segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A Evolução...


Parte III

Um grande passo atrás, uma involução, passos que trazem para o cerne da vida o que ela tem de mais autêntico e legítimo: que é a memória de um dia que se foi, antes mesmo de uma longa noite tomar conta da civilização e sua cultura doente. Esta seria uma razão mais do que suficiente de que nossa linguagem, aliada a nossa evolução - seja ela qual for, e tendo atingido um nível qualquer -, não têm razões suficientes para se autojustificar, com uma autenticidade (que se acha ter) que poderia reconferir humanidade ao homem.

A memória (como fonte de toda real cognoscência do homem, bem como de toda a significação que sua vida, apesar de parecer, não fora uma longa noite, mas um eterno meio-dia), aliada a regularidade de uma observação psicológica profunda, dariam graus de humanidade ainda maiores ao homem, conferindo-lhe legitimidade.

Por isso, cada vez mais me convenço de que a tal da observação psicológica profunda, e apenas ela, seria capaz de compreender os meandros da alma humana, e toda vida aí encerrada, induzida. E com isso, poder mostrar-nos a profundidade que é o homem humano - redundância mais que necessária para reinserir no homem o que ele tem de mais vital -; uma espécie de sugestão do que deveria convir ao homem de espírito livre.

Queremos fazer homens livres, ou seres de carcaça e materialidade escravas? Ainda mais, a evolução nos leva ao sofá, ou até o topo da montanha de Zaratustra? Descer dali não é problema, pois já seria caminho conhecido, chegar lá sim, é o problema, pois desconhecemos o caminho de ida, visto que houve uma curva sinuosa demais, deturpando o caminho e nos direcionando, distanciando-nos cada vez do topo.

Apenas podemos ouvir o homem dentro do escuro profundo de sua natureza humana, e não no escuro superficial da grande noite da história, como a isso nos submetemos atualmente. Constatado este sentimento, a memória que nos atira em ondas ferinas, tão-somente, afirma seu caráter libertador.

Resta à humanidade antiga que nos formou, reconhecer outro caminho, se não, ao menos permitir-nos a passagem, para que possamos sair deste presente sempre passado. É por isso que também o poeta e/ou o artista, atribui a seus estados e disposições causas que não são absolutamente as verdadeiras; nisso ele nos recorda uma humanidade antiga e pode nos ajudar a compreendê-la, dirá Nietzsche no aforismo §13 de seu Humano, Demasiado Humano.

E junto a esta humanidade antiga também nos convém falar do sentimento moral e do sentimento religioso, não como se fossem simples unidades: na verdade são correntes com muitas fontes e muitos afluentes. Daí a tortuosidade, e a dificuldade, de se compreender tal humanidade antiga, e como poder usá-la para atingirmos o topo: seria dando um passo atrás? E para isso, nem a unidade da palavra, dentro da linguagem, não garante a unidade da coisa.

Mas, e aí, como dar um passo atrás, rumo ao topo, ou em contrafirmação a ele? Seria uma involução, ou uma infirmação?

E o interior da memória, com sua observação psicológica profunda, onde entraria? Nietzsche dirá, no aforismo §6, do prólogo, que: Por esse tempo finalmente ocorrer, à luz repentina de uma saúde ainda impetuosa, ainda mutável, que ao espírito cada vez mais livre comece a se desvelar o enigma dessa grande liberação, que até então aguardara, escuro, problemático, quase intangível, no interior de sua memória. Uma constatação de que o presente sempre passado, também ele, numa inflexão temporal, pode deixar de ser passado, e amparado num outro passado, reconstruir um outro presente... o presente dos píncaros e dos pássaros audazes.

E recuando alguns passos, como uma justificativa de se compreender o que somos, e porque assim estamos, compreendendo, igualmente, a justificação histórica e psicológica que a nosso ser se agregou, por meio da linguagem e todos os seus subterfúgios. Assim poderíamos reconhecer como se originou dela (da história) o maior avanço da humanidade, e como sem este movimento para trás nos privaríamos do melhor que a humanidade produziu até hoje; ainda com palavras de Nietzsche, em seu aforismo §20.

O que queremos, de verdade, é saber em qual esquina, ou beco curvo, da humanidade, nossa memória ficara ali paralisada, estarrecida com os fatos linguísticos que a ela chegavam. Por isso, sem que saibas a procedência do fertilizante, não queiras comer a fruta da árvore que plantas. E pensando na pedra que neste longo caminho, como Sísifo, tivemos que carregar, novamente pensamos no píncaro que queremos atingir... não como um castigo dos deuses, mas como uma tarefa de ressureição e reabilitação do homem...

Seria nossa memória uma pedra tão pesada, para negarmos carregá-la, sempre, e sempre desse jeito?

Nenhum comentário: