde ele está? O que ele faz, que chegamos ao ponto de não conseguir pensar em viver sem ele? Quando que a História política moderna se naturalizou?



sábado, 9 de agosto de 2008

Política – continuação da guerra por outros meios


Tentaremos nesse estudo demarcar as fronteiras do nosso tema. O primeiro obstáculo é delimitar o horizonte histórico das regras que o fez emergir e das condições que o permitiu existir. Mas só isso não basta, devemos demarcar as leis que o fizeram existir e permanecer em sua especificidade. Definir isso é sempre um pouco problemático para não dizer arbitrário.
Nosso problema principal se situa naquilo que Foucault chamou de regras da formação discursiva. E consiste em se tentar localizar a:
... dispersão que caracteriza um tipo de discurso e que define, entre os conceitos, formas de dedução, de derivação, de coerência, e também de incompatibilidade, de entrecruzamento, de substituição, de exclusão, de alteração recíproca de deslocamento etc. [1]
Há vários aspectos que se pode constituir em objetos de abordagem do tema da ação direta. Pode-se inicialmente localizá-la no âmbito da longa história e vê-la surgir no contexto das revoltas contra os poderes instituídos. Nesse ponto, Foucault também tem muito a nos dizer, em seus últimos estudos, quando tentava delinear seu novo campo de pesquisa, a biopolítica e os mecanismos de repressão, ele nos propõe a emergência de um discurso que impunha à política um outro modelo de concepção e de análise que, por isso se contrapunha ao outro modelo da política como uma relação de poder contratual que se consagrou nos escritos dos filósofos do século XVIII. Há nesse sentido, segundo Foucault:
... dois grandes sistemas de análise de poder. Um, que seria o velho sistema que vocês encontram nos filósofos do século XVIII, se articulariam em torno do poder como direito original que se cede, constitutivo da soberania, e tendo o contrato como matriz do poder político. E haveria o risco de esse poder assim constituído, quando ultrapassa a si mesmo, ou seja, quando vai além dos próprios termos do contrato, tornar-se opressão. Poder-contrato, tendo como limite, ou melhor, como ultrapassagem do limite, a opressão. E vocês teriam outro sistema que tentaria, pelo contrário, analisar o poder político não mais de acordo com o esquema contrato-opressão. E, nesse momento, a repressão não é o que era a opressão em relação ao contrato, ou seja, um abuso, mas, ao contrário, o simples efeito e o simples prosseguimento de uma relação de dominação. A repressão nada mais seria que o emprego, no interior dessa pseudopaz solapada por uma guerra contínua, de uma relação de força perpétua. Portanto, dois esquemas de análise do poder: o esquema contrato-opressão, que é, se vocês preferirem, o esquema jurídico, e o esquema guerra-repressão, ou dominação-repressão, no qual a oposição pertinente não é a do legítimo e do ilegítimo, como no esquema precedente, mas a oposição entre luta e submissão. [2]
Para que fique bem entendido, esses dois esquemas citados por Foucault, existem hoje em dia e desde, mais ou menos o século XVI, segundo a localização de Foucault, aparece o outro discurso que se impõe ao esquema jurídico, o que mais anteriormente, era representado pela história da soberania, que desde os romanos, tematizava sobre os grandes soberanos e sua função era o de justificar e consolidar o poder instituído. Já esse outro discurso, vem romper com essa função da história, vem mostrar que a política é a continuação da guerra por outros meios como no aforismo de Clausewitz, que a política é a imposição de uma dominação, com justificativas legais que escondem ou tentam ocultar seus dispositivos de repressão.
Assim, podemos localizar o discurso que culminou com o conceito de ação direta, o seu objetos original: “a luta entre as raças”, que mais a frente tornar-se-á o da “luta entre as classes” colocado por esse novo modelo de análise e concepção da política, que é denominado por Foucault como sendo o modelo da guerra.
Isso, porém, nos causa um incômodo irreparável, pois o termo escrito que já traz em si uma primeira delimitação, que se restringe ao seu aparecimento original, mais ou menos localizado por nós entre 1890 e 1906, é bastante recente para vermos como uma continuidade entre os objetos dos primeiros discursos revolucionários e os do final do século XIX e início do XX.
Se não bastasse esse incômodo provocado pela sua aparição recente, percebe-se que as regras que condicionaram, os objetos aos quais se referenciaram, as modalidades dos enunciados, enfim, as condições de existência dos discursos revolucionários foram outras e tiveram variação, que por sua vez, marcam as diferenças de ritmos, de formas e conteúdo de suas histórias.
Por outro lado, se restringimos muito o momento histórico e o local de sua aparição, se o restringimos aos referentes de discurso próprio de uma classe, de uma tendência de luta, poderemos cercear a possível gama de objetos que o termo ação direta pôde se referenciar e que ainda pode.
Assim, reivindicaremos o modelo da guerra para análise política da ação direta, para vermos não como uma oposição ou uma recusa à política, mas como resistência e luta contra um tipo de política que consolidou sua soberania enquanto poder e saber desde o século XVIII, e mais recentemente, nos impõe essa tirania de um sistema único composto pelo capitalismo e pela democracia liberal.
[1] FOUCAULT. A Arqueologia do Saber. p. 66.
[2] FOUCAULT. Em Defesa da Sociedade. p. 24.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Comentários Singelos Sobre as Cartas de Bakunin...


