terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Escritos e Reflexões Sobre Arte... e Vida

Parte I


Em obra publicada pela Cosac Naify, intitulada Matisse - Escritos e Reflexões Sobre Arte, algumas facetas do grande mestre da pintura nos deixa, no mínimo, um pouco meditabundos acerca da condição humana, em especial quando o que está em jogo seria a normatividade de uma vida gregária e, quiçá, de uma vida gregária em arte - dizem que os artistas, de verdade, são sempre homens transgressores, mesmo quando estão afirmando o statu quo... fica aí a reflexão, para quem quiser adotá-la, é claro -, além de uma feliz discussão de situações outrora forjadas, como de plena liberdade.

Uma de suas afirmações é a seguinte: As regras não existem fora dos indivíduos; caso contrário, qualquer professor seria tão genial quanto Racine, por outro lado, tenta calcar suas reflexões em regras de um ideal "coletivo", no qual sua individualidade se dá no relato e na reflexão das obras de outros autores, daí a a afirmação da autoria como individualidade irredutível, trazendo também uma profunda queixa de como se tentou pensar, por individualidade, como constructo coletivo. Outra frase que nos coloca frente a frente com essa assertiva é: Durante toda a minha vida, me senti acuado porque não pintava como os outros. Nada como a sinceridade de um pintor que, vendo os outros, conseguiu afirmar, ainda mais, sua individualidade, bem como propôr regras coletivas à anseios individuais, tentando repensar até mesmo o forjamento de certos conceitos.

Reflexões como essas podem nos dizer muito de nós mesmos, e de nossa condição humana, em especial quando nossa vida tenta se pautar em certas regras, nem sempre tão normatizadas assim, ou mesmo, regras individuais, responsáveis por nos fazer indivíduos em coletividade. Essa constante luta entre nós-mesmos e o que poderiamos-ser, decerto, diz muito da sociedade em que estamos inseridos, e que nos constituiu, e como ela conduz suas normas e necessidades. E por necessidades, diria necessidades de afirmação gregária e social... não podemos nos esquecer que somos indvíduos em coletivo... e ainda, o coletivo tem muito dos indivíduos, principalmente quando de suas normatizações.

Muito sobre como se comporta a arte contemporânea pode nos dizer caminhos e anseios..., e isso fica bem expresso no ensaio de Bernardo Carvalho (donde tiro as citações de Henri Matisse), de nome O Novo Academicismo, publicado na Folha de São Paulo de 18/12: A arte contemporânea, em compensação [comparando-a com a arte moderna], parece cada vez mais uma "arte de professores", o que explica que muitos dos seus ideólogos volta e meia tentem derrubar o princípio de irredutibilidade individual da arte moderna em nome de um ideal oportunista de "coletivo", munidos de argumentos contraditórios, que correspondem tanto a uma equivocada reação política (o indivíduo seria uma invenção da burguesia, assim como a idéia de autoria individual) como às determinações da hora (a serviço do mercado, dão declarações tão contestáveis quanto a de que a pintura morreu ou ressuscitou, segundo tendências da moda). Pois bem, o que se nota é a invenção de uma condição burguesa (o individualismo) para forçar a coletividade de determinado sistema.

E quando a coletividade se utiliza de argumentos assim, penso que a condição humana já se deixou levar por tal referendo, deixando de ser, de fato, condição humana, plena de liberdade e numa incessante busca de afirmação de algo que ainda-não-é. Criou-se um algo que poderia-ter-sido apenas por meio de referida significação de códigos. Ou seja, o que tínhamos de mais nosso - que seria essa busca - já nos foi dado.

Nada como, provisoriamente, concluir com algumas considerações de Matisse, e que poderão nos levar a novas reflexões mui em breve: Um artista nunca deve ser: prisioneiro de si mesmo, prisioneiro de um estilo, prisioneiro de uma reputação, prisioneiro de sucesso, etc.. Não escreveram os Goncourt que os artistas japoneses da grande época mudavam de nome várias vezes ao longo da vida? Isso me agrada: eles queriam preservar a liberdade. Como, então, poderei preservar a liberdade, num ambiente em que, por si só, já se fez livre (do seu modo, é claro) para mim? Liberdade é também poder escolher que liberdade seguir: isso faz parte da verdadeira condição humana... nem que eu tenha que trocar de nome, várias vezes, ao longo de minha vida.

Um comentário:

Walmir disse...

Caro professor, estes princípios de liberdade e coletividade não são contrários. O indivíduo tem necessidade de se perder no coletivo, da mesma forma que tem de se isolar na individualidade. São necessidades humanas. Não se pode pensar coletividade destruindo o indivídoo, nem existirá coletividade sem a doação necessária de cada um. São coisas que se completam. E liberdade também - não vou buscar aqui referências filosóficas - deve estar dentro do indivíduo e na constituição da coletividade.
Quando ocorrem os desequilíbrios temos de um lado hedonismo e consumismo desenfreado e de outro a supressão das liberdades.
O pêndulo, infelizmente, é sempre movido por interesses de poder, de modo que, há sempre uma constante gerando desequilíbrios. E todos os desequilíbrios têm sua gênese na condição humana de ser desejante que suplanta a própria noção de justiça. Daí vem o Direito cujo centro não é a justiça.
Há um longo caminho para a educação da sensibilidade que, talvez, um dia, nos organize melhor como indíduos e como coletividade. Enquanto isso somos o que somos, prisioneiros das nossas indiossincrasias individuais e coletivas.
Nunca conheci um só homem livre.
Paz e bom humor, meu amigo.
Muito obrigado pela citação do meu post sobre criacionistas e evolucionistas.