sábado, 13 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade!



Nietzsche e Espinosa - Parte IV - Final



A Razão humana, tende unicamente à verdadeira utilidade e conservação da espécie. Estando a Natureza acima disso, e o indivíduo inserido nessa Natureza, o faz afirmar sua liberdade. Tão-somente por fazer parte desta Natureza, estando, com isso, vinculado à plena liberdade. Dessa forma, não dá para pensar o homem senão como partícula do Todo, ou seja, elemento fragmentário da Natureza. Pensando-se o homem assim, afirma-se sua liberdade... até a sua entrada na submissão às leis da Razão.


É, pois, apenas pela necessidade da ordem eterna, isto é, da Natureza, que todos os indivíduos estão determinados, de uma certa maneira, a existir e agir. Existindo para si, e em prol do grupo, e agindo para que o coletivo se mantenha (ESPINOSA, 2004: II, § 8).


Assim, todas as paixões humanas, ou mesmo tudo que na Natureza nos parece ridículo, absurdo ou mau, em momento algum pode ser pensado como um pecado. Sendo o homem parte da Natureza, é-lhe necessário que demonstre estes elementos, em seu ser, e inserido no coletivo; isso é Natural.


Não podemos querer que tudo seja dirigido conforme nossa Razão, mas conforme nossa dependência para com o outro. Em Espinosa parece que seria isso que determina o estado político.


Todavia, essa nossa dependência para com o outro só pode ser pensada por um viés racional. Ao invocarmos esse viés, estaríamos contribuindo para a instituição do coletivo – seria um contrato social às avessas, o que o pensamento de Espinosa nos apresenta.


Na medida em que o outro pode repudiar qualquer violência, cabe ao indivíduo, pertencente ao Todo, o mesmo repúdio. Isso colocaria uma racionalidade nessas relações humanas. E assim chamo livre a um homem na medida em que vive sob a conduta da Razão porque, nesta mesma medida, é determinado a agir por causas que podem ser adequadamente conhecidas unicamente através da sua natureza, ainda que essas causas o determinem necessariamente a agir. A liberdade, com efeito, não suprime mas, pelo contrário, coloca a necessidade da ação (ESPINOSA, 2004: II, § 11).


Enfim, pensando-se a liberdade em Espinosa como sendo, a necessidade da ação, e, como tal, conseqüência da Natureza, todavia, em prol do grupo; podemos afirmar ainda que é deste elemento comum que ele pensa o contrato social. Sendo este último, portanto, a concordância de um maior número de homens, colocando as suas forças em comum, garantindo, ainda mais, mais direito a todos. Isso garante ao grupo um maior e mais pleno direito sobre a Natureza, que cada uma dessas pessoas, individualmente, não possui sozinha (2004: II, § 13).


Amar e compreender a Natureza, segundo Espinosa, é amar e compreender o que conserva o homem. E aqui, de novo, fazemos a ponte com Nietzsche; quando da efetivação do homem, na conservação – e potencialização – de sua existência.


Encerrando Espinosa, é sobre Nietzsche que me referirei a partir de agora.


A “Grande Política” nietzscheana, surgida da liberdade do indivíduo, se faria – e se daria – a partir da vontade de potência deste homem, com vislumbres à construção de filósofos de futuro.


Desde o instante em que o homem reconhece sua força, efetivando sua vontade, ele estaria confirmando esta “Grande Política”. Para novos filósofos, não resta nenhuma escolha: para espíritos suficientemente fortes e originários para dar os impulsos a avaliações antagônicas e transvalorar 'valores eternos'; a precursores, a homens de futuro, que atem no presente a coação e o nó, que constranja a vontade de milênios a seguir novas rotas. Para ensinar ao homem que o futuro do homem é vontade sua, que depende de uma vontade humana, e para preparar grandes ousadias e tentativas globais de disciplina e seleção, destinados a acabar com aquele horrível domínio de absurdo e acaso que até agora se chamou 'história' (NIETZSCHE, BM, 2003: § 203).


Em Nietzsche a afimação da liberdade viria a ser bem mais importante que qualquer contrato social. E ao inserir-se no Estado, este indivíduo livre traria novos ares ao coletivo – apesar de manter este coletivo sob sua conduta –, confirmando que o homem seria o ponto de partida, e não o ponto de chegada; no entanto, não qualquer homem, mas um homem de futuro.


E a contradição, tal como em Espinosa, seria necessária e inerente ao fazer deste homem, pois, com todo seu crescimento em grandeza e elevação, o mais terrível e o mais profundo deste saber, também se elevariam. Esta elevação não pode ser pensada, nem sem o profundo, nem tampouco sem o terrível.


Mormente, quanto mais fundamentalmente se quer uma coisa, tanto mais fundamentalmente se alcança, precisamente, a outra, ou seja, quanto mais profundamente este homem se debruçar sobre si – e não conforme o coletivo –, mais rapidamente chegará a este elemento terrível: que seria o surgimento de uma aristocracia do espírito (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 9[154]).


A atual sociedade, a partir da constituição desse elemento terrível, deixaria de existir por causa de si mesma, passando a existir como, e ainda somente, meio de uma raça mais forte. Raça essa que viria a se constituir com base no crescente apequenamento do homem comum e medíocre, e que ainda pertence ao rebanho, uma vez que isso se mostraria, dentro da dialética a marteladas de Nietzsche, como ponto de criação do homem forte; filósofo do futuro.


Apenas quando toda a espécie se tornar fraca, o grande homem poderia se mostrar, instituindo, com isso, um mundo de futuro.


Pensando ainda nos meios, citado acima: Os meios seriam aqueles que a história ensina: o isolamento [isolation], por intermédio de interesses de conservação inversos àqueles vigentes hoje em média; o adestramento em avaliações inversas; a distância como Pathos; a livre consciência [Gewissen] a respeito daquilo que hoje é o mais sub-avaliado e o mais proibido (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 9[153]).


Enfim, há em Nietzsche e Espinosa, como sendo algo comum, a conservação, contudo, enquanto este pensa na conservação do indivíduo dentro de um contrato racional, aquele pensa na conservação do mais forte, como sendo o único capaz de referendar a “Grande Política”. E alicerçar um mundo de futuro, para homens de futuro que, sobremaneira, poderiam, de fato, se utilizarem de sua real vontade, tornando-se Homens; com letra maiúscula.


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