quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ai...!, Que Saudades de Minas...


Buscar o esquecimento para não morrer de saudades pode ser o melhor caminho para atingir alguma coisa (ou coisa nenhuma, sei lá... ninguém sabe o que se passa na cabeça das pessoas, apenas sabemos que algumas pensam), todavia, o que seria de nós sem a saudade, de nossa vida, deixasse de fazer parte?

Não sei, nem ouso a perguntar, no entanto, ouso a responder: minha vida passou a fazer sentido quando deixei de lado todo e qualquer resquício de meta... sei lá, essa coisa de firmar compromisso com o futuro parece coisa de pacto com o Além... quem sabe não seja isso que nos falta, não é mesmo, afinal de contas; a saudade é a falta de alguma coisa que já tivemos, seja ela qual for...!

Já tivemos, não aproveitamos e da falta nos envolvemos... sinto falta. Falta de fazer diferente, ou quem sabe, fazer igual,uma vez que a saudade faz parte de algo já feito... um absurdo! É isso, somos deuses, podemos cuidar daquilo que Deus se encarrega (suicídio), podemos ser deuses de nossos desejos... mas, ainda humanos! Afinal de contas, da saudade ninguém dá conta... eira sem beira!

Deixe estar, ainda posso carregar pedras morro acima, é isso que me faz um humano Deus...

Deuses somos quando de Deus nos despreocupamos... ai que saudades de Minas!!!!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Devaneios Orgásmicos


"Tem merda na calçada, toda a rua está tomada de água, o barco que passava por ali afundou na esquina de baixo. Mas, no entanto, a merda continua sobre a calçada, usurpando a liberdade dos pés das pessoas.


 

"Não imagina o quanto isso é sujo... o homem é sujo, todavia pisa na merda. Seu pé se rebela, os cus se embriagam de prazer... felicidade pros cus, tristeza pros pés. Até mesmo os flatos de Rubem Fonseca se atiram a esse desatino desordenado de excrementos. Sua copromancia não pode prever o prazer dos homens, o desafogo dos cachorros... mas a rua continua alagada.


 

"Cheio de excremento o homem segue sua rotina, apenas seu olfato aprova seu cu. Dentro do banheiro, admirando a merda boiando no vaso e seu cheiro penetrando no ambiente, embriagando o homem, buscamos nossas origens, profetizamos nosso futuro... espere aí, ele está nu sobre a latrina. Sua privada, testemunha ocular de seu futuro, réu confesso de seus excrementos... mas o odor já chegou na sala de estar, e enquanto isso, ninguém ainda limpou a calçada. Confesso que prefiro a bosta da calçada que o lixo molhado das ruas, após a chuva.


 

"O que acontecerá com o barco, e o banheiro do homem nu, até quando vai esconder seu futuro? Pode parecer absurdo, porém, a copromancia ainda tem muito a nos dizer, nem mesmo eu a conheço direito, contudo, sei o quanto eres útil... pelo menos a calçada permaneceria mais limpa, longe dos olhos molhados dos cachorros, com seus focinhos úmidos e frios, depois da chuva. Não sei, mas acho que cagar é a experiência máxima da liberdade humana.


 

"Somente nossa privada sabe o quanto é bom estar sozinho conosco... um bom livro, o jornal diário: acho que vou pra coluna de política... No Congresso Nacional... O alívio de um intestino bem resolvido... só ele é capaz (junto com a privada, é claro) de expressar os limites de nossa liberdade, mas cadê o papel?"


 

Somente aí Albertina se lembrou do que estava fazendo no banheiro após uma refeição mal resolvida. Seus devaneios ultrapassaram a noção da normalidade. Sua vida em absurdo não consegue se conter, mas a mente processa vinte e quatro horas seus delírios.


 

Todavia, não foi só aquela refeição à beira da praia, foi também aquele chá de cedo.


 

O tempo, lá fora, pode passar, mas Tina continua dentro do banheiro, sobre a privada. Nestes momentos nada interrompe seus desatinos... nem mesmo a merda da calçada.


 

"Precisamos fazer alguma coisa, se esta situação continuar perderemos o barco da calçada... apesar do que, ele já afundou mesmo.


