quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A Evolução...


Parte V

O resultado da longa caminhada humana e seu sisífico peso, a menos que queiramos, pode vir gravada na história da evolução. Uma evolução que tem na metafísica seu maior respaldo, aliás, sua mais nobre característica. Sempre tentando nos ater à um caminho reto, sem a síncope das curvas, não resta muito para que nossa memória consiga se utilizar de seus instrumentos, como sua observação psicológica profunda, para se equiparar, como um contrapelo, ao ritmo da espécie. Acabamos criando a crença de que os resultados factíveis são somente aqueles, e nenhum outro possível mais. Isso nos tira o peso, alivia nossa conciência e salva a alma; duma infirmação criamos a afirmação definitiva. O fato de haver uma desconfiança de que o caminho fora re-direcionado, por sí só, torna-se desconfiança infundada... ou como se dizia antes da queda do Muro de Berlim, "comunista com mania de perseguição".

Nada mais que empreender obras eternas... eis o significado maior de pensar a evolução dentro de sua infirmação. O tempo não consegue agitar o caminho da crença, pois sua seara se encontra na alternativa do dogma, aliás, na afirmativa do dogma.

Uma singela contribuição, e que pode trazer muita informação é a seguinte assertiva (ainda falando de Nietzsche, em seu Humano, Demasiado Humano, aforismo §22 - isso não é uma bíblia, é apenas um subsídio perscrutório): Pode a ciência despertar uma tal crença nos seus resultados? O fato é que ela requer a dúvida e a desconfiança, como os seus mais fieis aliados; apesar disso, com o tempo a soma de verdades intocáveis, isto é, sobreviventes a todas as tormentas do ceticismo, a toda decomposição, pode se tornar tão grande (na dietética da saúde, por exemplo), que com base nisso haja a decisão de empreender obras "eternas". Queremos fazer valer verdades que sempre foram usadas, por algum motivo qualquer, ou ainda, por vários motivos constantes. Seu uso indiscriminado, em contrapartida, devido a gama de seguidores e oradores, apenas aumenta. Várias foram as tormentas, mas o barco estava muito bem amarrado, com nó de marinheiro, no cais da segurança.

Somos, ou ao menos aqueles que querem ser, ou que gostariam de ser; somos sobreviventes das tormentas por fazermos parte dela. O cais, e o solo do porto, com toda sua segurança e firmeza, não é chão para nós. Queremos asas, para ir mais alto que Ícaro (daí vem novo castigo, e nova rota criada), mesmo sabendo que nossas asas são de cêra. O sol pode ser o limite, mas o castigo não será minha guarita, muito menos meu grilhão.

Para que nosso sonho de Ícaro se concretize, temos que ultrapassar muitas evoluções internas, deixando a briga da involução para os que não ousam sair do buraco. Aliás, briga nada, esconderijo. É usar os passos dos outros para nos conduzir, daí uma longa caminhada (milênios) se entregar às comodidades do último estágio.

Mais adiante: Por enquanto, o contraste entre nossa agitada, efêmera existência e o longo sossego das eras metafísicas ainda é muito forte, pois os dois períodos se acham ainda muito próximos um do outro; o indivíduo mesmo atravessa hoje demasiadas evoluções internas e externas para ousar se estabelecer duradoura e definitivamente, ainda que seja pelo tempo de sua vida. Um homem totalmente moderno que queira, por exemplo, construir uma casa para si, sente como se quisesse se emparedar vivo num mausoléu. A penumbra de sua tranquila situação, de campa sagrada, tira dele toda a inquietação do mundo. Seu mármore é seu mundo, sua tumba é sua vida e seu mausoléu sua existência. Pior que sentar a bunda no assento do sofá frente à TV, é colocar nosso nome num mausoléu, donde as vagas do mar só chegam como uma maresia mal-cheirosa, nem mesmo como uma garoa amorosa, porém criada do agito de um mar em fúria.

Diria até, comparando a evolução com a tradição: estando o homem cada vez mais amparado pela tradição, tanto maior será o movimento interior dos motivos externos. Por outro lado, querendo buscar na polifonia dos signos, e na metáfora da linguagem, tanto maior será nosso desassossego exterior, e nossa interpenetração dos homens entre novos homens. Sempre querendo fazer da relação sisífica, prometéica ou icárea uma constante de relações sociais e inter-pessoais, tanto maior será nossa intranquilidade. Tanto maior será nossa queixa para com a evolução.

Não tenhamos medo desse sofrimento! Vamos, isto sim, compreender tão grandemente quanto possível a tarefa que nos é imposta pela era: a posteridade nos abençoará por isso - uma posteridade que se saberá tanto acima das originais culturas nacionais fechadas quanto da cultura da comparação, mas que olhará com gratidão, como veneráveis antiguidades, para ambas as formas de cultura. Estando nós, nos equiparando ao mundo externo, dois fatores se sobressaem, o que apenas corrobora com o aforismo §23; seja aceitando a cultura, seja negando as informações que dessa cultura nos chegam, sempre, teremos um filtro do que aquilo poderia ter sido. Uma névoa de fumaça, aliás, de pó, ainda se elevará diante de nossos olhos: aí veremos o sol brilhante, a astúcia de uma obra bem feita e o fogo sagrado do conhecimento.

Poderemos ter o mundo abaixo de nós, os homens e Deuses a nós subjugados e o quentor bom do fogo do saber na palma de nossas mãos - doídas pela pedra. Homens com instrumentos tais, jamais, mas não em todo o sempre de uma espécie, se deixarão levar; seja pelo frio da fumaça que cega o sol, seja pelo pó da história que sufoca o coração.

Queremos uma razão concreta para acreditarmos na evolução, sabendo, todavia, que o caminho pode ser outro. Sabendo também que a linguagem pode vir de outros códigos polifônicos, mas principalmente, saber que o rio nunca será o mesmo... e que seu caminho rumo ao mar será tão tortuoso como o toque de suas águas com as ondas voluptuosas do anfritião que o está a receber.

Sem que sejamos corroídos pelo ressentimento que aí está, e que de nós e de nossos ancestrais surgira, poderíamos usar a História para nos reautorizar enquanto homens, e enquanto humanidade fugidia que somos. Restos ou dejetos, somos o que aí está, o que não significa, contudo, que sempre assim nos aceitaremos e, ainda assim, nos aceitando, a outros dejetos retomaremos.

§25. Talvez uma futura visão geral das necessidades da humanidade mostre que não é absolutamente desejável que todos os homens ajam do mesmo modo, mas sim que, no interesse de objetivos ecumênicos, deveriam ser propostas, para segmentos inteiros da humanidade, tarefas especiais e talvez más, ocasionalmente. - Em todo caso, para que a humanidade não se destrua com um tal governo global consciente, deve-se antes obter, como critério científico para objetivos ecumênicos, um conhecimento das condições da cultura que até agora não foi atingido. Esta é a imensa tarefa dos grandes espíritos do próximo século.

E a prosa..., será que já se esgotou, ou podemos reabrir o boteco?


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