quarta-feira, 17 de junho de 2009

Eddie e o Rebanho...




Este odor verde, recém-saído de uma chuva gostosa, as águas escorrendo pelo corpo..., como é bom. Se a liberdade existe, é dela que compartilho agora. Sua força renova-me... sinto que essa força foi-me e será para mim, matéria-prima de minhas sandices. Pouco me importa a decadência e o filisteísmo dessa vida que me rodeia, estranha e torpe... mal sabem eles que sou ovelha desgarrada... tenho vontade própria.


O rebanho é grande, muitos são os caminhos que arranca-os do pasto, no entanto, apenas em um caminho prosseguem. Sua vida é o reflexo de um caminho pisado, amassado até o endurecimento da razão e o esfriamento da paixão. Nada muda no percurso das ovelhas e, como tal, a vida se mostra inalterada, repetitiva e entediante..., como antes, o amanhã é o mesmo. E o presente? Confirmação de uma situação anterior, provida com a internação institucional da família burguesa e filistéia.


Esta vida regrada, cronometrada e supérflua... como as pessoas suportam esta situação? Onde estão os anseios, prazeres... será que não sentem vontade de viver?


Acho que não... esta vida que partilho, o faço comigo e minhas vontades... sou todo vontade!


A noite é linda, entretanto, este chamariz não é o suficiente para, docemente, penetrar no espírito distante e inflexivo de Eddie. Ele avança com desdém, o caminho não é conhecido, o destino muito menos... nada importa, antes de mais nada, importa a vida. Se sua vida caminha a passos largos pelas pradarias deste vale, sua finalidade é a montanha... o importante é atingir seu cume.


Uma nova concepção de mundo? Infinitas vezes me pergunto... será que faço parte deste velho mundo, alimentado por excrementos? Não, sei que minha cabeça não se confunde com a calda, o eterno regresso do mundo não pode ser encarado como fato inevitável, outrossim como recorrência... não sois um derrotado! A forma como conduzem este mundo, é que dele fazem esta situação. Uma concepção mecanicista que trai sua vocação... sua brônzea grandeza de força é vontade de potência... como um jogo de forças que a tudo consome.


Sou espírito bravio, tento, com isso, emparelhar-me à verdadeira vocação daquilo que acredito, mas no entanto, fostes contaminado por aqueles que o conduzem.


Sou como o mundo em sua verdadeira vocação, um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade.


Eddie passa a notar uma pequena elevação no terreno, algumas pedras maiores começam a aparecer, o caminho torna-se mais irregular... até mesmo o esforço físico faz com que seu ofegar seja mais carregado. Em contrapartida, o vento que começa a balançar seus cabelos... revoltando seus fios, torna-se mais constante. O ar apresenta-se mais límpido... as irregularidades do terreno surgem à frente... é uma noite clara... a lua, altaneira, convida o mundo para observá-la.


Todavia, Eddie mantêm-se envolto com seus pensamentos, uma vez que toda essa beleza só é possível a partir do homem. É o homem que vê a beleza nas coisas... sem alguém para olhar, a mais bela paisagem não passa de ramagem verde. A mais bela cachoeira não passa de água em movimento, em direção a uma queda, e o mais belo luar, de luz sobre a Terra. A natureza tem seu ciclo, o homem também, cada um com suas peculiaridades... a lua está alta e a caverna próxima, o pouso da noite abre os braços para nosso andarilho.


# # #


Ao olharmos no abismo, avistamos uma imagem brilhante da natureza. Eis o ponto em que devemos arrancar dela sua luminosidade. Ao transgredir, estamos forçando-a a entregar seus segredos. Ou seja, a força estrondosa da sabedoria só pode ser advinda e captada, do inatural.


Como afirma Nietzsche, ao alcançar-se o titânico, o homem conquista por si próprio a sua cultura, obrigando os deuses a aliarem-se a ele. Pode-se dizer que a sabedoria produz autonomia ao homem, para que tenha em mãos a existência e seus limites.


Ao fugir para a montanha, Eddie quer alçar-se ao Olimpo, criando para si uma existência finita, porém, dona de seus próprios limites. Se a natureza, em seu ciclo, tem interferido na existência dos homens, é chegado o momento do homem buscar seu próprio ciclo que, em essência, já existe, entretanto, está adormecido... Vagando pela noite Eddie engana Orfeu, mantendo-se acordado, logo, evitando o adormecimento do espírito.


O homem, ao assumir a inatural existência de seus impulsos, busca para si o caráter de centro e núcleo do universo, assumindo, também, formas de multiplicidade fenomenal, isto é, evoca para o espírito, formas e construções múltiplas, com o propósito de refletir o mundo tal como sua vontade enseja.


A caverna é escura, suas paredes são frias e inertes... ao alcance dos olhos, somente as imagens retidas na retina de nosso andarilho; são reflexos de um mundo estranho..., um mundo onde a existência de seu espírito não existe... onde faz parte de um não-pertencimento. Reflexos de uma existência insidiosa, mas, ao mesmo tempo, possível de ser derrubada. Que dessas ruínas surja uma espécie diferente de livres-pensadores (será que somos mesmo livres?)... são menções a um mundo de devir. Estas imagens velhas e encarquilhadas precisam ser quebradas, para isso, Eddie busca o martelo de seus desvarios...


Este mundo de livres-pensadores é para os homens a extinção de sua espécie... todavia, pode ser também a passagem sobre o abismo... a corda está estendida, resta-nos utilizá-la!


Nenhum comentário: