sábado, 6 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade


Nietzsche e Espinosa - Parte I



Como a obra de Nietzsche não deixa bem claro o lado político de sua filosofia, priorizando muito mais a questão ética; a faceta deste texto versará sobre a noção de liberdade, tendo como contraponto Nietzsche e Espinosa, e como isso pode nos servir de pista para entender a questão política, referida por ambos autores.

Porquanto, veremos que, quando fala-nos de liberdade, há latente em Nietzsche um imbricamento com a questão política, notadamente quando temos como molde a estrutura democrática. Parece-nos que nesse ponto, a democratização de um viver político obstrui a liberdade desse homem. E isso pode parecer-nos mais evidente no fragmento abaixo: (...) creio que tudo o que hoje na Europa estamos habituados a venerar como 'humanidade', 'moralidade', 'humanitarismo', 'compaixão', justiça, com efeito pode ter um valor de fachada, como enfraquecimento e mitigação de certos impulsos fundamentais poderosos e perigosos, porém, a despeito disso, a longo prazo, não é nada além do que o apequenamento do inteiro tipo 'homem', sua definitiva mediocrização, se me quiserem excusar uma palavra desesperada num assunto desesperado. (KSA, vol. 12, 1885-6: § 2[13])


Dessa forma, ao se utilizar de termos como “desesperado”, fica-nos bastante claro o quanto Nietzsche preocupa-se com a questão da liberdade, e como a democracia pode ser daninha à mesma – em especial, este tipo de democracia que foi inaugurada com os Modernos. Ainda mais quando Nietzsche vê nesta questão a efetivação de uma moral de rebanho; grosso modo, um nivelamento por baixo.


Uma outra palavra que poderia nos remeter o real horror que Nietzsche tem deste tipo de democracia pode ser a justiça, mesmo porque, é baseado na questão dos direitos comuns que ela se subscreve como sendo a responsável por dar uma certa ordenação a este tipo de sociedade, e como a mesma, de uma forma genalógica, serviu de interesses bastante direcionados.


Ademais, esta mesma justiça surgirá a partir de uma negativação das paixões humanas; e neste ponto começa-se a aproximação que nos dispomos a fazer com relação à Espinosa, visto que, também em Espinosa, a questão da culpa sempre norteou a constituição dos sistemas políticos modernos, o que o faz, em pequena medida, se distanciar de pensadores como Rousseau, Hobbes, Montesquieu e Locke; responsáveis pela constituição teórica da moderna noção de Política. Além disso, o papel que a religião tem para estes últimos, e como isso fica preterido por Espinosa, que propõe uma laicidade das constituições políticas civis.


E isso fica bem claro no seguinte aforisma: La justicia vengadora. El cristianismo ha puesto en una misma balanza la desgracia y la culpa, de forma que, cuando la desgracia que sigue a una falta es grande, la magnitud de ésta última se establece involuntariamente em función del grado de gravedad de aquélla. Sin embargo, esta apreciación no es antigua, porque la tragedia grega, donde tanto se habla de desgracias y de faltas, aunque sea en otro sentido, constituye una de las grandes liberaciones del espiritu, en una medida que ni los mismos antiguos eran capaces de entender. Éstos no se preocupaban de señalar una relación adecuada entre la falta y la desgracia. La falta de los héroes trágicos viene a ser como la piedra em la que tropezamos, rompiéndonos un brazo o una pierna. Ante ella, según la forma antigua de pensar, se decía: <<¡La verdad es que tenía que haber caminado con más precaución y menos orgullo!>>. Pero estaba reservado al cristianismo decir: <>. (NIETZSCHE, A, 1998: § 78)


Esta forma de encarar a justiça como sendo fruto de um desígnio divino, e que a punição a nossos atos também deveria vir deste mesmo Deus, é a forma como fora constituída a noção política moderna. E neste caso, a noção de culpa tem um papel mais que necessário, senão essencial para que as paixões humanas – responsáveis pela efetivação da liberdade humana – não dominem o relacionar-se político de certa comunidade civil. Todos os modernos se utilizaram deste subterfúgio, nas constituições políticas que teorizaram. Já Espinosa descarta a noção de culpa e Nietzsche, principalmente, mais que descarta, a expulsa.

Neste aforisma de Aurora fica claro o quanto o autor “reconhece” a força disso para as constituições jurídico-sociais do corpus politicus, e o quanto isso ainda é importante no que tange à não-efetivação da liberdade humana e, automaticamente, na preterição de indivíduos com espírito livre, destas comunidades.


E os valores dessa democracia, bem como sua legitimidade jurídica, ainda mais, acabariam contribuindo para este apequenamento do homem, logo, também o de sua liberdade.


Há em Nietzsche um grande valor ao espírito livre do homem: isso sim o faria forte, não permitindo que ele caia na cilada da mediocrização de seu ser.


A liberdade, nesse sentido, seria muito mais importante que qualquer outro elemento da propensão à democracia. Pois seria esta liberdade a efetivação de valores mais fortes, ao homem; como bem expresso em Além do Bem e do Mal: Ensinar ao homem o futuro do homem como sua vontade, como dependente de uma vontade humana, e preparar grandes empresas e tentativas globais de disciplinação e cultivo, para desse modo pôr um fim a esse pavoroso domínio do acaso e do absurdo que até o momento se chamou 'história' – o absurdo do 'maior número' é apenas sua última forma –: para isto será necessária, algum dia, uma nova espécie de filósofos e comandantes, em vista dos quais tudo o que já houve de espíritos ocultos, terríveis, benévolos, parecerá pálido e mirrado. (NIETZSCHE, BM, 2003: § 203)


Valores esses que poderiam possibilitar o homem a pensar numa “Grande Política”, jamais numa mediocrização política que, conseqüentemente, minimizaria este homem. Por outro lado, quer-se olhar para o lado do “maior número”, deixando o homem aquém de seu real e grande futuro, mantendo-o no constante estágio de rebanho. Uma política que, acima de qualquer outra coisa, apenas tenta se manter como detentora da liberdade alheia. Uma liberdade que, como visto acima, se usa da falta e da culpa para poder punir. Uma política que não permite a este homem um outro futuro, senão este que o Estado Moderno inaugurou: o Estado do rebanho e da manipulação.


Mais que pensar no coletivo, há que se pensar primeiro no indivíduo, cabendo a um segundo momento, aí sim, preocupar-se com o “gerenciamento” da espécie.


2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei seu texto É dilson, como você é um especialista em Nietzsche, gostaria de perguntar como ele pensava a democracia direta Antiga, se a pensou ou a considerou de alguma forma. Vale a dica ou o desafio, como você relacionou a moral de rebanho com a democracia e Estado moderno, que papel teria, para Niezsche, a democracia antiga, havia nuances a considerar em relação a moderna ou não?

Clio & Dionísio disse...

Meu caro, está aí uma informação que, de fato, ainda não me preocupei, mas gostei da idéia cara. Estou pensando seriamente em pesquisar mais a respeito do assunto. A propósito, a segunda parte já está disponível. Leia, pois ainda virão mais algumas partes. Depois de todas expostas, com certeza, tentarei averiguar teu questionamento.