quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Seção D'Outro


Não incorrer em anacronismo foi êxito do historiador Caio Prado Jr.
Por Carolina Justo

Entender o sentido da colonização brasileira é o grande tributo intelectual para a história do país creditado a Caio Prado Jr.. Mas esta não foi sua única contribuição. Ele tinha sensibilidade para o problema do anacronismo, destaca o historiador Fernando Novaes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP). Caio Prado Jr. não caiu no pecado de, anacronicamente, partir da história de Portugal para explicar a história do Brasil, como se fosse mera extensão dela.

A história da colonização é a história de Portugal e a pré-história do Brasil ao mesmo tempo. E o problema está no ‘ao mesmo tempo, afirma Novaes. É verdade que a colônia brasileira foi parte da metrópole portuguesa – e é como os portugueses tendem a vê-la –, destaca Novaes, mas, contra-argumenta ele, para se tornar nação precisou se rebelar contra a metrópole; precisou negar a metrópole. Novaes fez essa análise na conferência de abertura de um seminário em homenagem aos 100 anos de Caio Prado Jr. O seminário aconteceu em outubro no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e foi organizado pelo Centro de Estudos Brasileiros (CEB).

Crítico de uma nova geração de historiadores que costumam utilizar de modo descuidado conceitos criados contemporaneamente para narrar o passado – e com isso incorrer em anacronismo –, Fernando Novaes enunciou análise inovadora sobre a obra de Caio Prado Jr.. Não incorrer em anacronismo teria sido um de seus grandes êxitos historiográficos.

O problema do anacronismo na história do Brasil, explica Novaes, começa na viagem de Cabral e na descoberta. O Brasil não estava encoberto, como é que foi descoberto?, pergunta ele em tom brincalhão e ao mesmo tempo provocativo. Para ele, a viagem e a descoberta não fazem parte da história do Brasil, mas da história de Portugal. O problema do anacronismo na história do Brasil, avalia ele, é que a ela foi incorporada a história de Portugal, e com isso foram acrescentados à nossa oito séculos de história.

Durante o seminário, foram expostas diversas fotos tiradas por Caio Prado Jr. e que fazem parte do acervo da biblioteca do IFCH. Cenas comuns do cotidiano brasileiro. Segundo as legendas, as visões do Brasil capturadas por Prado Jr. demonstram sua paixão pelo Brasil. Por isso ele teria tratado da especificidade do Brasil: porque o Brasil era sua preocupação. Para entender a especificidade da colonização brasileira, ele tomou como objeto de estudo a colonização em geral. E foi este recorte, explica Novaes, que permitiu a ele romper com as perspectivas anacrônicas e desenvolver a problemática que resultou no estabelecimento do sentido da colonização.

O foco no Brasil, na análise de Novaes, também foi decisivo em outro aspecto para o historiador Caio Prado Jr. Ele era um historiador marxista, e não um marxista historiador, pontua ele. O assunto era o Brasil; o marxismo era a ferramenta. Segundo contou Novaes, certa vez perguntaram a Prado Jr. por que, sendo ele um marxista, não seguia a cartilha. Ele então teria respondido que era o seu objeto que conduzia a sua escolha, e não a sua escolha que conduzia o seu objeto – ou a sua percepção do objeto. Para Novaes, esta é uma lição importante: Prado Jr. soube dialogar com as ciências sociais.

Este diálogo não existia na historiografia tradicional, até porque as ciências sociais não existiam institucionalmente. A historiografia moderna dialoga, mas por vezes de forma problemática, avalia Novaes. O historiador tem que saber historicizar conceitos, para não criar anacronismo, explica. Ele pode usar os conceitos na dimensão explicativa, mas não na narrativa. O problema é que na história essas coisas estão juntas. E é por isso que é difícil, e é por isso que é interessante. Na síntese de Fernando Novaes, a história é narrativa e, sendo narrativa, é analítica. Para ele, Caio Prado Jr. conseguiu narrar a história do Brasil analiticamente.

O sentido da colonização

O sentido da colonização aparece no princípio do livro Formação do Brasil Contemporâneo. Nele, Caio Prado Jr. explica que a colonização funcionou como uma empresa comercial complexa. Ela visava atender aos interesses mercantis da expansão marítimo-comercial européia, que se estendeu pelo século XV e seguintes. Foi por isso que a sociedade e a economia brasileiras foram organizadas e estruturadas com base na produção agro-exportadora de larga escala, caracterizada pelo latifúndio, pela monocultura e pela escravidão. A tese de Prado Jr. é a de que a colonização tomou este rumo devido aos interesses comerciais da Europa, aos quais o Brasil era submetido.

Nenhum comentário: