quinta-feira, 29 de março de 2012

Dessubjetivação da Razão


Este texto tenta explicar o papel que a razão subjetiva empreendeu sobre o indivíduo, e como seu status cognoscente deixou de ter algum significado – por razão subjetiva, entendemos “razão” do capital.

A razão, senhora absoluta dos saberes ocidentais, desde a passagem de Nietzsche pelos preâmbulos da filosofia, não tem conseguido manter seu antigo status: o de eternidade da coesão sapiencial. Esta ilusão de eternidade, em consequência, acaba atingindo também o indivíduo: ponto de partida para todo e qualquer saber. Embora o grande problema da atualidade seja a instrumentalização dessa razão, e não sua objetivação.

Há aqui, todavia, um despejo do eu – este mesmo que, ao longo de toda a história do ocidente tem tentado se erguer. Aquela morada, há tanto habitada, mostra-nos que está sem inquilino, e é neste momento que começa o grande problema. Poderíamos dizer que a razão instrumental ganhou morada por usucapião.

Nesta consumação irracional da razão, o indivíduo deixa de ser o “objeto” preservado. Preservação passa a ser uma prerrogativa da razão subjetiva, por ela mesma. Sua autopreservação tenta expurgar de seu contexto o papel do eu (ou melhor, do indivíduo em sua reflexão sobre o mundo e sobre si mesmo).

Com efeito, por indivíduo, segundo Max Horkheimer (1976: 139), cabe-nos refletir melhor, dando-lhe novos conceitos. O conceito de indivíduo se transformou. E sua significação requer novos elementos cognoscentes.
Ainda de acordo com Horkheimer:

Quando falamos do indivíduo como uma entidade histórica, não queremos significar simplesmente a existência sensível e espácio-temporal de um membro particular da espécie humana, mas, além disso tudo, a compreensão de sua própria individualidade como um ser humano consciente, inclusive o reconhecimento da sua própria identidade. (1976: 139)

Acima de tudo, o que se quer com essa re-significação é, basicamente, colocar o ser ontológico naquilo que tem de mais primordial. O que quer dizer: dar-lhe (e lhe mostrar) sua real e própria identidade.

O jogo dessubjetivante da razão acaba por tornar-se o grande inimigo do “eu” e sua essência mais legítima.

Quer-se, com esta inflexão, retomar a autonomia do eu, colocando-o defronte sua própria essência. Se essência legítima nos dá margem para pensarmos num novo caminho da “razão”, quer-se, principalmente, oferecer ao indivíduo um local que jamais deveria ter saído de seus meandros – e demais circunferências.

A percepção de que a identidade do eu tomou um caminho equivocado, quando direcionado por esta razão – também direcionada –, dá-nos a clareza de que identidade, realmente, não mais há. Quer-se, apenas, oferecer-te esta identidade, perdida pelo eu, novamente.

Não há como se esquecer que, afirmar o “eu” é a mais elementar afirmação de identidade deste “sujeito”. Apelos cognoscentes, que redirecionem este caminho, oferecendo ao eu sua real legitimidade, nada mais é que repensar este caminho empreendido pela razão – que em breve se desnudará mais claramente –; o qual ofereceu ao “eu” uma outra identidade que não a sua. E é este caminho torto o principal erro da razão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HEIDEGGER, Martin (1990). Identidad y Diferencia. Barcelona: Anthropos.

HORKHEIMER, Max (1976). Eclipse da Razão, tradução de Sebastião Uchoa Leite. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm (2000). Crepúsculo dos Ídolos: ou como Filosofar com o Martelo, tradução de Marco Antônio Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

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