 

"Até nas vidas, melhor preparadas, chega um momento em que o homem desmorona. Seus atos se constróem como um monólogo... o eu e o eu sozinho. Dessa construção o homem tenta atingir o ápice de sua subjetividade... é neste momento que o cu entra em cena, uma força sobre-humana se encarrega de depositar excrementos pelas passarelas do inconsciente.


 

"Sua vida começa a boiar dentro do vaso sanitário do cognoscente... o monólogo se apresenta como reflexo de uma força peristáltica no baixo ventre. Sua explosão sai como um peido... cheira mal mas alivia o intestino. É neste momento que a cena atinge seu momento mais ambíguo, a platéia vaia ao mesmo tempo em que o intestino ovaciona; do lado inverso, a bexiga borrifa um jato quente sobre a água... o mijo se apresenta em cena, acontece o clímax!


 

"O inconsciente subjetivo se apresentou de duas formas concisas e salutares... do monólogo surge o absurdo e da cena o imprevisto... o palco cai e o narrador vai ao chão... Qual futuro, se as pernas vão apodrecer e nos enterrar? Surge a náusea, vem o vômito, e novamente o alívio... apesar das vaias o sorriso vem ao nosso rosto, pegamos o banquinho, subimos de novo no palco e agradecemos a multidão... acho que vou vomitar..."


 

Uma pausa, um borrifo... Tina vomita em todo o azulejo do banheiro, suas vistas se escurecem e por segundos a cortina se descerra. Alguém bate lá fora... um grande silêncio..., ninguém responde e a porta é arrombada... a cena dá nojo, todavia, no fundo, o vômito foi mesmo a melhor coisa a se fazer. O intestino e o estômago estão limpos novamente. Seu corpo é suspenso, suas vestes arrancadas, o sexo exposto... parece úmido e excitado... (in)felizmente, não deu para controlar...


 

Após um banho frio Tina se vê, outra vez, sobre a cama... tudo parece como dantes, a vida volta ao normal; mas a sensação de prazer e devaneios idos (apesar de terem sido inconscientes) ainda está em sua memória... o orgasmo!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Conhecimento Pensado a Partir de Categorias Correlatas


O saber não existe por si só, ele é uma disposição de um ser que, ao relacionar-se com as "verdades" do mundo, torna-se coerente; e nem sempre compreensível (e muito menos sistematizado), por outro lado, poderíamos estar colocando sua tessitura dentro de uma natureza que se movimenta, ao modo da physis grega.


 

Dessa forma, as noções que dizem respeito aos fundamentos do saber, que do mundo são apreendidos pelo homem, são noções que, em constante fluxo, e como uma rede de informações, "caem" sobre o homem que as re-processa (sem ao menos compreender que forma isso se dá e como isso se dá), alimentando cada vez mais sua limitada condição de ser pensante.


 

Apenas em momentos assim poderíamos dizer que estamos a exercer nossa liberdade de condução cognoscente; condução essa que tem neste movimento da natureza – como se verá mais adiante – uma elucidação que, ao mesmo tempo, se encobre.


 

E é neste re-processar que se dá a assimilação e compreensão, de alguma categoria do saber que disso resulta, justificando ainda mais essa fluidez que o mesmo pode se mostrar se, todavia, deixar-se revelar por completo.


 

Esta situação de re-processamento, em contrapartida, não é assimilada por todos da mesma forma. Há aqueles que, devido sua disposição ao saber, e ao querer-mais do saber, a recebem de forma mais efetiva. Há também aqueles que – apesar de terem esta disposição –, por não a terem como algo a ser seguido, acabam nem tendo noção destes preceitos. Situação que não impede o fluxo de deixar de existir. Há ainda os quie nem sabem que o mesmo existe.


 

Ademais, toda construção do conhecimento deve partir de algo, não de forma criacionista como afirma o sistema moral cristão, mas de um embate, e para tal não há que voltar ao início dos tempos, muito pelo contrário, apenas o primeiro momento existe como alguma coisa Universal, por isso sua necessidade de se ocultar em determinados momentos.


 

O que não significa que todos, universalmente, desenvolvam esta predisposição, porquanto, mesmo sem a desenvolver, ainda assim este saber, e sua natureza essencial ainda estão aí, e continuam existindo.


 

O aposteriori deste saber é pensado aqui como a experiência, e o desvelar do mesmo perante os signos que nos são visíveis – enquanto espécies pensantes que somos –, com efeito, quando por experiência entende-se que: tudo aquilo que há em nós de referência conceitual, e que serve de instrumental para o processamento destas informações.


 

A partir deste momento, o que torna-se um imbróglio para o conhecer dos fundamentos do conhecimento não está, necessariamente, no pensamento do ser enquanto "objeto" parado, mas no movimento que esta experiência acarreta no indivíduo, por isso a importância em pensar esta natureza de uma forma não-inerte, embora essencial e primeira.


 

E este indivíduo só vai notar este movimento se se inserir no mesmo de uma forma mais incisiva, não permitindo que o fluxo se dê por conta e risco do destino.


 

Em face disso, outra questão que se sobressai a esta discussão é a que diz respeito ao sentido do ser, sem que da compreensão deste sentido façamos uma ontologia torta. E, por isso mesmo, sentido esse pensado como significante, ou seja; a que campo do saber o ser pertence e, principalmente, como este ser torna-se elemento de constituição cognoscente, responsável por significar que signo nos apareça.


 

Guy Van de Beuque (2004: 65) nos afirmará que o sentido do ser pode não ser uma matéria da ciência e, como tal, de difícil significação, mas sempre foi, e será, o fundamento e o horizonte que lhe dão o contorno de seus limites – limites que nos são importantes para fazer-nos compreender o local que, hipoteticamente, estamos sondando. E como contorno, jamais núcleo ou centro, sua significação apenas nos advém a partir de seus limites.


 

E, como sabemos, estes limites nos serão dados no contato com a natureza e seus elementos de significação cognoscente; seja por meio da experiência, da empiria, ou por algum sintoma da metafísica.


 

E aqui há uma menção clara ao devir de Heráclito de Efésios, pensado por Olímpio Pimenta, interpretando Nietzsche, ao considerar a crítica da ontologia:


 

Considerando em conjunto a crítica acima esquematizada, fica claro que, para Nietzsche, as expectativas metafísicas em torno da permanência só podem pretender justificar-se na medida em que se reconheçam como negócio exclusivamente. Assim interpretadas, não são substrato, princípio ou sustentáculo de qualquer realidade, mas, diferentemente, são marcas da relação do homem com o mundo, sintomas de um tipo especial de leitura ou apropriação das coisas efetuadas em função de impulsos e interesses particulares da espécie. Sua conexão com a verdade depende de seu proveito vital, de seu valor ou não para a vida dos grupos que as instrumentalizaram nos trabalhos inerentes à sua existência concreta. (1999: 37)


 

Razão e metafísica, nesse contexto, têm uma proximidade muito grande, desde que não haja uma interferência externa, ou seja, advinda da experiência. Mesmo porque, pretender pensar esta natureza, ou mesmo este ser como a algo permanente, em justa medida, é comprometer o real núcleo deste conhecimento. Se, por um lado, apenas o vemos dentro de seu limite, aliás, apenas o vemos em seu limite, o compreendê-lo dentro de uma ontologia inerte, ainda mais, torna-se mero sistematizar. Daí a preocupação em pensar isso amparado na razão e na metafísica – e não somente.


 

Afirmação essa que não significa que este saber esteja totalmente amparado na razão, ou tão-somente na metafísica, mas nesta, ou naquela, e nos sentidos, isto é, também nos instintos (talvez aqui a noção de inato tenha uma re-significação, visto que, por inato seria, justamente, penso eu, uma natureza subjetiva que está no homem, e advém dele a partir de certos impulsos ou reflexos).


 

O grande problema que a modernidade trouxera fora a preterição do instinto para a consecução do saber, ou ainda, pensando no romantismo francês (Rousseau) e alemão (Goethe e Schiller, por exemplo), a preterição da razão em detrimento do instinto. A partir do momento que um ou o outro fora preterido, de forma automática, tiramos um elemento a mais que nos ajudaria a compreender a natureza do saber, automaticamente, a natureza do ser que deste saber se apropria para nos significar algo. Daí a importância em se pensar ambos, em constante fluxo e embate.


