terça-feira, 20 de março de 2012

Sociedade Pós-Moderna?


       
Antes de falarmos acerca da pós-modernidade, faz-se mister esclarecer qual a origem deste conceito.
Traçando um histórico filosófico do mesmo, temos em Platão a primeira noção de racionalidade, intimamente ligada com a nossa discussão. Platão, ao diferenciar corpo e alma (alma seria a razão), verticaliza as duas noções, sendo aquele a carcaça desta e, como tal, apenas um ato da alma (neste momento busco Aristóteles), ou mesmo um receptáculo.
Esta noção permeará todo o Medievo, sendo questionada, primeiramente, pelo racionalismo cartesiano, onde a noção de que o corpo é mera ação da alma cai por terra, mas ainda existe a hierarquização verticalizada, inaugurada por Platão e, consequentemente, por sua Academia. Esta noção de racionalidade (cartesiana) é, segundo estudiosos do tema, o advento da modernidade.
No entanto, é com o Iluminismo do século XVIII que esta caracterização ganhará uma intencionalidade, surge então a preocupação com o trabalho, ou seja, a racionalização pretende domesticar no corpo para o trabalho (palavras de Foucault, um dos questionadores da modernidade), aumentando a lucratividade das classes dominantes.
Por outro lado, do ponto de vista religioso, a modernidade exclui as religiões do contexto científico, logo, do contexto racional. É o que os teólogos chamarão de secularização da sociedade.
Já no século XIX surgem os primeiros questionadores dessa noção de modernidade; Marx do ponto de vista econômico e Nietzsche do ponto de vista religioso (inclusive, cogita-se que Nietzsche, inspirado em Espinoza, seria o precursor da noção pós-moderna de sociedade). Em contrapartida, temos um dos cumes máximos da modernidade, Auguste Comte com seu positivismo científico.
Segundo Habermas, apresentando Nietzsche:

Nietzsche deve seu conceito de modernidade, desenvolvido em termos de uma teoria do poder, a uma crítica da razão desmascaradora que se coloca a si mesma fora do horizontes da razão. Essa crítica dispõe de uma certa sugestividade porque apela, pelo menos implicitamente, a critérios tomados das experiências básicas da modernidade estética.(2002: p.139)

Como se percebe, a maior crítica que Nietzsche faz, sobre a modernidade, é a religiosidade que se expressa no culto da razão. Alija a religião das linhas de conhecimento, mas no entanto, endeusa a razão. Desnuda um santo para vestir outro.
Talvez a questão mais forte da pós-modernidade seja a crítica da razão, que em Marx surgirá como a crítica à razão do capital. Não que esteja afirmando que Marx seja pós-moderno, embora critique alguns viezes da razão Iluminista.
Após esta breve introdução, gostaria de chamar Harvey (1999) para a discussão.
Sendo autêntico ao pensamento de Harvey, pode-se dizer que a pó-modernidade, como condição histórica, por ser advinda do homem e suas relações socioculturais, acaba descambando na estética, triunfando assim sobre a reflexão ética e os juízos morais e científicos, reflexo mais imediato da superacumulação do capital. Crise que gera uma típica sustentação da efemeridade e da fragmentação, saindo do “âmbito dos fundamentos materiais e político-econômicos(1999: p.293) passando para as considerações e recrudescimento do individualismo e suas práticas e políticas culturais autônomas.
Neste sentido, com o propósito de reforçar sua tese, Harvey busca Marx e teoriza com base na metanarrativa que, de acordo com o autor, fora formulada pelo Materialismo Histórico Dialético.
Retomando a tese de Harvey, o pós-modernismo surgiu em meio a uma economia de aparências, onde a estética traria novas “verdades” que a sociedade estadunidense queria, enquanto se descobria as sujeiras do presidente Ronald Reagan, somente a representação, imposta pelos meios de comunicação, traria o tom da verdade, era como se fosse uma economia de espelho, em que o refletido valeria mais que o acontecido. Neste contexto, segundo Harvey, surge a estruturação do conceito de pós-modernidade.
A construção e a exibição de imagens políticas é a condição primeva para a eclosão da sociedade pós-moderna. Indo mais longo, a economia pós-moderna desconstrói instituições tradicionais do poder da classe trabalhadora; é como se houvesse uma descaracterização da pobreza, em consoante com a caracterização da estética.
Abrindo aqui um hiato, até mesmo com o propósito de comentar esta assertiva, o que se detecta no discurso de Harvey é uma intensa tendenciosidade por parte de sua suposta formação intelectual (que no caso seria o marxismo). Atualmente, ficou mais do que claro que a pós-modernidade, apesar de recrudescer o individualismo, não deve ser encarada, unicamente, pelo viés do Sr. Harvey, ao contrário, faz-se necessário buscar novas nuances que, somente, a parte estética, é fato que a estética é muito visada pelo pós-modernismo, porém seria incongruência ater-se somente a este lado.
Peguemos como exemplo a noção de Habermas (2002) onde, ao apresentar a crítica da razão, o faz com o propósito de desconstruir aquilo que fora pensado e arquitetado pelos iluministas, momento em que a racionalização seria o norte do trabalhador e suas atividades.
A noção de humanização fica muito patente no discurso de Habermas, uma vez que, só ao desconstruir a unicidade da razão, em detrimento do corpo, é que o trabalhador pode se libertar da estereotipação que lhe fora imputada pela modernidade e seu visível atrelamento à burguesia incipiente; cria-se uma teoria para justificar um propósito.
Deixando de lado as picuinhas, o que nos é mostrado pelo Sr. Harvey, infelizmente, somente se caracteriza pela vestimenta economicista, isto é, existe um determinismo insidioso latente no discurso do mesmo. Se formos encarar a pós-modernidade do ponto de vista histórico, o próprio Marx, cansativamente citado por Harvey, nos apresenta a noção da dialética, tão fértil para a desconstrução do discurso deste último.
É fato que o pós-modernismo faz uma bricoleur de seus objetos, onde nem sempre se preze por uma congruência semântica, no entanto, ao utilizarmos disso com o propósito de questionar a razão modernizante, se inverte, a incongruência delimitará o teor do projeto, ou mesmo de alguma intencionalidade. Não aceitar esse bricoleur, segundo concebo, seria uma forma de manter a estrutura hierarquizada da sociedade, imagino que a pós-modernidade exaspera essa reles questão.
Neste momento busco Nietzsche; se o homem é pulsativo, por que impor-lhe um rigor racional e modernizante? As vezes, o corpo pode oferecer muito mais que uma mera disposição, racionalmente caracterizada.
Gostaria de deixar claro que não estou defendendo a pós-modernidade, muito menos excluindo-a de minhas preocupações intelectuais, todavia, por ser um momento ainda imediato, muito ainda temos que estudar para compreendê-lo. Concordo com Harvey a respeito do consumismo que esta sociedade de aparências tem imposto aos homens, mas fazer disso um determinismo econômico de luta de classes é, minimamente, empobrecer o conceito. Seria este meu ponto de divergência com o autor. Ainda precisamos conhecer melhor a pós-modernidade e todas as suas nuances, preocupação que, involuntariamente, o Sr. Harvey deixa de lado.
Já no final de seu livro, ele ameniza a situação, invocando o vir-a-ser, entretanto, ao fazer isso, percebe-se que é uma tomada de posição à neutralidade, ou em outras palavras, ele não toma posição, deixa vir o que tem de acontecer, tentando se desonerar de um discurso elucidativo. Neste sentido, Harvey cria um clima de mea culpa.
Enfim, a afirmação de ausência de ética, cansativamente apresentada pelo autor, será o norteador de sua critica da pós-modernidade.
Não seria este momento de transição o rejeitar de uma ética burguesa tradicionalista e conservadora? Em contrapartida, o despontar de uma ética mais humanizante (que este humanismo seja encarado como a caracterização de um ética voltada para o engrandecimento do homem, não para o engrandecimento da causa burguesa, tal como nos mostrou o Iluminismo), onde o homem possa se auto-descobrir dentro de uma moral própria, que interferirá na ética coletiva?
Seria irresponsabilidade de minha parte encerrar este assunto com uma conclusão, porém, espero que tenha conseguido lançar alguns questionamentos plausíveis, rumo à ética dominante.
Uma vez que vivemos em um período de transição, nada como esperarmos o vir-a-ser como o amor fati nietzschiano (2000), onde o homem faz seu destino de acordo com sua intromissão no social.

Bibliografia Utilizada


HABERMAS, Jürgen (2002). O Discurso Filosófico da Modernidade (5 ed.). São Paulo: Martins Fontes (Coleção Tópicos).

HARVEY, David (1999). A condição pós-moderna (Cap. IV). Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, pp. 291-326.

NIETZSCHE, Friedrich (2000). O Nascimento da Tragédia... São Paulo: Cia. das Letras.

Nenhum comentário: