domingo, 18 de março de 2012

Repensando a Noção de Revolução



A Revolução Francesa, encarada por muitos como o marco da era moderna, inaugura o Estado burguês. É nítido para nós que, após este momento, a burguesia abre suas garras sobre os povos, ditando uma cultura fortemente individualista e, acima de tudo, marcadamente desigual. Segundo afirmava o próprio Marx no Manifesto do Partido Comunista, a classe burguesa é eminentemente revolucionária e, como tal, tem as características essenciais para um processo de mudança, mas por outro lado, é notadamente impositora.
No entanto, a intenção deste texto é apresentar algumas problemáticas que dizem respeito à noção de revolução que, segundo De Decca (1990), se encontra no campo das invenções e, tradicionalmente, sobejamente sistematizada na memória coletiva e nas representações e símbolos dos grupos sociais.
Como a História é uma construção que não separa presente do passado (uma vez que o próprio pesquisador está ancorado em seu tempo presente), o próprio termo de revolução deve vir intimamente ligado a esta metodologia, ao passo que tal termo fora forjado por historiadores e, destarte, por homens que pensaram este processo a posteriori. Desta forma, quando falamos em revolução é-se necessário apontar o homem dentro deste processo, ou seja, para se utilizar da noção de revolução, tem-se que buscar o homem em um primeiro momento para, só depois, elencar os eventos que este homem construiu, voluntária ou involuntariamente.
Melhor exemplificando a assertiva acima, Furet (1989) afirma:

Não existe interpretação histórica inocente, e a história que se escreve é também história dentro da história, produto de uma relação por definição instável entre as particularidades de um espírito e o imenso campo de seus enraizamentos possíveis no passado. (1989: p.15-6)

Todavia há que se ressaltar o seguinte, apesar da História ser uma construção dentro dela mesma, isso não implica que seja, meramente, “uma opinião sobre o tema trabalhado.” (idem: p.16), ao contrário, tem que haver uma identificação por parte do historiador com o propósito de sobreviver ao tempo que passou.
Com efeito, dentro dessa identificação é que podemos nos ater ao caráter da memória e das imagens de determinado grupo social, ou senão o tempo passado pode se ‘apagar’, sendo erigido um outro no lugar. Daí que entra a importância do presente historiográfico, com seu distanciamento do fato, para o pesquisador, caso contrário podemos cair no campo da discussão erudita ou mesmo da polêmica social.
Por outro lado, o caráter fundacional da Revolução Francesa não pode, jamais, ser descaracterizado, pois, é fato conhecido dos historiadores que, após o golpe da Convenção Nacional erigida em 1792, quando os jacobinos assumiram o poder na França, especificamente na pessoa de Robespierre, tinha-se a imediata preocupação de iniciar o Ano I da República e criar meses totalmente distintos daqueles que existiam anteriormente. Estas informações são apenas sintomáticas para tentar mostrar o caráter ‘novo’ da Revolução, com preocupações, inclusive, de se estruturar uma nova mentalidade para as pessoas. Um outro exemplo é o termo cunhado pelos Iluministas para caracterizar o absolutismo, a saber: L’Ancien Régime. Também preocupados com o novo que gostariam de criar.
À luz dessas considerações é que retomamos o valor da memória, dentro da História. Como mostrou a Revolução Francesa, existia a preocupação de forjar uma memória totalmente nova, isto é, tem-se a necessidade de conquistar não somente o poder político, como também o cognoscente das pessoas.
Neste contexto, a grande preocupação de Furet é tentar caracterizar a Revolução Francesa no que ele concebe como jogo de espelhos, uma vez que, ao mesmo tempo em que inaugura um novo tempo, o faz com características velhas e arcaicas, tentando impor certas atitudes, outrora viciadas. Cria-se uma caracterização sobre a outra. É quando rediscutimos a noção de mudança. Até que ponto se muda uma estrutura, de forma autêntica, tentando impor outra no lugar?
Assim, após lançar alguns questionamentos, temos pretensão de apreciar a temática da revolução, ou mesmo sua configuração conceitual e etimológica, nos dias atuais. Para este intento nos utilizaremos de De Decca (1990) onde é trazida à tona tal discussão.
De Decca inaugura seu texto com a seguinte problemática:

No campo das invenções das tradições revolucionárias devemos caminhar com cautela, uma vez que as memórias aí se confundem, se plasmam e também se refazem [como a História]. (1990: p.64)

Sem dúvida, a preocupação com a memória mostra-se mais pertinente após a afirmação feita acima, no que diz respeito ao ponto de vista de Furet sobre a Revolução Francesa. Tentou-se forjar uma estrutura, e é para este cuidado que cuidado que nos alerta De Decca quando se refere à noção de revolução, porque é um conceito que requer cuidado, “uma vez que as memórias aí se confundem...”, fazendo com que o historiador cometa algum tipo de desvio, ou mesmo alguma deturpação.
Com efeito, também não podemos nos esquecer da armadilha que é esta memória, ao passo que, por ser um campo difuso e coletivo, também se encontra presente na mesma intencionalidade de uma ideologia dominante e impositora. Os próprios franceses não tentaram recriar uma nova memória? Pois é, também estamos propensos a cair neste erro, ao analisarmos determinado movimento considerado revolucionário. Existe a presença latente das representações da ideologia vencedora, é quando abrimos um parêntese para indagar acerca dos vencidos; como era a memória que fora subjugada?
Existe uma resistência muito grande, por parte da crítica científica, em destronar mitos e mitologias políticas. Pelas circunstâncias da memória histórica ser quase invisível, novas proposições não conseguem atingir o âmago desta estrutura, afora a resistência por parte da crítica científica perante o novo.
Pode-se dizer que o historiador necessita de um trabalho quase hercúleo para comprovar sua tese, ainda mais quando a mesma mexe nas estruturas tradicionais da memória histórica e científica. A própria memória que se utiliza para quebrar uma outra memória está dispersa nas mãos do pesquisador, por isso o cuidado com a utilização de ambas.
Neste sentido, a Revolução Francesa seria o paradigma mais plausível para questionar a própria noção de revolução, dentro da memória histórica; esta última, reflexo muito próximo da memória vencedora. Entretanto, este questionamento só fora possível a partir de década de 1970, onde tem-se um abalo sísmico dentro das proposições e ‘vanguardas’ marxistas. Este abalo conseguiu redimensionar os modelos de interpretação histórica, trazendo à tona novas discussões.
Enfim, a grande preocupação de um historiador verdadeiramente preocupado com a ‘verdade’ é saber questionar as grandes mitologias políticas, propondo, em cima da memória histórica, a possibilidade de uma nova e possível memória. Isso implica no comprometimento com a profissão e, principalmente, na fuga de um modelo, destarte, de uma cristalização do conhecimento. A própria revolução pode não ser tão revolucionária assim.

Bibliografia Utilizada


DE DECCA, Edgar S. (1990). A revolução acabou. Reforma e Revolução/REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA, vol. 10, n° 20, março/agosto. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, pp. 63-74.

FURET, François (1989). Pensando a Revolução Francesa. São Paulo: Cia. das Letras.

VICENTINO, Cláudio & DORIGO, Gianpaolo (2001). História para o Ensino Médio: História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione.

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