terça-feira, 23 de setembro de 2008

06 de outubro de 2008... será lápide?



É estranho como o mecenato, uma instituição inaugurada ainda nos tempos do Renascimento, e que fora responsável por grandes obras da humanidade como o teto da Capela Sistina, além de 90% das obras de arte do mesmo período, ainda hoje tenta "auxiliar" grandes forças em longíquas - e até próximas - regiões do Brasil. São os rincões que só ouvimos falar quando de uma situação um tanto quanto interessante - e pouco interessante para alguns que insistem em dizer que a massa se constrói como identidade apenas dentro de um estádio de futebol, não importando seu tamanho; exitando em reconhecer como tal obra do imaginário popular pode mudar a cara, inclusive, de uma comunidade inteira (ainda mais quando de anos eleitorais).


O futebol faz coisas que somente no meio da mata fechada (Arena da Floresta, sede do modesto Rio Branco, uma das sensações da Série C do Brasileirão, bancado fortemente pela prefeitura do PT, de nome Raimundo Angelim; Série C em uma de suas edições mais importantes da história, diga-se de passagem) podemos ver ressurgir um carrocel que durante os anos de 1970 e 1980 encantaram o mundo, ainda que não tenha o mesmo brilho, apesar da bela-mesma cor, e com uma bandeirinha do Acre em seu centro, outro diferencial. O famoso carrocel holandês, nome do modesto time amazonense eliminado na fase anterior, de nome Holanda e com as mesmas cores e beleza do famoso Carrocel de outrora.


"Bancos" oficiais, estatais e municipais: é o que temos visto na Série C, uma boa Série C, diga-se de passagem - ou não, talvez o rádio engane a gente com sua vibração interessante e irradiante, mas que os gols têm saído aos montes, aí sim, posso constatar. Ano eleitoral, momento definitivo para o mecenato moderno agir. Ano que vem, Série C na TV, em nível nacional e com apenas 20 times (mesmo modelo adotado pelas Séries A e B, diferente da futura Série D, com inchados 64 times; aí sim uma festa de Babette, com um banquete de cores, locais e sabores, embora com a mesma emoção e beleza), eleições dia 5 de outubro, e dinheiro oficial numa das campanhas mais interessantes de referida divisão nacional de futebol.


Como sempre, temos a política mexendo até naquilo que, em teoria, seria o mais puro do brasileiro: sua identidade futebolística com uma massa apaixonada, mesmo quando o que está em jogo, nem sempre é o próprio jogo, como podemos ver em times como Rio Branco AC, Águia de Marabá PA, Salgueiro PE, Duque de Caxias RJ, Ituiutaba MG e Marcílio Dias SC.


Diferente deste mecenato moderno-politiqueiro, times de tradição como Remo PA e Santa Cruz PE, maiores rendas da Série C de 2008 e constantes representantes do norte-nordeste brasileiro na Série A, amargam campanhas e crises intermináveis, com falta de verba até para pagar energia elétrica.


O futebol é sempre muito desprezado por aqueles que aqui em Pindorama pensam na política e identidade de seu povo, contudo, é este mesmo futebol que consegue colocar nomes e cores em locais onde nem mesmo estes parrudos seres de óculos aro grosso e lente fundo de garrafa possam pensar que existem. Só que aí surge um outro problema: até quando o Brasil vai largar de mão seus olhos entrelinhados e, com inocência e sinceridade, investir em algo que dá alegria à sua gente? Embelezando nossos olhos com cores leves, pesadas e fora do lugar-comum, como o é na Série A.


Uma pena saber que há a necessidade de surgir ano eleitoral para haver investimento na arte e alegria deste esporte bretão tão tupiniquim quanto... apesar dos males da turma lá de cima. Aliás, justamente devido estes males que a coisa desanda, naufragando uma enxurrada de interesses e intenções lá no final da fila. Será que ano que vem poderemos nos divertir com uma Série C "rica" e mais bem-vista? Ou a onda de mecenato moderno se encerra dia 6 de outubro de 2008?


Que esta não seja a data de sua lápide...

domingo, 21 de setembro de 2008

Municipalismo e Livre Associação: Críticas Libertárias à Democracia Representativa


A idéia puramente quantitativa, que sugere que o tamanho das instituições sugere a sua impessoalidade, a qual, por sua vez, leva à prática da indiferença, é simplista demais. (SENNETT. Autoridade. P. 122).


