sexta-feira, 2 de maio de 2008

Seção: Resenhas



:: Autoritarismo e Anarquismo - Errico Malatesta

Por: Adonile Guimarães


1876 é uma data marcante para o socialismo mundial, é, ao mesmo tempo, o ano da morte de um dos maiores revolucionários anarquistas, Bakunin, e também a bifurcação da herança do revolucionário russo que culminará mais tarde na criação do anarcossindicalismo e do anarco-comunismo. Esta última corrente libertária criada a partir das idéias de Kropotkin, sofreu inúmeras críticas de anarquistas descontentes com a perspectiva determinista que preconizava uma evolução gradativa da sociedade a um estágio moral elevado que faria com que as pessoas reconhecessem o anarquismo como a forma de vida mais natural. Com as críticas de Malatesta e Cafiero formou-se um tipo de anarco-comunismo que valorizava a preparação da revolução libertária e a organização da futura sociedade, dando devida atenção para o papel dos sindicatos e dos conselhos, sem, contudo, destacar a insuficiência da organização sindical para a criação de condições concretas à revolução.


No Congresso de Amiens em 1906, quando pela primeira vez se usa o termo ação direta, embora, a noção e o significado desse conceito já fosse há muito uma característica da ação ácrata, cresce em força a presença dos sindicalistas revolucionários. Um ano mais tarde no Congresso Anarquista de Amsterdã, ocorre um debate significativo entre Malatesta que defendia um anarco-comunismo sem lugar estratégico de luta definido e P. Monatte que advogava pela valorização predominante do sindicalismo revolucionário. Daí surgirá à denominação e “oficialização” da corrente anarcossindicalista, que foi muito forte na França e teve em Georges Sorel, um dos seus principais teóricos e entusiastas do “mito” da greve geral.


A partir da morte de Bakunin, a pluralidade das idéias e práticas libertárias ficou mais escancarada, já que o grande revolucionário que aglutinava esta pluralidade em torno de sua figura histórica de luta e dedicação incomparável em toda história do anarquismo moderno já não estava mais no campo de combate, e já há algum tempo, mesmo antes de sua morte, conforme confidenciava em suas cartas, já se via mais para um burguês velho e fraco, sem forças para combate e sem motivação para a pura teoria.


No vácuo da morte de Bakunin, alguns anarquistas, como Nachaev, o mesmo que o russo se viu por um breve momento atraído, deram início a várias ações violentas, como atentados à bomba, assassinatos a grandes personalidades de governo e a explosão de prédios simbólicos do poder que levaram ao grande público uma mensagem extremamente negativa do anarquismo. A burguesia se aproveitando disso começou uma grande propaganda em que generalizava que anarquistas eram sinônimo de terroristas. A partir daí várias campanhas de repressão e violência tiveram como efeito a deportação, a prisão e o assassinato de vários militantes anarquistas no mundo inteiro. A organização libertária e o movimento operário sofreram de um modo geral um grande golpe.


Nesse período, surge no cenário operário do ocidente a figura de Kropotkin e a filosofia do anarco-comunismo, os escritos desse outro grande anarquista russo tentava fundamentar o anarquismo dentro de uma perspectiva da ciência natural, defendendo uma tese ousada e original para o período, a de que a seleção natural, a qual Charles Darwin ficou famoso por vê-la como um traço principal da evolução das espécies, não era tão preponderante na história natural e que, por outro lado, a ajuda mútua, o termo que cunhou, era muito mais verificável como fator para evolução.


Kropotkin com isso, pretendia dar respaldo científico ao ideal libertário e propunha que a principal tarefa do militante anarquista seria a de divulgar esta filosofia, por meio da propaganda, para que fosse possível, gradativamente, o convencimento de que a moral anarquista era o fim último da natureza humana.


É inegável o valor dessa filosofia, principalmente, para desmitificar a péssima imagem deixada pelos anarquistas individualistas que seguiam o método da propaganda pela ação. Kropotkin, sem dúvida, foi responsável por uma maior aceitação do anarquismo pelo público em geral, mas cometia um grande erro, ao não valorizar a organização e priorizar o espontaneísmo operário que levaria fatalmente a revolução, que para ele era mais uma evolução gradual, com o menor uso possível da violência e dos embates entre as classes do que propriamente uma ruptura radical com a sociedade burguesa. Em certa perspectiva as palavras de Kropotkin levavam os anarquistas a uma letargia prejudicial, pois no fundo acreditava-se que as próprias descobertas científicas e a maior divulgação dos avanços da ciência já seria um fator para levar as classes a um consenso em torno da moral anarquista e de seu ideal que melhoraria a vida de todos.


Por outro lado, Malatesta dentro do anarco-comunismo Kropotkiano iniciava com intervenções e críticas ao resultado imobilista das idéias de Kropotkin que tinha como conseqüência: um anarquismo de gabinete que cada vez mais se distanciava dos trabalhadores. Nesse período crescia a influência dos sindicatos, principalmente, na França, e os anarquistas da linha de Kropotkin tendiam a desprestigiar esses movimentos e, dessa forma, colaborava ainda mais para perda de influência do anarquismo entre os operários. No entanto, apesar de Malatesta reconhecer o erro em rejeitar o sindicalismo revolucionário que pretendia ser a base da futura sociedade, ele também via claramente os limites do sindicato tanto para organização anarquista, quanto para organização da própria sociedade libertária.


Assim, o revolucionário italiano estava no meio de um fogo cruzado dos diversos anarquismos que lutavam entre si por uma maior hegemonia e influência dentro do movimento operário revolucionário. De um lado havia a paralisação do anarco-comunismo espontâneo de Kropotkin; de outro, os infundados atentados dos anarquistas individualistas que recaí em um niilismo que já vinha anunciado desde as idéias de Max Stirner; de outro ainda, havia a supervalorização do sindicalismo revolucionário que fora fermentado pela adesão de anarquistas formando o anarcossindicalismo na França, seguindo orientações de Georges Sorel e Pierre Monatte e no meio dessas ideologias cruzadas, em que ambas reivindicavam ser legitimamente anarquistas, estava Malatesta e seus companheiros que defendiam um anarco-comunismo reflexivo e organizacionista.

Um comentário:

Anônimo disse...
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