domingo, 14 de outubro de 2007

O Esquecimento...


Parte II


As ações morais que fazem parte deste jogo, vêm para justificar o elemento linguagem, e o quanto sua lábia nos é eficiente; a ponto de manter-nos convencidos de que: o quê se fala, de fato é - e este jogo sabe muito bem envolver seus jogadores, a tal ponto deles acharem que isso é a vida. Fica assim, um jogo de palavras que, unido a uma situação, ou mesmo uma condição social, acaba por determinar qual seria o caminho a seguir e, mais que isso, quais seriam as ações morais que dariam feitio à espécie.

Quando criamos situações como essas, antes de mais nada, é necessário criarmos uma outra situação: aquela que não nos permite esquecer o que estamos vivendo. A situação da constante lembrança; mesmo quando determina o que é conveniente e o que não é, é uma situação de afirmação; aliás, é uma sensação de plenitude da vida... esta vida da humanidade-Deus. Afinal de contas, qual o grau de seriedade, de um grupo, para fazer valer uma condição de verdade; essa mesma que requer muito de lembrança e repetição?

A paridade que poderia estabelecer direitos, além daqueles da justiça convencional, aliás, da Justiça Positiva - essa mesma que determina nossa legalidade de existência -, seria uma paridade na diferença. E há que convir: o que seria da diferença se a mesma fosse obrigada a se lembrar como, e sempre, como sendo uma diferença? Até que ponto poderíamos construir alguma coisa tendo como parâmetro uma eterna diferença? Por diferença, o justo seria a (esta diferença) compreender como um estágio passageiro, donde o qual ditaria novos rumos, para uma igualdade na diferença, ou melhor, para podermos pensar que nossa diferença nos faz igual à humanidade e, como tal, também nós, deveríamos compartilhar desta sua justiça, e também desta humanidade-Deus... para alguns!

Não custa relembrar Nietzsche (aforismo §93, da mesma obra citada na Parte I): O direito vai originalmente até onde um parece ao outro valioso, essencial, indispensável, invencível e assim por diante. Nisso o mais fraco também tem direitos, mas menores. Daí o famoso unusquisque tantum juris habet, quantum potentia vale [cada um tem tanta justiça quanto vale seu poder] (ou, mais precisamente: quantum potentia valere creditur [quanto se acredita valer seu poder]). Será que a paridade leva isso em consideração? Ou, de uma forma mais incisiva: até que ponto a diferença se justifica como um eterno fardo? Usa-la-ei hoje, para depois de amanha voltar a usá-la, pois, amanha tenho que me utilizar da igualdade. Mas, antes disso, tenho que me igualar aos meus iguais. Será isso possível? Sim, talvez no dia de hoje, dia de esquecimento para poder me lembrar do que preciso esquecer.

Onde se encontra então o templo da dignidade humana, dentro de uma humanidade onde a(s) religião(ões) é(são) tanta(s) e tamanha? Não teria eu que adorar o deus? Não teria eu que fazer de minha vida, meu exemplo e justiça, um modelo perfeito deste mesmo deus? Mas, em qual templo poderei depositar as oferendas?

Onde posso ver no outro certa originalidade, se nem mesmo sei o que é diferença? Como poderei acreditar nalgo se, doutro lado, me ensinam a lembrar, sempre, que o outro nos dá essa referência? Aliás, não posso nem pensar em esquecer, pois a isso se condiciona minha condição de lembrar, embora, aquilo de que tenho que me lembrar apenas repete o que o outro também precisa lembrar, e jamais o que meus iguais poderiam lembrar... ou não! Ao me remeter ao outro, acabo me esquecendo de meu igual, e de que minha diferença não pode se condicionar somente a ele, mas também ao outro; criador nato dessa diferença.

É um paralelo difícil, tanto quanto a relação que tenho com o outro. É-me, também, importante, reconhecer a diferença dentro de uma igualdade, além de minha mera condição de outro. Me pareço ao outro no que ele tem de mais forte, ou de mais fraco e corriqueiro? Sou rebanho, ou posso ser pastor? Me é permitido tentar esta segunda opção?

É belo guardar silêncio juntos
Ainda mais belo sorrir juntos --
Sob a tenda do céu de seda
Encostado ao musgo da faia
Dar boas risadas com os amigos
Os dentes brancos mostrando. [Nietzsche]

Me é difícil dar risadas junto, guardando um silêncio que não me é permitido guardar?, pois, se não posso fazer parte da diferença por um dia, como tenho que fazer dela minha morada eterna?

Gostaria de pensar muito, sem deixar de esquecer minhas vivências, visto que, pensando muito, e pensando objetivamente, não me resta nada mais que lembrar da humanidade-Deus (e sua vivência, que me é presenteada), o que me impede de esquecer por alguns instantes. Ao não me esquecer de minhas vivências, e também desta sociedade; vivo dentro de um modelo que me lembra sempre, sobre o que eu devo me lembrar. Caso eu esquecesse com facilidade minhas vivências, poderia não me esquecer dos pensamentos por ela suscitados.

Numa sociedade onde temos que nos lembrar sempre dela, acaba não restando tempo para nos esquecer destas nossas vivências, tão caras à nossa condição de cidadão livre que somos (ou, ao menos, que poderíamos ser)!

Os pensamentos suscitados por meio do esquecimento poderiam ser uma boa arma para combatermos o templo da dignidade humana... ainda bem que posso continuar essa prosa, me esquecendo do II que, por ora, passa a existir, não fazendo mais parte de mim... Prefiro ficar de costas para minhas lembranças (e como a humanidade-Deus, minhas lembranças também a ela pertence), pois do esquecimento, já me esqueci de esquecer!

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