 

A própria natureza do ser, pensada desde o elemento heraclítico, nos dá uma outra significação destes signos, pois Heráclito não separa um elemento do outro, mas complementa um com o outro; e deste conflito harmoniza ambos elementos.


 

Van de Beuque (2004: 65), ainda insistindo na natureza do ser, tentará avançar sua meditação sobre este problema, tentando aprofundar no que Heráclito denominou de movimento geral da natureza. E que pode ser muito útil para conseguirmos compreender o conhecimento para além de métodos racionais, ou somente instintivos.


 

No fragmento 123 de Heráclito temos a seguinte assertiva: physis kryptesthai phileî, ou seja, a natureza ama ocultar-se e, fazendo isso, o surgir acaba encobrindo o ser, dando aos homens, que deste saber tentam se apropriar, apenas um limite, ou talvez, aquilo que este ser não seria.


 

O fragmento completo seria, segundo Temístio em Oratio (V, p.69), e que fora compilado por Alexandre Costa, é o seguinte:


 

Talvez não seja jamais agradável ao deus que surja consonância entre os homens. "Natureza", [diz] Heráclito, "ama ocultar-se" e mais ainda a natureza do criador da natureza – que por isso especialmente honramos e admiramos –, pois o conhecimento dele não está à mão e nem se alça à superfície, e nem pode ser apreendido sem suor "ou apenas com uma das mãos". (COSTA, 2002: 187)


 

É claro que esta interpretação nos dá uma noção de aproximação com algum ser divino, ou mesmo um certo deus. Em contrapartida, e ainda seguindo a trilha deixada por Van de Beuque, nos é passada a seguinte interpretação: o fragmento acima se refere à natureza, em seu sentido grego e originário – daí a palavra physis –, sendo vista como um movimento geral, ou mesmo de seu vir-a-ser relacionando-se com o vir-ao-nada. E, dessa relação, a significação do saber.


 

E ainda, é como se Heráclito tivesse apontando o pensamento para a compreensão da natureza mesma do ser, pensada em si mesma, mas não em seu núcleo, mas neste seu ser que se encobre; que poderia ser um núcleo, embora não-inerte, e ainda sem sabermos onde fica seu real lugar. Situação que nos faz se aproximar de Temístio e sua apologização a um certo deus desconhecido.


 

Uma possibilidade de se compreender este elemento significante, e que pode nos aproximar de Kant; é o fato desta physis, ao encobrir-se do mundo enquanto ser essencial, talvez, até ontológico, acaba se mostrando como uma essencialidade do saber.


 

Uma proteção que, pelo afirmado abaixo, evita o alteramento e a contaminação do ser essencial, cabendo à experiência e ao aparecer-se o breve momento de transformação. Visto que a natureza está em constante transformação. Diferente de sua essência que permanece, mantendo-se inalterada e originária. Início e fim do elemento saber.


 

Apesar de nos aparecer em momentos de transformação cognoscente, sua real essência se mantém encoberta, por isso sua importância se dá no âmbito do movimento, jamais da inércia. Apenas no movimento pode o homem se aproximar desta essência.


 

E, aproximando-se da mesma está, automaticamente, criando para si saberes e conceitos que, outrora, não lhe eram tão claros assim, como neste momento de desvelamento do movimento. E não desvelamento do ser.


 

Apenas para reforçar: o ser, ao desvelar-se, está se encobrindo ainda mais.


 

Van de Beuque assevera:


 

E é através desse encobrimento do "puro" brotar que a physis protege a essência do surgimento. "Na inaparência do surgimento repousa a garantia de não se deixar tocar pelo alteramento do que aparece a cada vez." O essencializar originário guarda-se ao abrigo da riqueza e, por estar no abrigo, nunca declina. O puro surgimento "garante e propicia o aparecer, sem, no entanto, cair no âmbito do que aparece". E, para isso, tem que se manter encoberto. (2004: 75)


 

O conhecimento a priori, para Kant, tem algo de intocável (e aqui nos aproximamos da significação de Temístio acerca de Heráclito ou, ao menos, sua interpretação sobre); eu diria, pois e noutra direção, que ele é totalmente palpável e acrescentável – em especial o conhecimento que do mundo e para o mundo nos dispomos. E este conhecimento poderia ser encarado e, determinado, como o limite que, logo acima, Van de Beuque apresentara.


 

Ao contrário de pensá-lo tal como a metafísica, o pensaria como uma inter-relação entre vida e logos (e aqui o logos seria entendido como o Incognoscível, ou mesmo premissa que não tem retorno, nem início, pois ela é por si só; e sempre existiu, estando sempre aí).


 

E este incognoscível, pensado de uma forma mais germinal, de fato, surge como algo a priori, no entanto, não um a priori por si mesmo, e distante, mas um a priori que, entrando em contato com a experiência cognoscível, e seus limites, nos mostra um caminho flúido, e como tal, um a priori intuitivo e instrumental.


 

Não se quer pensar no ser, mas no vir-a-ser, sendo o a priori apenas um ponto de partida e, como tal, necessário a todos, e disposto em todos. Todavia, a partir do momento em que se veja esta ponto de partida dentro de um invólucro aberto, jamais fechado e inerte.


 

Noutra direção, aquilo que poderíamos pensar como alguma coisa inata ao homem, pensado aqui, como uma relação com o a priori, eu diria que este inato é uma espécie de característica primordial e genética (pensando genético do ponto de vista da espécie, não do ponto de vista do indivíduo), a qual dá aos homens uma espécie de instrumento para o conhecer. E não instrumento para o apropriar deste saber.


 

Fazendo uma analogia ao jogo dos contrários de Heráclito; é como se o inato, apesar de sua geneticidade original, estivesse em constante embate com o a priori. Um embate que não tem nada de separação, mas de complementação (daí pensar o embate de forma necessária e, assim, não excludente, mas existente) e, por isso mesmo, necessário para a consecução de nossa assimilação do saber.


 

A integridade que Kant afirma, apenas reforça o caráter intocado do saber e sua inospitalidade, assim como almeja a Tradição. Seria, pois, um temor infundado; como conhecer sem sentir esta força? Uma pergunta intrigante e, ao mesmo tempo, exótica. O ato de conhecer deve ser pensado não em sua integridade, mas em sua integralidade.


 

Ainda Kant, com sua propedêutica da metafísica: conhecimento especulativo da razão, o qual sua posição se eleva acima e à parte, tendo na construção da própria razão o papel de demiurgo, mostrando-lhe que deva ser discípula de si própria e não da experiência, restando à experiência apenas o papel de ser pensada como um objeto de uso, necessário, porém, logo abaixo.


 

Trocando em miúdos, o a priori seria a premissa do saber, já o inato seria uma espécie de disposição ao saber, e que está em todos, entretanto, não seria todos que desta disposição se usufruíssem.


 

É como se existisse um objeto oculto que, baseado no a priori, e tocado pela experiência, traria ao homem uma disposição constante ao saber, ou, como diria Aristóteles no início da Metafísica: todo homem, necessariamente, aspira ao saber... (eu emendando), embora, nem todo homem tenha noção muito clara desta sua tão nobre aspiração.


 

Referência Bibliográfica

BERGE, Damião (1969). O Logos Heraclítico: introdução ao estudo dos fragmentos. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro/MEC.

BEUQUE, Van de (2004). Experiência do Nada como Princípio do Mundo. Rio de Janeiro: Mauad/Faperj.

COSTA, Alexandre (2002). Heráclito: fragmentos contextualizados. Rio de Janeiro: Difel.

KANT, Immanuel (2005). Crítica da Razão Pura. São Paulo: Martin Claret.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm (2002). A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos. Lisboa: Edições 70.

PIMENTA, Olímpio (1999). A Invenção da Verdade. Belo Horizonte: Editora UFMG.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Da Náusea ao Deciframento do Sagrado


O homem não se mexeu de seu lugar na hierarquia ontológica da natureza, nem tampouco fugiu de seus compromissos com a História – pelo menos deveria ser assim –, por esse motivo deixou gravado em suas obras toda uma sombra ideológico-discursiva (não importando que intenções tinha) de seu ser mais íntimo e consciencial.

