domingo, 25 de março de 2012

A Importância da História Local



Considerações Preliminares

Ao se trabalhar com História Local, os pesquisadores têm feito o desvelamento de um espaço repleto de intrigas e sempre presente.
Quando menciono a expressão ‘um passado sempre presente’, tento mostrar o quão complicado é lidar com a História de uma estrutura de poder muito próxima com nossa realidade. É fato que o historiador não deve se imiscuir de apresentar a verdade, uma vez que esta verdade também seja compartilhada por um grupo maior de pessoas e, ademais, esteja caracterizada pelo compromisso que o pesquisador assume quando se dispõe a questionar determinadas estruturas de poder, destarte, estruturas que mascaram determinados eventos e situações.
A presença constante de uma força que cerceia, ou mesmo, se usufrui de espaço urbano, em benemérito próprio, pode amedrontar o historiador, como de fato, em alguns casos o faz. É este o cuidado que deve-se tomar com relação a um passado que ainda percorre, com seu olhar inquisidor, as ruas da cidade, ou melhor, um passado ainda presente e vivo.
Mas, acima destas intrigas, faz-se mister apresentar o quehacer da História Local. Surgida com a preocupação de oferecer maiores subsídios para a compreensão do que está mais próximo, a mesma tem desenvolvido um referencial metodológico próprio e envolvente. Este referencial, ao abarcar uma série de fatores, se auto-constrói com base em memórias (principalmente a chamada História Oral), crônicas, atas, jornais e revistas. A documentação, estando mais próxima, a densidade do conteúdo se afirma com maior veemência e, ademais, a análise das experiências adquire uma abrangência maior e mais precisa.
Segundo Rodrigues:

Enquanto a História Nacional e mesmo Regional oferece uma visão de macros acontecimentos e de narrativas que abarcam períodos históricos maiores, a História Local tem se preocupado com as circunstâncias cotidianas, com o fragmento, o inusitado, o particular e o específico.(RODRIGUES, 1996)

Esse microcosmo apresentado acima confere ao estudo um maior aprofundamento e, consequentemente, a verossimilhança adquire uma densidade mais precisa. O micro surge mais límpido aos olhos do pesquisador e, neste bojo, traz à luz os eventos da cidade e sua estrutura histórica.
A precisão do lugar da História desembocará na precisão de um micro-universo, as vezes ferino, outras ideologizado e, principalmente, sempre marcado pela organização de forças.
Ao trazer a História para o âmbito local, os agentes dessa História se enxergam. Aquele discurso de que não fazemos História cai por terra, é visualizada uma estrutura onde sujeitos mais precisos se encontram. Não existe o grande general, nem mesmo o mito ou o herói, mas sim o sujeito simples, comum e seu cotidiano peculiar. O Outro deixa de ser o objeto da História, neste momento o Eu também se transforma em objeto e agente dessa História.
Outrossim, surge o estabelecimento dialógico entre o geral e o particular. Os momentos históricos que vêm descritos nos livros didáticos passam a se aproximar mais de nossa realidade, uma vez que, é no microcosmo que a justaposição de poder estrutura uma História mais generalizada. Aquilo que ilustra o livro didático pode ter se iniciado nas ruas de minha cidade, no entanto, estas ruas nem aparecerão na escrita.

Histórico da História Local


Segundo Goubert (1992), a História Local tem no século XVIII seu grande descenso, uma vez que é neste momento “(...) que as idéias começaram a circular mais depressa e os homens a se deslocar mais rapidamente (...)”. Anteriormente, como a locomoção humana era mais lenta e mais difícil, a grande preocupação que perpassava a cabeça destes homens e mulheres era sua circunvizinhança, eis o motivo de privilegiarem a História Local. Estas pessoas tinham um universo sensível muito limitado, seu mundo era amarrado a sua condição geográfica (quando se distanciava muito chegava-se ao povoado vizinho), necessitando da localização geográfica para afirmação de seu conhecimento, ou seja, os locais de conhecimento eram bastante limitados. A grande preocupação era compreender melhor sua pequena vila, para dela se usufruir da melhor maneira possível. Como as notícias tinham uma lentidão muito grande de circulação, acabavam ficando limitadas à espacialização geográfica dessas pessoas, ou ainda, de seus povoados.
Segundo Goubert:

Numa vida assim restrita, as atividades intelectuais de pequena minoria se tratavam ou de meditações sobre os textos antigos, especialmente gregos e romanos, ou de História da região, entendida como a terra da família.(GOUBERT, 1992: p.46)

Dessa forma, as grandes preocupações tendiam ao micro, trazendo ao caráter histórico uma precisão mais veemente e às pessoas envolvidas um maior aprofundamento das características físicas e culturais de suas localidade.
Já no século XVIII começaram a surgir diversas publicações sobre a História Local, entretanto, tais discussões não passavam de hagiografias, isto é, endeusamento de determinados indivíduos, por meio da biografia,  com o propósito de eternizar, quiçá, imortalizar algum nome, ou mesmo ‘grande homem’. Segundo Goubert, este seria o motivo deste tipo de História ter entrado em descrédito já no início do século XX, uma vez que a preocupação se direcionava às elites de determinada localidade, seu interesse não se mostrava mais tão patente.
Em contrapartida, com o Positivismo, começava a se afirmar a preocupação com a História Geral e os grandes feitos de estadistas. A História passa a ter um direcionamento mais universalizante. Já em meados do século XIX, a preocupação com o universalismo toma conta de todos os estudos, ou mesmo escritos literários, de grande parte dos autores europeus. Essa tendência começou a se espalhar pelo mundo e veio lançar seus reflexos nos rincões brasileiros.
No Brasil, em meados do século XIX, passa a existir a preocupação pela História brasileira, é criado o IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, instituição oficial que tinha na figura de Dom Pedro II o grande idealizador; inicia-se o forjamento de uma memória para o povo brasileiro. Criado em 1838 tinha a preocupação de metodizar, arquivar e publicar a História e Geografia brasileiras.
Segundo Guimarães & Holten:

Ao longo do século XVIII, em diversos países, intensificou-se a criação de academias, consagradas ao estudo da história nacional e ao desenvolvimento da cultura científica. Este movimento intelectual conheceu sua plenitude nos anos oitocentos, quando tais instituições começaram a se voltar para o exterior, trocando informações e publicações, atravessando fronteiras e até mesmo continentes. Entre algumas dessas sociedades científicas, entretanto, os contatos foram além do intercâmbio formal de conhecimentos, revelando a existência de interesses comuns mais abrangentes.(GUIMARÃES & HOLTEN, 1997: p.2)

Segundo percebo, é a partir deste momento, com fortes inspirações Positivistas (já em seu estágio prévio), que a História brasileira começa a ‘existir’ profissionalmente, até então essa preocupação ficava amalgamada nas mãos de jornalistas, juristas, viajantes e narradores extra-oficiais. Ou em outras palavras, a História brasileira surge sem a preocupação do local, é fato que em várias cidades do país este trabalho já estava sendo desenvolvido, todavia, enquadrado nas informações acima citadas, a saber; devido a limitação geográfica de nossos primeiros ‘historiadores’ locais.

