segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio VII


Aforismos: A Mortalha da Libertação


Entre idas e vindas, cá estou novamente com a mortalha de Deus, em minhas mãos. Trapos de uma humanidade que se gaba de criar seu próprio Deus e que a Ele dá medidas de sua faceta, com caretas de sua demanda. Sempre que a civilização se viu na iminência de vir a ser o que agora é, ela mesma, por si só, se usou de Deus, criando subterfúgios para seus anseios mais terrenos, humanos e conformativos - até por que isso é mais confortável e, acima de tudo, conforta o ser. E é por isso que a humanidade, supõe Proudhon em Filosofia da Miséria, criou a existência de Deus como mecanismo de auto-justificação; e como fonte de provações e comprovações. Por isso mesmo fatalmente, supõe a existência de Deus: e se, durante o longo período que se fecha com nosso tempo, ela acreditou na realidade de sua hipótese. Pois disso dependia, inclusive sua existência; e de sua existência, dependia, também, o conforto da espécie. Como um monte de argila por se fazer, ela deu tez a seus desejos mais íntimos, fazendo de uma capa transcendente sua real necessidade de coabitação e existência; fazendo toda uma prole de anseios pulular, gritando aos nossos olhos. (...) se nesse período adorou o inconcebível objeto; se, depois de se ter apanhado nesse ato de fé, persiste cientemente, mas não mais livremente, nessa opinião de um ser soberano que sabe nada mais ser que uma personificação de seu próprio pensamento. Pois ao se criar, criou para si, também uma cela. A mesma clausura que carregamos como uma mortalha. A necessidade de se cometer o Teocídio, só assim se explica pela necessidade de se manter a mortalha, ainda sob controle das mãos, embora, bem longe da sabedoria primordialmente humana. Mas, o grande problema foi, justamente, ter abrido mão da liberdade, que outrora desfrutara para se existir, enquanto clausura de uma vivência falsa e enganosa. Simples como a necessidade de se manter mestra da situação, também simples foi a sua justificação: uma constante necessidade de se manter aferrada aos grilhões de sua própria criação existencial. (...) se ela está às vésperas de recomeçar suas invocações mágicas, deve-se acreditar que uma alucinação tão estranha oculta algum mistério que merece ser aprofundado. E sabe o que se poderia aprofundar? Como explicar a necessidade de um mistério, por meio de uma mortalha de sombra e flagelação, donde o ser livre só assim se dá, enviesado na prisão de um conceito e na conceituação de um signo? Pois, explicar a liberdade por meio da prisão é o mesmo que justificar Sísifo e sua condenação - apesar de o termos justificado junto à Evolução, e suas cinco faces. Assim que, forçosamente, optamos pela civilização, também optamos pela prisão e pela mortalha. Resta saber se, desses trapos, conseguiremos fazer um outro instante de vida - bem como, um belo e requintado traje real, de um reino que assim se parece -, ou ainda, um outro instante de existência, donde sua única justificativa seja a própria existência... essa do homem pleno de seu viço e de sua galhardia; não a da sociedade!

Um comentário:

Walmir disse...

Pois lá vamos nós no caminho de neblinas, ocupados com os resvalosos da vida. Deus existe? Negocia ou só espreita? Comprovar comprovado ninguém pode, mas e descomprovar? Tem uns campos que não se endendem entre si, estes da ciência e da fé. Um não esbarra no outro, cada qual tem sua burrice inteligente.
Paz e bem