domingo, 14 de junho de 2009

Albertina e o Fundo de sua Alma!



As luzes da cidade são mesmo imprevisíveis, ainda mais quando estão sob o efeito de alguma chuva fina. A beleza que essas tênues gotas projetam sobre o arcabouço concreto e metálico de formas mortas e, por vezes, sujas, nos hipnotiza, traça-nos uma linha absurda entre o estado de consciência e o inconsciente. São luzes que, como vida, correm diante de nossos olhos... são luzes da cidade, vistas pelo carro em movimento, sob uma noite escura e molhada.

A criação absurda de um romance sem heróis ou vilões..., apenas a reprodução de uma estrutura fria e morta, entretanto, é capaz de abrigar o calor de corpos em movimento, no instante mágico do clímax orgasmical. Como também de corpos inertes, embebidos pelo torpor do tempo, acrescido de algum líquido alcóolico, em dosagens dispensáveis. É essa criação absurda, mas ao mesmo tempo ordinária, que não pode ser glosada pelos romances, ou mesmo libelos, fantásticos ou absurdos. A absurdez da vida não consegue deixar-se retratar pelas mãos estranhas de um corpo, também estranho.

Dentro deste turbilhão de idéias, a cabeça de Tina não se deixa subjugar, tudo passa, porém, tudo vê... a criança que chora ao fundo... a chuva fina que insiste em fustigar a arquitetura mórbida de uma grande cidade... o motor de um carro em velocidade estável... É tão vazia essa paisagem que as vezes o sentimento é de abismo, no entanto, Tina está alegre e, apesar de absorta em seus pensamentos, sorri para os seus.

A busca pueril do esquecimento faz com que Albertina mantenha o delírio temporal ordenado, enrubescendo suas faces com a febre do mundo, aliás, a febre de viver nesse mundo; tal como Nietzsche, busca o esquecimento para não morrer de verdades. Pois, a verdade do mundo é opressora e opera em nossos sentidos uma válvula de efusão; tem-se a consciência de viver em absurdo, achando-se normal. As vezes isso nos oprime, eis o motivo de tentarmos o esquecimento. Talvez ele nos joga em face a este absurdo sem o ver, mantêm nossa consciência ocupada, tentando se lembrar dos fatos, fixa-nos à mente algumas aventuras, tão absurdas quanto, também como válvula de escape à loucura gélida e metálica da cidade fria e morta.

Esse esquecimento pueril faz os homens criarem seus mundos; esforçando-se por imitar e ensaiar a liberdade, não imaginam que é justamente dentro deste absurdo que podem encontrar seu emplasto... como fez um dia, antes de morrer, Brás Cubas, trazendo á memória dos homens de seu tempo, as dores da alma. O Emplasto Brás Cubas, com efeitos anti-hipocondríacos, tinha a valorosa e nobre proposição de aliviar a nossa melancólica humanidade. Seria este, o remédio do século?, único capaz de curar a loucura temporal? Acho que não, o melhor emplasto do mundo ficou clarividente para mim, e imagino, também, que tenha ficado claro para Tina...; o melhor emplasto do mundo é reconhecer a loucura que ele é, embrenhando-se de vez nesse absurdo.

Ao criarmos nossa realidade, adquirimos o rosto da mesma, a ponto de fazer de nossa vida uma imitação desmedida da máscara do absurdo. Bem, são conjecturas, entretanto, aqueles que encararem como proposta... que assim o façam.

Segundo Camus, para o homem absurdo, este estágio de criação, já não se trata de explicar e de resolver, mas de sentir e de descrever. Precisamos aprender a descrever nossa ambição em pensamentos absurdos, porém abertos. Uma vez que nossa máscara vital já tenha assumido o caráter de absurdo, também poderemos usar de nossa vida para a efetivação deste absurdo; eis o emplasto mencionado anteriormente e tão desejado pelo senhor Brás Cubas.

É engraçado..., de todos os pensamentos que partem do absurdo, são poucos os que aí se mantém. Isso pode ser encarado como uma falha do emplasto, no entanto, não é este o caso de Tina, sua imaginação em pessoa é a personificação do absurdo, em um corpo ordinário e simplório. Talvez seja a máscara adentrando a alma, sua imitação é tão perfeita que assume o caráter de realidade existencial.

Todavia, retornando, a grande questão em mérito é o caráter transitório de alguns pensamentos que enveredaram pelo absurdo, o que será que os leva a essa transitoriedade? Serão, talvez, a falta de identificação com o absurdo e, também, a falsa existência da maioria dos homens? Pelo que penso, o raciocínio vago e a futilidade da vida são sintomas inquietantes, porém trágicos, da falsa existência... vivem, entretanto, não sabem disso. Mantém sua liberdade presa à transitoriedade de suas quimeras e vontades. Não têm consciência da força de suas faculdades mentais e de seu intelecto, preferem mediocrizar os grandes anseios da alma. Pode-se dizer que vivem uma vida desgarrada e subserviente.

O existir, para estas pessoas, deixou de significar... por isso elas insignificam... fazem parte das fronteiras entre a angústia e a expansão da alma. A brevidade de tempo por que passa seu espírito, oprime sua vida, vive-se em dissonância com anseios e vontades, ou melhor, auto-oprimem sua liberdade.

É necessário buscar o absurdo, vestir sua máscara, e embrenhar-se neste vale..., a validade da vida começa a existir quando existimos para nós mesmos...


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