A Importância da História Local


Ao sustentarem a tese de que uma História séria deveria se respaldar na precisão dos fatos, a HL passa a ser vista com novos olhos, uma vez que, fatos precisos devem ter uma dimensão espacial e temporal bem próximos, cria-se essa reestruturação. O pesquisador começa a se preocupar com as proximidades de seu objeto de estudo, neste sentido, a cidade ganha novas luzes e o Local mais espaço.
Talvez a grande importância da HL esteja no fato de apresentar melhor uma estrutura que interfere no dia-a-dia das pessoas. Assim, o Local traz à cena, além da precisão dos fatos, a preocupação diuturna de uma sistemática de poder, podendo o mesmo ser utilizado, inclusive, como arma de proteção e cobrança por parte dos indivíduos, e ainda, das associações de bairro.
Entretanto, segundo Rodrigues (1996), há um detalhe, por parte do historiador, que precisa ser melhor observado. Além do tempo histórico que, talvez não seja o mesmo dos grandes eventos da História Geral, muitas vezes é detectado o problema da escassez de fonte e, ademais, do desmazelo destas. Inúmeras cidades ainda não desenvolveram a preocupação por seus patrimônios público e memorial, não dispondo de arquivos organizados, nem tampouco de uma estrutura política que privilegie esta memória.
Outros cuidados dizem respeito à metodologia e contextualização para trabalhar o Local, no âmbito da História Nacional, como a falta de bibliografia sobre o tema, além da interdisciplinariedade que certas abordagens requer e, sobremaneira, a objetividade do trabalho, uma vez que se tem notado um extremo amadorismo por parte de quem já pratica esta abordagem historiográfica.
Afora a discussão acima, muitos historiadores têm questionado a escassez de temáticas para pesquisa, destarte, a HL permite lançar sangue novo nestas artérias, trazendo discussões ainda não exploradas e, ademais, novas abordagens sobre temáticas já saturadas.
Ao trazer de volta a HL, nota-se a preocupação em abrir novas possibilidades que revejam as generalizações e homogeneizações presentes na História Nacional, as quais, segundo Rodrigues (1997) “negligencia o particular, o específico porque estavam voltadas para os grandes marcos da História Política e Econômica.”. Dessa forma, a proporcionalidade de erro cairá à medida que desaba, também, a distância para com o objeto de estudo. Desse processo vemos o surgimento de novos paradigmas e a emergência de uma pluralidade de novos agentes sociais.
Ainda, segundo Rodrigues:

Cabe ressaltar que, paralelo a estas inovações e em decorrência delas, uma verdadeira revolução ocorreu em relação às evidências históricas, matéria-prima do(a) historiador(a). Para emitir o acesso às atitudes, mentalidades e às experiências cotidianas, as fontes documentais se alargaram e passaram a oferecer um leque infindável de possibilidades à pesquisa. Aos documentos oficiais, foram incorporadas inúmeras outras fontes, como as cartas pessoais, os diários, a indumentária, a fotografia, a entrevista e outros tantos indícios.(RODRIGUES, 1997: p.151)

Além desta série de instrumentos novos, o historiador do Local terá condições de apresentar nuances da vida de uma cidade, nunca dantes explorada, e ainda, poderá interferir mais intimamente em seu meio social, pois sabemos que, além de pesquisar, é imprescindível que o pesquisador também interfira em seu meio de forma crítica e questionadora. Eis o grande compromisso de um historiador preocupado com as injustiças de seu tempo.

Considerações Finais


A revitalização da História necessita ser feita todos os dias, a HL vem para dar sua contribuição a esta revitalização, porque, ao propor uma nova metodologia que interfira mais intimamente em seu objeto, propõe também uma nova forma de se fazer História.
É fato que ainda tem muito o que se fazer para que a mesma se efetive, no entanto só pelo fato da HL entrar na Academia, inclusive nas monografias e metodologias de pesquisa, nota-se um grande avanço e, também, uma revalorização desta que a muito anda relegada do eixo das grandes publicações.
A riqueza detalhista que a História Local tem a oferecer precisa ser revista e posta em prova. Ainda bem que os historiadores estão ressuscitando esta metodologia historiográfica.
Enfim, muito ainda pode ser feito, todavia, o primeiro passo foi dado, só pelo fato de estarmos fazendo um módulo específico na área de HL, dentro desta especialização, já é sinal de preocupação com o Local.

Referências Bibliográficas


GOUBERT, Pierre (1992). História Local. Revista História & Perspectivas. Uberlândia: EDUFU, n° 6, Jan./Jun., pp. 45-58.
GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal & HOLTEN, Brigitte (1997). O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Real Sociedade dos Antiquários do Norte e o Dr. Peter Wilhelm Lund: a suposta presença escandinava na Terra de Santa Cruz e a ciência. Apresentado no Encontro da Latin American Studies Association, Continental Plaza Hotel, Guadalajara. México, 17-19 de Abril (mimeo).
RODRIGUES, Jane de Fátima Silva (1996). História e Memória Local: desafios e perspectivas. Boletim do CDHIS. Uberlândia: EDUFU, n° 16, 2° semestre, s/p.

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