quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Escritos e Reflexões Sobre Arte... e Vida


Parte II

A ambivalência que mostramos diante da liberdade, principalmente quando o que está em jogo é o discurso da coletividade, por vários vieses, diz muito do que, num dado momento, nossa condição humana está expondo, ou mesmo, o que somos perante esta coletividade, indiferente de a levarmos como amarra de existência ou não.

Dessa forma, e com a colaboração de Contardo Calligaris, em artigo do Folha de São Paulo de 13/12, podemos endereçar a esse outro [que tenha valor de exemplo para nós] pedidos de ajuda e até de adoção, mas também queremos derrubá-lo. Por quê? Porque a sedução que o exemplo exerce sobre nós é vivida como uma violência que nos incita a "trair" nosso jeito habitual de ser, nossa inércia. De fato, odiamos, no exemplo, nossa própria vontade de igualá-lo. E nada como pensar o quanto a coletividade pode nos manter, enclausurando desejos e vontades, nesta habitual inércia, especialmente quando temos no outro - leia-se, no coletivo - exemplo de valores e conduta.

Pode parecer que não, mas, ao viver no coletivo, apesar de sabermos sua importância, o que mais nos interessa é mudá-lo - derrubá-lo talvez não, imagino que, dessa queda, algo ainda pior pode vir, mesmo porque estamos lidando com homens, e que têm desejos e vontades distintos; além de muitas ambições -, daí a grande preocupação em fazer com que nossa liberdade (apesar de não ser tudo o quê queremos), e em especial, nossa individualidade, possam exercer certo poderio nessa possível guinada. Todavia, aí temos um outro problema: este poderio, da forma como o exerceremos, não seria também uma nova coletividade direcionada?

Caindo então no teor da arte... como poderíamos usar metodologia tão revolucionária - até quando está entremeada de conservadorismo - para, ao menos, minimizar os males deste coletivo, e até da individualidade exacerbada de nossa liberdade? Mudando de nome, várias vezes ao longo da vida? Talvez esta última uma resposta, se não, pelo menos uma reflexão.

Afirmar a autoria como individualidade irredutível, por mais que pareça uma solução, se bem pensada, e direcionada, imagino que acaba se tornando, de fato, essa solução. Entretando, cairemos na mesma discussão do coletivo, e como os micropoderes deste coletivo podem estar muito bem amarrados, a ponto de nos colocar, de novo, em nossa individualidade, e involucrada na mesma... como acontece com muitos artistas ao longo de suas vidas.

Um outro perigo seria o fato de até mesmo a individualidade irredutível estar maquiada, sem o saber, sobre regras gerais e exteriores; assentada num pertencimento assaz discutível. É nesse momento que Henri Matisse entra com uma reflexão, de uma perspicácia fenomenal, em livro publicado recentemente pela Cosac Naify, chamado Matisse - Escritos e Reflexões Sobre Arte: É por isso [referindo-se ao fato de alguns artistas, sem o saber, estarem presos às regras de seu coletivo] que a criação, para o artista, começa pela visão. Ver já é uma operação criativa e que exige esforço. Tudo o que vemos na vida corrente sofre maior ou menor deformação gerada pelos hábitos adquiridos, e esse fato talvez seja mais sensível numa época como a nossa, em que o cinema, a publicidade e as grandes lojas nos impõem diariamente um fluxo de imagens prontas, que, em certa medida, são para a visão aquilo que o preconceito é para a inteligência. O esforço necessário para se libertar dela exige uma espécie de coragem; e essa coragem é indispensável ao artista, que deve ver a vida toda como quando era criança. E, mais que isso, ver a vida com um novo olhar: um olhar que, além de infantil, seja também coberto de esquecimento (como aqui exposto em posts anteriores).

Bernardo Carvalho, ao comentar referido livro, em artigo do dia 18/12 da mesma Folha, nos dirá: Se, para pintar uma rosa, é preciso "esquecer todas as rosas pintadas", e se "é preciso resistir sempre, custe o que custar", também se faz necessário entender que as circunstâncias mudam e com elas as características daquilo a que se deve resistir em nome da verdade da criação. E indo mais além, em nome também da verdade da vida. Pois, tão-somente a partir desta verdade é que poderemos usar de nossa liberdade, e individualidade, de uma maneira tal que nem o coletivo, com sua microfísica de poder, consiga nos açambarcar... estamos dentro sim, mas temos todo o direito de colocar nossa ousadia em nome de nossa liberdade e individualidade - e isso pode nos colocar de fora também... por quê não? -; e de nosso esquecimento, em nome de nossa sanidade intelectual e autônoma.

É preciso ter coragem para acreditar em nosso caminho, enquanto todos os demais seguem por um outro mais cômodo e coletivo. Assim podemos evitar a inércia que corrói nosso coração de ressentimento, dando-nos motivo para odiar o outro... não cabe aqui odiar, mas amar a vida de uma tal maneira que ela possa ser, realmente, nossa... independente do que o outro tem, e que muito poderia me incomodar.

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