quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Seção: D'Outro


Função Social da Bibliofilia
Por: Diário do Nordeste


Detalhes sobre a rotina e o contexto contemporâneo da bibliofilia são apontados por José Augusto Bezerra, presidente da Associação Brasileira de Bibliofilia

Parece um hobby, como colecionar moedas, selos... Sem diminuí-los, mas temos que ressaltar que o livro tem outros valores, além do histórico. Há livros únicos. A Bíblia de Gutenberg, por exemplo: só existem seis no mundo, duas na Biblioteca Nacional, mais do que esclarece o Presidente da Associação Brasileira de Bibliófilos, José Augusto Bezerra, fazendo referência à primeira obra tipográfica com uma tiragem ´industrial´ (cerca de 180 cópias, em pergaminho e papel, de suas 1282 páginas), concluída em 1455.

Autor do livro O Espírito do Sucesso (Editora Expressão Gráfica, 2004) - em que tece considerações sobre disciplinas como a Filosofia e a Psicologia, entre referências a personagens históricos como Alexandre, O Grande, considerado o criador da primeira e maior biblioteca da humanidade - José Augusto Bezerra fala com a autoridade de quem, ao longo de 40 anos, desenvolveu uma das maiores bibliotecas particulares do Estado, atualmente reunindo cerca de 20 mil volumes, divididos em “ramos” como dicionários; manuscritos; literatura e história do Ceará; modernistas; gramáticas; artes; ex-líbris; brasilianistas; história do Brasil e de outros países, entre outros.

O pesquisador aponta que foi o Conde da Barca, português Ministro de Dom João VI e responsável também pela vinda da missão artística ao Brasil, o primeiro bibliófilo particular do País. A partir dele é possível estabelecer um mapa da biblioteca no Brasil. Augusto acrescenta que, ao longo dos séculos, as bibliotecas particulares têm preservado melhor as obras sob seu cuidado, em face de não estarem sujeitas a mudanças administrativas e terem o acompanhamento direto de seu próprio dono, independente da quantidade de volumes. E em face do número menor de pessoas que as consultam, ressalta.

Apesar deste contingente distanciamento com o público, elas guardariam uma função social considerável, tanto que, em países cultos, os bibliófilos são tidos em alta conta pela sociedade, fato que está começando a acontecer também no Brasil, como atesta a eleição unânime de Mindlin para a ABL, o que é algo raríssimo na instituição. Essa função social da bibliofilia, mesmo com seu caráter particular, estaria relacionada à possibilidade de ela preservar fontes que possam contribuir para que as novas gerações conheçam melhor o seu passado. O que se torna mais evidente quando estas coleções acabam integrando o patrimônio de alguma instituição pública, caso dos 30 mil volumes da coleção do paulista José Mindlin sobre o Brasil, há alguns anos disponibilizada à Universidade de São Paulo. Um belo exemplo do desprendimento do bibliófilo, que não visa fins lucrativos propriamente, mas sim deixar um conjunto de obras e documentos que possam servir de orientação à posteridade.


Uma rotina plena de detalhes

Até atingir esta função, a rotina da bibliofilia envolve uma série de orientações, algumas delas relacionadas a seguir por José Augusto Bezerra. Por exemplo, se o livro estiver incompleto, a obra pode não perder seu valor, dependendo de sua importância e/ou sua raridade. Às vezes só encontramos uma folha de um livro que existiu há muito tempo, e só aquela folha vale mais do que muitos livros, dimensiona. Por outro lado, José Augusto sugere a existência de critérios mais sutis para a valorização do livro, além do tempo de sua publicação ou da originalidade de suas folhas. E considera um “purismo” o hábito de alguns bibliófilos guardarem os livros, sem lê-los, sequer tocá-los, chegando a fazer fac-similes para isso.

Com a mesma perspectiva, José Augusto Bezerra identifica possibilidadades de livros atuais se tornarem clássicos, considerando fatores como primeiras edições, livros de grandes autores ou até desconhecidos que enfocam temas por ângulos que são inovadores e até revolucionários, inclusive no campo científico. Atualmente, estamos com uma carência de grandes autores no Brasil, como era a expectativa pelos livros de Rachel de Queiroz, como foi ‘Espectros’, primeiro livro de Cecília Meireles, e ainda hoje, no caso de Portugal, José Saramago, por exemplo. Nem sempre um livro de 100 anos tem valor bibliográfico ou bibliofílico. Outros livros que saíram ontem, podem ter valores, sugeridos por detalhes como um erro tipográfico. Como foi o caso de um livro raríssimo de Machado de Assis que ele próprio retirou de circulação por conter uma letra equivocada. Ele corrigiu a mão. Depois saíram edições corrigindo o acidente.

Detalhes decorrentes de muita pesquisa são a chave do bom desempenho da atividade de bibliofilia e da sua própria caracterização. É preciso atentar para a data da edição, ou seja, sua cronologia; o número de exemplares existentes, ou seja, a raridade; o valor sentimental por ter pertencido a pessoas importantes; interferência no curso da história, pois alguns livros provocaram até revoluções; o valor artístico também da obra na sua parte gráfica, envolvendo aspectos como o papel, a encadernação, a tipologia, as ilustrações, as cores etc. E ainda o valor de mercado porque muitas destas obras são verdadeiras relíquias.

O bibliófilo cearense acrescenta outras orientações para a boa convivência com o ofício. Manuscritos e outros documentos não devem ser dobrados, pois isso quebraria as fibras do papel. Eles devem ser guardados envoltos em um papel que os proteja da umidade e da poeira, permitindo assim uma espécie de ‘respiração’ do papel para que ele não resseque e diminua sua vida útil.


Sebos e suporte digital

José Augusto Bezerra também desfaz alguns preconceitos relacionados aos sebos e ao suporte digital. Às vezes, no sebo, encontram-se verdadeiras preciosidades, justamente porque as pessoas não têm consciência de que se trata de um livro raro. Essa identificação é muito sutil, mesmo para bibliotecários, alguns aspectos que dependem da vivência. Em relação às novas tecnologias, ele aponta que vê o livro como um guardião da sabedoria, do conhecimento, e não como um mero formato. O livro começou sendo feito de barro, na Mesopotâmia. Depois, de papiros, pergaminhos, pedras, um papel feito de trapos. São mudanças de suporte, ele não deixa de ser um livro por ser eletrônico. Eles mudam com a tecnologia, a matéria-prima de cada tempo e local. O livro-eletrônico ainda está se afirmando no mercado, com certeza irá ter, gravado em CD, mas conviverá com as formas tradicionais. Nunca se editou tantos livros como atualmente. Dado que talvez ajude a explicar o incremento no interesse pela bibliofilia.

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