Por: Adonile Ancelmo


Bakunin nos mostra que tanto Marx quanto Mazzini confundem uniformidade com unidade: "Estes doutrinários e estes autoritários, Mazzini tanto quanto Marx, confundem sempre a uniformidade com a unidade, a unidade formal dogmática e governamental com a unidade viva e real, que só pode resultar do mais livre desenvolvimento de todas as individualidades e de todas as coletividades e da aliança federativa e absolutamente livre, na base de seus próprios interesses e de suas próprias necessidades, das associações operárias nas comunas, e, para além das comunas, comunas nas regiões, regiões nas nações, e nações na grande e fraternal União internacional, humana, organizada federativamente somente pela liberdade com base no trabalho solidário de todos e da mais completa igualdade econômica e social". (CARTA AOS INTERNACIONAIS DE BOLONHA, Dezembro de 1871. Instituto Internacional de História Social de Amsterdã).


Bakunin pede demissão da Federação Jurássica e da Internacional, devido não principalmente as infâmias dos marxistas, mas por se achar um velho burguês que só poderia contribuir para a revolução social como propagandista teórico, o que seria pouco útil, pois para ele o que estava faltando naquele momento ao mundo eram fatos e ações: "O tempo não está mais para idéias, e sim para fatos e para atos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser a obra do próprio proletariado. Se eu fosse jovem, eu me transportaria para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa de meus irmãos, participaria igualmente com eles do grande trabalho dessa organização necessária. Mas minha idade e minha saúde não me permitem fazê-lo. Elas me pedem, ao contrário, a solidão e o repouso. Cada esforço, uma viagem a mais ou a menos, torna-se um caso muito sério para mim. Moralmente sinto-me ainda bastante forte, mas fisicamente canso-me rapidamente, não sinto mais as forças necessárias à luta. Eu não poderia ser, no campo do proletariado, mais do que um estorvo, não uma ajuda".


Nas últimas cartas de Bakunin predominam um grande pessimismo e daí que sua análise da conjuntura de fim de século XIX é de um realismo premonitório, pois, entre outros pontos, destaca a força reacionária do bismarkismo pangermânico e sua grande força policial contra os revolucionários, restando apenas a propaganda heróica, contra a concentração financeira em Estados Modernos que, segundo Bakunin: "devem se entredestruir e se entredevorar, cedo ou tarde. Mas que perspectiva!". É sem dúvida espantosa sua clarividência, pois, a História a seguir, ao contrário dele, nós a conhecemos bem!


In: Bakunin por Bakunin, site:
http://sabotagem.revolt.org/node/26
acessado em dez/07.


Um Olhar Ao Longe...




Nietzsche observa os humanos de longe, e não os considera seres privilegiados, apenas alguém que vem trazer uma notícia, há muito, já sabida; às vezes notícia essa que chega como o jornal de ontem: fatos idos, de coisas idas, todavia, vividas. Um dos pontos principais de sua obra é a crítica aos valores judaico-cristãos, estes mesmos que forjaram esta civilização tão plena de saberes e de verdades que é a nossa querida Civilização Ocidental, e a notícia que Nietzsche traz é a da morte de Deus, visto que, os homens e todo o processo de racionalização do saber já o mataram. Tal como uma notícia antiga: já sabemos dela, no entanto, ainda nos atemos a ela para conseguirmos dignidade no viver... é difícil viver sozinho, sem deuses... aliás, sem muletas!



O homem não é divino, apenas um Ser que pode ser mais do que realmente é. Necessita sobreviver e dominar para poder confirmar sua existência. Uma vez que na história esteja presente a vontade de poder, como também a vontade de dominar, resta ao homem dominar seu tempo e sua história para não ser dominado.



Não sendo dominado também não se transforma em rebanho. No entanto, o que acontece não é bem isso: o homem se apega à mentira do conhecimento como se sua filosofia ou ciência explicasse realmente o mistério cósmico, e deixa de lado todas as forças que movem este mistério, e que não se deixam fotografar; as suas forças em pleno atrito parea manterem-se vivas. Pelo contrário, estas forças cósmicas precisam ser vividas no dia-a-dia de sua construção de saberes.


Como o conhecimento, a moral e a metafísica são invenções, resta ao homem; primeiro, tentar compreender qual o momento em que esta invenção foi mais manipulada e; segundo, construir por si só, e com base em saberes já existentes, renovar seus valores para aqui, e não para além, valores que o coloquem como criador, e não criatura.


Outro problema, que advém da ciência é o fato de ela sempre se alçar sobre as outras áreas, como um vampiro, para poder sobreviver mais algum tempo. Quando chega sua senilidade, a tendência é ela vir sugar a novidade e, a partir disso, tentar controlá-la (novidade) também. Um problema já detectado por Nietzsche, ainda em 1868, numa carta ao amigo Paul Deussen.


"Certo é que eu exijo a tôda ciência o seu passaporte, e, se não me pode provar que, no seu horizonte, existe algum grande fim civilizador... deixa-a passar sempre, visto que os insignificantes têm tanto direito à existência no reino científico como na vida. Mas as citadas ciências-Kauz que fazem trejeitos patéticos e calçam coturno, não devem tomar-se a sério os seus gestos. Ora bem; algumas destas ciências chegam assim à senilidade, e oferecem então um aspecto repulsivo, quando, com seu corpo consumido, veias sêcas e bôca murcha, buscam o sangue de novas naturezas florescentes e o chupam como vampiros. Nesse momento, o dever de todo o pedagogo é manter as frescas fôrças louçãs longe dos abraços dêsses velhos monstros, que são venerados pelos historiadores, e odiados pelo presente, e que serão destruídos pelo futuro." (20 out. 1868; 1944: 87)


Seguindo uma espécie de trilha do conhecimento, desde seu erro inicial, até o ocaso definitivo de sua epistemologia, a ciência tenta se manter, como sendo a única capaz de ditar as verdades do mundo. Verdades que devido nossa formalção ocidental já se cristalizaram, relegando seus criadores e meras criaturas.


E isso nos vem como um exemplo bem claro já no século XVIII, quando caem as teorias de origem divina do homem (criando-se assim uma divindade contida na razão), e o intento de se tentar substituir tais verdades – o homem não gosta nem do abismo, que lhe tira o solo, nem da orfandade, que lhe tira o pai.