A atualidade do anarquismo consiste na sua crítica à democracia representativa, entendendo esta como uma farsa, diria, como antidemocrática, pois um governo do povo, para sê-lo, deveria ser exercido pelo povo e não por seus supostos representantes. Assim, uma democracia representativa se levada a sério, trata-se de uma contradição em termos.

O problema que esta crítica libertária bastante atual leva a um posicionamento equivocado, pois a relação pública necessária para o exercício político é também deturpada, ou seja, a crítica anarquista joga tanto a água da bacia quanto o bebê fora. Um governo democrático deveria se constituir como um autogoverno. Este só foi concebido na prática em termos espaciais reduzidos (também temporais, com curta duração), o que levou muitos anarquistas à defesa do municipalismo democrático apenas em termos espaciais e quantitativos, que propiciaria as decisões diretas dos politicamente interessados.

Dessa forma, a crítica à democracia representativa levou os anarquistas à velha acomodação naturalista/determinista de problemas históricos e políticos, que já era utilizado por Montesquieu quando este defendia a idéia de que o sistema político também era definido e limitado pelas condições geopolíticas do local. Concluía-se que uma democracia só seria viável em uma pequena cidade, nesse sentido, constituir-se-ia em um governo permanentemente instável e vulnerável. A sua soberania estaria, assim, constantemente ameaçada por outros Estados de governos autoritários e centralizados, que poderiam, ao contrário da democracia, constituírem-se em Estados grandes e amplos capazes de garantir suas soberanias e estabilidades.

Mas o problema não estaria todo exposto se nos restringíssemos a este aspecto, como dizíamos acima, a defesa de uma democracia direta de fato, em que os reais interessados pudessem atuar politicamente sem qualquer limitação leva a uma defesa do municipalismo, este herdeiro, por certo, do federalismo proudhoniano que, como dissemos também se resvala na redução naturalista típica do iluminismo (Montesquieu, Rousseau...), mas o problema maior é que este desenvolvimento de raciocínio aproxima os anarquistas daqueles que rebaixam a vida pública, vendo esta como uma relação já em si corrompida. Nessa perspectiva, o espaço público já seria por si só um lócus desumanizador, e isto significaria supor que o impessoalismo necessário à relação dos interesses públicos desumanizaria os homens.

Daí a defesa do municipalismo ser não só uma saída para a impossibilidade de debates verdadeiramente democráticos numa sociedade de massa, o que é perfeitamente justificável, mas também um romantismo disfarçado que rebaixa a relação pública, tentando reviver algo impossível que é a vida familiar dos clãs das sociedades ditas primitivas ou pelo menos o ambiente próprio de sociedades patriarcalistas (mas sem a autoridade paterna, numa concepção palatável para alguns anarquistas) em que todos se conheceriam enquanto irmãos.

Em outras palavras, parte da crítica atual do anarquismo referente à democracia representativa culmina em um romântico e ingênuo exame que condena a própria condição de possibilidade da política. Para esta existir é necessário o distanciamento e o impessoalismo, que se constituem em fatores básicos que criam e estabelecem o espaço público como um lócus privilegiado de decisão dos caminhos a seguir pela sociedade em questão.

O espaço público deve ser formatado pela suas próprias necessidades, projetos e anseios, o que importa não é a dimensão, mas as multiplicidades de relações e dimensões possíveis. Porque as condições de igualdade em que os poderes individuais em seu exercício público se fundirão, se anularão, se superarão na tentativa de criar o consenso democrático da maioria, não determinado tanto pelo número de debatedores, mas pela as inter-relações em que estes podem fazer, as configurações infinitas que os indivíduos podem formar, os grupos e sub-grupos que podem fundir, desfazer e refazer infinitamente.

Acrescentando a isso, aí sim, a grande contribuição dos libertários à democracia direta que é a de deixar livres aqueles que foram derrotados em suas idéias e propostas para desassociarem quando quiserem sem perdas, ressentimentos ou represálias e fundarem outros núcleos de decisões autônomos com outras condições e outros poderes de decisões.