domingo, 21 de junho de 2009

Temos Que Rever Nossos Ídolos...



Desabafos de um Torcedor-Sofredor!!

Floriano Lott


Ninguém morre uma só vez. A morte é uma sucessão de falecimentos.Dias desses eu estava contando as vezes que morri.

Comecei o ginásio aos treze anos, sem nunca ter cursado o primário.

Eu tinha um professor de latim que me reprovou na terceira série. Posso dizer que ambos não tivemos culpa.

Só que eu ia prestar concurso para a Escola Preparatória de Cadetes, e com essa reprovação a idade estourou, lá na quarta série. Foi a minha primeira morte.

Pobre não pode ter essa besteira de vocação, e eu quis ser dentista. Qual o chefe que vai dispensar um cara para fazer horário integral – de manhã e à tarde – numa faculdade? Tive que abandonar a odonto. Foi quando morri pela segunda vez.

Um dia eu saí direto do trabalho para a sede da polícia federal. Era o primeiro dia de inscrição para delegado. O cara que estava lá olhou para a minha cara e disse que eu não tinha mais idade. Eu não sabia que a lei que havia permitido entrar para o serviço público até aos setenta anos, limitara a idade para delegado federal. Sai dali morto mais uma vez.

E assim, morrendo uma vez aqui, outra vez ali, eu ia vivendo.

Um a um os amigos foram me matando. Depois os colegas, depois muita gente.

Ninguém sabe, não deu nos jornais nem na telinha. Na saída de um jogo, mataram a tiros três torcedores na entrada do metrô estação Maracanã. A Imprensa comeu em boca.

Afastei-me do estádio. Telefonei para a NET e a garota me disse que por cinqüenta reais por mês eu via todos os jogos ao vivo, inclusive os jogados no Maracanã.

Mas para ver os jogos por cinquenta, tem que entrar num plano de trezentos reais. Entrei.

Semana passada ia eu dentro de um ônibus que trafegava pela ponte Rio-Niterói, e lá nos bancos da frente uns torcedores discutiam a saída de um jogador do meu time para outro. Todos eram unânimes que o tal craque da pelota era um tremendo perna de pau. Metiam a lenha nas qualidades futebolísticas dele sem dó nem piedade, e eu lá detrás, fiquei matutando que o ídolo da bola baixara seus próprios vencimentos para possibilitar a transação, e que eu ia a Niterói a fim de levantar uma grana, coisa se concretizada, eu levaria uns cinco anos para pagar, mas que acertaria a minha vida para sempre;... E a quantia que eu precisava era só a metade do que o tal perna de pau ganhava por mês.

Fiquei matutando que eu precisava rever meus ídolos.

Durante a semana eu fuxiquei a Internet para saber o dia e a hora do jogo do Flamengo. Quem não é versado em futebol e pensa que é, vai dizer que a coisa é fácil, mas quem torce de verdade sabe que as tabelas são modificadas de um dia para o outro pela Globo, e a mudança sacramentada pela serviçal CBF.

Comprei as táticas latinhas de cerveja e usando da prerrogativa de pagar trezentas pratas por mês, afundei-me no sofá, tirei o som da tevê e liguei o radim de pilha.

O Flamengo fez um a zero. Dois a zero e o Sport fez um, dois, três e quatro. Aí eu desliguei a tevê e fui dar um banho alternativo num dos gatos que estava fedendo à bessa.

Interrompamos o chororô para falar sobre o à bessa.

Bessa era um governador de estado nordestino, loquaz e ferrenho adversário do Barão do Rio Branco. O Bessa sabia discursar.

Um dia um cidadão comum reivindicou um seu direito ao Governador aqui do Rio de Janeiro, mas com tanta eloqüência que o nosso governador disse: você reivindicou à Bessa.

Aí o jargão pegou, mas depois ganhou a conotação de designar grande quantidade.

Mas vamos aos fatos:

Gato com o banho tomado, liguei a telinha e soube que a partida terminara quatro a dois.

Morri mais uma vez.

Das três filhas, duas são Flamengo. Uma é cidadã americana, mora nos Esteites e está fora de cogitação. Peguei minhas camisas rubro-negras, a caneca de coleção idem, o chaveiro com o urubu, tudo o mais, juntei tudo e vou dar para a que mora lá do outro lado do brejo, ou seja, em Niterói.

Nessa data, sete de junho de dois mil e nove, deixo de ser Flamengo, para não torcer por nenhum outro clube.

Mas morri Flamengo...

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