Apesar de tais teorias, lá criadas, virem refundadas com um substituto deste divino: no caso, passou a ser a razão. Dessa forma, o conhecimento passa a ser ativo, porém, submisso à vida. Há que se repensar esta submissão, invertendo sua polaridade. Daí a importância em não divinizar a razão, como fora feito.


O mundo que tem valor é o que criamos ao perceber o quanto sua confluência de forças é confusa. Nossas verdades são ilusões que precisam, também, serem pensadas como tal. Ilusões de um mundo que foi construído, sob medida, à nossa 'medíocre' existência.


Caso tivéssemos uma vida, e saberes, menos medíocres, poderíamos ter construído um mundo diferente, com valores totalmente outros. Pensam por nós – usando nossa força vital –, já que não conseguimos pensar por nós mesmos, como espíritos livres. Resta saber até quando referida situação ainda se manterá.


terça-feira, 1 de julho de 2008

Arquivo de Mortos-Vivos

Arquivos de Memória...



De onde vem esta urgência suprema para rompermos com nossas tradições mais íntimas? Povos viram que foram jogados aos ventos das revoluções as cinzas de um velho lugar, arrastados por forças invencíveis, e por discursos convincentes. Vamos, por isso, entregarmos nossos fluidos mais inconsistentes, sem que uma gota de suor não saia de nossas faces ruborizadas? Imagino que sim, apenas em força há o desenvolvimento e a ascensão. Nem por isso, no entanto, vamos nos entregar, dispersando nossas forças junto a estas cinzas evasivas. Não podemos nos entregar ao sopro ligeiro dos caprichos alheios.


Não se assinala um só mal público que tenhamos que promover para aquém da opinião comum. Há sim a necessidade de uma reforma, aliás, e em última instância, há a necessidade de uma revolução conceitual e dialógica, donde o discurso não seja mais presilha que agrilhoa, e sim instrumento que liberta.


Arquivos de memória não podem ser pretexto para que se esconda o conhecimento e o saber. Arquivos de memória devem, sim, ser abertos aos olhos do mundo. Isso ocasionará esta revolução que almejamos. Isso porá fora a poeira que o tempo escondeu, deixando às claras as chagas que este tempo ocultou.


Se de um discurso podemos construir uma verdade, de um arquivo obscuro podemos instrumentalizar nossa memória. E que o esquecimento seja apenas um lamento historial de um momento benquisto.


Existem histórias que precisam tornar, de fato, história comum. Não podemos mais ser reféns de histórias que não nos comportam, não permitindo que tenhamos o pleno controle destes resíduos historiais distantes.


Conhecimento e saber não podem ficar atrelados, unicamente, à teologia e à filosofia, há que ser sentido como a um gongo inoportuno. Se temos tiranos que não permitem este tilintar, que os mesmos sejam depurados, tirando de suas entranhas um novo começo, com novas informações de discursos. Muitos foram os que, dentro do conhecimento, quiseram que sua verdade não brotasse. Outros, se utilizaram de um conhecimento forjado para impor suas verdades. São momentos que se iniciam e se findam, há sempre um círculo virtuoso neste processo.


Um início que, mesmo descambando ao léu, ainda assim um começo possível para uma possibilidade de libertação futura e presente. Este presente que começou com histórias antigas, lendas antigas e mentiras sempiternas. Mentiras que se convertem em esperança... esperar o dia em que verdade deixará de o ser apenas por convenção, nem tampouco por convicção, mas por puro e constante martelar de dados, fatos, fontes, mentiras e outras verdades.


O que dizer de uma história que só o é tal como se encontra, no desvão de memórias torpes... temos também o direito à nossa memória..., uma memória não-mostrada como um arquivo de mortos-vivos, mas uma memória de vidas em fúria...


Que esta furiosa 0nda possa ecoar em desvão outrora bastante escuros... temos direito, aliás, queremos ter direito à nossa memória de volta!