Não conseguimos ainda ser totalmente anjos, por mais que assim queiramos, nem completamente bestas selvagens, por mais que nosso instinto assim aja. No entanto, conseguimos, baseado em nossa existência cognoscível – que é nossa consciência íntima e inóspita –, deixar marcas de nossa condição fisio-psicológica nas horas de nosso Tempo.

Continuamos em nosso espaço de atuação, vagando entre o sublime e o terrível, entre as esferas celestes e os abismos mais profundos de nossa biologia animal.

Até mesmo, e portanto, por este tipo de atitude fazer parte de nossa existência, como também ser referendado por este inaudível que, apesar de não compreendermos, sempre nos movimenta. E é isso que dá-nos certeza dessa náusea sartreana, disposta numa existência conturbada e nem um pouco estéril – apesar de, em alguns casos, assim parecer.

Esta relação, encontrada no indizível, é uma tentativa de expressar aquilo que é inaudito e inefável ao ser e sentidos mais racionais do ser humano. A palavra até pode chegar perto deste inaudível, aproximando-se da margem do discurso, sem ser, no entanto, algo absoluto; e isso acontece no patamar do nunca, que é também um verbo divino, porém, advindo da boca humana (verbo humano que se metamorfoseia em verbo divino, daí a impossibilidade de justificações e compreensões).

Não adianta se explicar, explicando a criação, ou mesmo lançar olhares filosóficos ou psicológicos sobre uma determinada obra. O que não significa que a mesma não possa ser pensada como a algo discursivo e, às vezes, intencional (imagino que esta última vertente seria a que mais teria possibilidades de discussão).

Há o não deciframento... talvez a intuição! E essa intuição, talvez, daria pistas para seu deciframento, sem, no entanto, ser vista pela razão e consolidada pelo Verbo. E de Verbo, todos os dias, nosso espírito se infla, colocando-nos um pouco mais além da margem de outrora.

Dentro da forma literária tudo pode ser dito, sem que isso desproteja o discurso, e sem que isso o coloque no patamar de mentira. Quer-se desconstruir este discurso, contudo, sempre haverá um rincão onde ele ainda imperará, não sendo-nos acessível jamais.

Dessa forma, a ficção nasce da experiência e dos fenômenos experimentados, bem como o intento religioso e sagrado desta contextualização. Apenas conhecemos o sagrado quando de seu fenômeno, pois sua linguagem é-nos totalmente estranha – apesar de sensível e quotidiana.

A vida cria mecanismos de cognoscência a partir de sua própria experiência com algo – seja este algo advindo do sagrado ou do mundano. E assim podemos justificar esta proteção, ou até quebrar suas muralhas – prefiro esta última possibilidade.

Apesar de haver uma desconstrução discursiva em algum momento, o que uma pessoa tem a dizer só se acaba no momento em que ela morre, não significando, contudo, que seu discurso pereça conjuntamente.

É quando a vida mostra toda sua plenitude: de tão maravilhosa que é, não há como pôr um ponto final em sua expressão, nem em seu discurso. O sagrado mais uma vez se mostra como a algo infinito, e infindo de possibilidades de se mostrar cada vez mais.

Não há aqui a preocupação com o medo – este mesmo que vem junto da proximidade da morte, todavia, anterior à serenidade –, nem com a angústia das influências. De uma forma ou de outra elas virão!

Há uma extraordinariedade no ordinário de nossa vidinha medíocre, trazendo para a posteridade uma continuação do sagrado – o mesmo que se tenta desconstruir, porém, que ainda aparecerá noutro momento, num outro espaço, e de uma outra forma discursiva.

A relação que o homem tem com o sagrado, desde tempos imemoriais, cria identidades, constrói culturas e sugere uma realidade em comum. E seria esta realidade em comum uma conseqüência do discurso religioso-literário o qual me refiro e que, como proposta, tento compreender.

Vejamos, então, como Marshall Sahlins em Ilhas de História, interpreta esta construção identitária, o que, logo em seguida, tentarei relacioná-la com certa construção dogmática: Agindo a partir de perspectivas diferentes e com poderes sociais diversos para a objetivação de suas interpretações, as pessoas chegam a diferentes conclusões e as sociedades elaboram os consensos, cada qual a sua maneira. A comunicação social é um risco tão grande quanto as referências materiais.

Quer-se uma objetivação das crenças que, por conseguinte, dão corpo a certa realidade comum. São interpretações de pessoas e escritos que dão conclusões de como agir e, às vezes, de como pensar. Esta construção literária é uma construção discursiva bastante contundente, pois dá identidade ao grupo e o habilita a criar vínculos sociais e culturais. É daí que surge a noção de consenso e, por conseguinte, de identificação ética.

E, pensando nisso, a discussão que tento levantar é a de que a construção literário-religiosa é uma discussão baseada no consenso, pois, quer-se com isso dar identidade a certo grupo. E por consenso, podemos entender como este grupo se significa perante o mundo que lhe é estranho e, no entanto, tão familiar e caseiro. E a religião pode ser um instrumento de construção deste mundo, dando-lhe características caseiras e, ao mesmo tempo, tão peculiares – e posterior constatação – identitária e homogeneidade sócio-cultural.

No entanto, algo aqui precisa ficar bem claro. E este algo refere-se ao que Nelson Ascher em Relativismo Cultural e Multiculturalismo denominou de relativismo cultural.

Este relativismo cultural pode contribuir para a autocompreensão da humanidade, uma vez que é baseado nestas constantes diferenças que se cria, também, um consenso. Como pode, também, contribuir para a desconstrução do mesmo consenso.

Em contrapartida, este relativismo vale também para o multiculturalismo caso se limite a um programa pragmático voltado para a redução plausível de entrechoques desnecessários de diferenças desimportantes, ele cumpre uma função cujos méritos não convém menosprezar. Tão logo passa, no entanto, a impor o dogma contraintuitivo e empiricamente inverificável de que as culturas, salvo as suspeitas de sempre, nasceram para o convívio cordial, que suas mútuas dissonâncias se limitam a mal-entendidos facilmente resolúveis, ele se revela como a mais recente encarnação do irrealismo suicida. Tentando compreender melhor este longo fragmento: há aqui uma ressalva para o relativismo cultural, na qual tem-se a preocupação de que haja um reducionismo na forma de lidar com as diferenças culturais encontradas ao longo do caminho.

Ao não se considerar estes entrechoques, cria-se uma unanimidade, desembocando em um consenso de constatação. Caso atinjamos esta constatação, apenas reforçamos a força que certa cultura tem e como esta força nos imporia regras e valores. É o caso, aqui, da cultura cristã. Fortemente baseada numa busca ininterrupta de consenso e na anulação das diferenças. Menospreza-se certos quesitos culturais, distintos do todo cobrado, em consonância com o seu statu quo.

Há sim a cordialidade entre as várias facetas da cultura, não significando, contudo, que esta cordialidade se imponha. A maior cordialidade estaria no reconhecimento da diferença e no convívio com ela.

Pensadas como mal-entendidos, estas diferenças impõem um consenso chucro, determinando o suicídio conceitual da própria cultura, desembocando, em menor grau, na patologização da diferença. Patologização essa que, como uma peste incurável, leva muitos viventes ao túmulo.

E também, acima de tudo, uma realidade comum que interfere, nalguns casos, em certa patologia, dando-lhe um emplasto para sua cura – aqui há a referência com a questão da fé e como a mesma pode curar –, cura essa que se mostra com muito maior força na consolidação de dogmas religiosos.

Enquanto há emplasto para suas dores, o homem continua praticando esta realidade religiosa comum, mesmo sabendo que é uma realidade que não lhe pertence, sendo, então, algo estranho a seu ser. A partir do momento em que a dor some, ou mesmo, ganha novas feições: uma nova busca o homem empreende. É onde encontramos a subjetivação de sua dogmática religiosa.

Este indivíduo se liquida em detrimento de um statu quo que se desdobrara como uma imposição. Tornando-se uma realidade sagrada que, porventura, pode deixar de ser, tornando-se de novo, de uma outra forma, e num outro momento, em novas necessidades. E este sagrado nada tem a ver com aquele da origem seminal humana, mas um sagrado a posteriori, instituído como norma de oficialização de conduta. Valores deixam de ser algo interior, tornando-se algo exterior e coletivo – para não dizer coercitivo, pois, é nesta linha que a a obra de Nietzsche caminha.