quarta-feira, 24 de junho de 2009

Escrever Para Quê?



A escrita e produção de textos, desde sempre, foram uma constante dentre as preocupações daqueles que entraram na escola nos anos de 1940, nos anos de 1960 e nos anos de 1980 – o que significa que hoje não é, nem será, diferente. No entanto, o grande imbroglio é: o que escrever e como produzir.


Para se escrever, para a produção textual, muitos elementos acabam por alimentar seu percurso construtivo. O resultado final, além de criticidade, deve ser pensado como autonomia, principalmente. Mas antes de se atingir este constructo, o caminho percorrido necessita de algumas novas experiências e novas referências. Não dá pra ensinar nossas crianças a escrever como fomos ensinados; não no atual contexto de nossa sociedade, tão enleada e cheia de informações como é hoje. Não é à toa que a Internet tornou-se uma realidade para a identidade de nossa sociedade atual, principalmente entre os mais jovens.


As preocupações com a produção de texto, como referido acima, não são preocupações de agora, tão-somente, são, sim, desde sempre, uma máxima a ser buscada entre os educandos, independente de seu grau de ensino, nem tampouco de sua vocação técnica. Além do mais, uma nova preocupação, além da de outrora, com tanta informação em circulação no mundo.


Sempre se tem a obrigatoriedade de fazer de nossos alunos bons leitores, automaticamente, bons escrevinhadores. E que as informações que eles tiverem acesso, atualmente, sejam informações recebidas a partir de certa reflexão e autonomia.


A partir disso pode-se, de fato, falarmos em escrever de verdade, todavia, só não se tem tão claro o seguinte: escrever o quê, sobre o quê e, principalmente (maior de todas as perguntas); como seria escrever de verdade? É com base neste questionamento que se propõe o teor deste texto.


As três linhas mestras de construção textual, desde sempre, são: narração, descrição e dissertação. Afinal de contas, há alguma preocupação dos educadores em oferecer aos seus educandos subsídios de como escrever bem, ou subsídios do que seriam estes três estilos de texto? E ainda, como colocar na alma de algum aluno a vocação para escrever a respeito de qualquer um destes temas, tendo à sua frente esta gama de informações as mais variadas, que muitos deles já têm acesso?


Ao lidar com os três estilos, muitos professores, simplesmente, não tentavam considerar quem seriam os leitores destes três estilos – primeira preocupação para se ensinar, de fato, um leitor a tornar-se um escritor –, não havendo, com isso, qualquer reflexão sobre a melhor estratégia para se colocar isso no papel.


Ademais, uma outra grande incógnita, com relação a esta produção de textos, e principalmente, à criação de um educando crítico e conhecedor das realidades que o circundam, é a grande e maior máxima da educação nos dias de hoje: trazer a criança para a produção de conhecimentos a partir de uma realidade sua, toda peculiar, ou seja, enfocar o dia-a-dia e a realidade por esta criança vivenciada, para que isso seja um subsídio para seus textos.


Como uma criança participaria de forma eficiente de uma criação e produção que surge dela, mas não pode ficar vinculada, somente, à ela? A realidade quotidiana é muito importante para a vivência deste texto, entretando, e se esta criança chegar à escola a partir de um universo totalmente estéril, do ponto de vista de vivências saudáveis? E ainda, como falar em narração, dissertação e descrição para alguém que não sabe, sequer, o que é um livro, muito menos, como acessar a Internet?


Dificuldade maior enfrentamos quando da transposição deste universo peculiar e familiar para um universo ainda mais grandioso, cheio de vida própria, e que clama por ser ouvido para, logo em seguida, fazer-se ouvir pelas mãos desta criança. E este universo é a sala de aula com sua multiplicidade identitária e social, local de regras e novas e variadas informações. Um ambiente que apresneta a estas crianças as mais variadas realidades e facetas de uma vida que, para ela, sempre foi algo minúsculo e só.


Saindo dos problemas e já pensando num possível caminho, esta criança, quando deste primeiro contato, com tão novo mundo, precisaria aprender a se envolver com seu entorno, sem que este entorno se torne para si um problema, um trauma, ou mesmo uma sensação de não-pertencimento.


Para isso há a necessidade de a transportar a um novo universo, que coloque esta criança do lado de fora de sua realidade quotidiana. Olhando do lado de fora fica mais fácil interagir e modificar; e um texto pode muito bem fazer este papel. Leitura e escrita devem estar inteiramente envolvidas na vida social deste novo membro leitor, nesta nova sociedade que ela também tornar-se-á membro.


Cada informação recebida por esta criança envolve certo tipo de texto, e novas informações são necessárias para o melhor reconhecimento deste novo ambiente. A partir deste momento, talvez, se poderia começar a falar em estilos literários, pois, cada informação corresponde a certa intromissão deste indivíduo em seu universo. E a mesma deve estar preparada para entender seus signos, produzindo sobre o mesmo, com suas significações próprias e críticas. Ao menos, do ponto de vista da formação educacional, esta deveria ser a máxima a se levantar – e efetivar.


Tendo estes aspectos como vislumbre de conhecimento, e objetivo de conquista, é condição mínima para se escrever sobre, aliás, escrever bem e sobre algo. Donde então se busca tais informações? Donde surge tais interrogações? Primeiro das atuais necessidades desta sociedade que já é conhecida como sociedade da informação e, segundo, que é um tema muito em voga no dia-a-dia das atuais discussões acerca da educação (vide a revista – Jan./Fev. 2009 – reportagem de capa da revista Nova Escola, fonte principal de informações de referido texto).


Para se falar em sociedade da informação, num primeiro momento temos que desvendar que tipo de informações tal sociedade está a nos oferecer, e como isso é recebido pela criança que começa a se envolver com tais informações. O discurso precisa ser elaborado de forma que seja ouvido e compreendido. Não importando qual o universo social que o produtor deste discurso está partindo.


A leitura e, consequentemente, a escrita, precisam de um incentivo. O principal deles é quando a produção de textos é feita para alguém. A criança estará criando um discurso para levar onde? Apenas dentro do escaninho de seu professor? Com certeza não. Até mesmo o adulto quando escreve não o faz para guardar, mas para informar alguém sobre certa discussão. O escritor precisa de um leitor. Para crianças que estão começando a deslindar este universo não é diferente: “O objetivo é fazer com que um leitor ausente no momento da produção compreenda o que se quis comunicar – e esse desafio requer diferentes aprendizagens.” (GURGEL, 2009: Escrever de Verdade; 39)


A ausência do leitor, no momento em que um texto é escrito, talvez seja o grande obstáculo do escritor. Se não há objetivo para escrita – ou alguém para ler – não faz sentido criar aquele determinado discurso. Afinal de contas: estás a fazer um discurso para quem?


Dessa forma, esta preocupação deve estar clara para o educador, até mesmo para que ele consiga levar isso para o educando. Escrever requer presença, e não ausência; ou ainda, incerteza de presença.


A criança, sabendo para qual objetivo está produzindo um texto, também sente a necessidade de se comportar como um leitor e um escritor dentro de situações práticas, e não em meras verbalizações. O objetivo da escrita deve estar intimamente ligado com o universo prático de onde surge tal discurso e para onde o mesmo se direciona. Daí, ainda com base em Gurgel, a importância em percorrer três caminhos: a construção das condições didáticas, a revisão e a criação de um percurso de autoria (2009: 40), e junto com a autoria, de forma automática, também a autonomia; processo consequente de todo este percurso.


A produção textual, ademais, necessita de condições didáticas. As condições podem ser trazidas pelo educador, ou mesmo pela criança. Ela só precisa saber de onde está patindo. Um texto, quando escrito, não surge do nada, nem vem como uma visão. Há a necessidade de que haja condições concretas, destinação clara e principalmente intermediação identitária (do conhecimento do educador com relação ao universo social da criança) para que a produção tenha sentido, e faça sentido para a criança.


A partir do momento em que este universo, e este percurso, sejam uma constante no quotidiano das produções, um segundo passo pode ser apresentar os vários estilos. Também de forma concreta, para que a criança reconheça e se reconheça. O gênero, ou estilo, só precisa surgir neste universo da criança, quando de seu reconhecimento: seja na escola, ou fora dela.


No entanto, nenhum gênero surge sozinho na cabeça da criança, nem no seu universo de casa (talvez em alguns casos isso possa acontecer, como se verá adiante), a criança precisa entrar em contato com estes gêneros. Para só depois se aventurar em reconhecê-los e diferenciá-los.


Quando se há um contato da criança com a cultura letrada, ainda em casa, ou acesso a alguma biblioteca, este trabalho se torna menos traumático. Nesse sentido, quando ela levar este unvierso para a sala de aula, até mesmo o reconhecimento ficará mais fácil. O universo familiar pode tanto ajudar quanto atrapalhar, quando nos referimos a este reconhecimento didático-textual.


Para além do reconhecimento deste universo textual, partindo de casa, ou sendo adquirido na escola, há também a necessidade de fazer desta produção uma interação coletiva. Daí a importância em saber para quem e para quê se escreve. Quando esta interação acontece, a produção textual passa a fazer sentido para estas crianças.também há como entender esta interação como revisão.


A criança revê o que escreveu, e vê o que seus colegas também fizeram, lendo algo próximo – o tema –, mas advindo de outro, ou seja, também de outro universo social. Se cria com isso dois sentidos: aquele que é o objetivo da escrita, a leitura por um terceiro; e o reconhecimento de seu próprio discurso, primeiro passo para a autonomia textual. Dado o objetivo, tem-se como consequência o reconhecimento (automaticamente, também o aumento de repertório do educando).


A produção de um texto deve ser encarada como a resolução de um problema. Seja um problema advindo do próprio universo social do aluno, como também deste novo universo – o do discurso e o da leitura – que esta criança está tendo seus primeiros contatos.


E este outro universo é o da sociedade da informação, tão premente em seu dia-a-dia e, ao mesmo tempo, tão distante de suas preocupações e reconhecimento. O primeiro contato com esta sociedade tal como ela é pode ser traumático, pois aí há o entendimento, todavia, esta criança já saberá lidar com isso, devido justamente sua autonomia textual recentemente adquirida.


Há ainda os comportamentos escritores: “Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e re-escrever.” (GURGEL, 2009: 42). Comportamentos estes fundamentais para a produção e compreensão escrita, e que necessitam ficar muito bem esclarecidos para as crianças: futuros leitores e escritores.


Quando se tem o pleno domínio destes comportamentos leitores, ainda mais fácil fica para a criança encarar a sociedade da informação e saber lidar com ela sem sustos nem traumas. Mesmo porque isso afetará intimamente sua vida futura: o que seria deste adulto se não soubesse, ao menos, compreender minimamente os códigos escritos que enfrentará durante toda sua vida?


Um outro elemento que deve ser despertado nas crianças é o estranhamento: “Quando volta para a própria produção e faz a revisão, a criança tem mais condição de criar distanciamento dela e enxergar fragilidades.” (GURGEL, 2009: 43), vendo dessa forma haverá, inclusive, a possibilidade desta criança reconhecer as mazelas a que ela, em muitos casos, se viu obrigada a passar.


Seu texto é como um albúm de fotografia da alma. Sua vida está toda ali exposta, resta a ela compreender os vários caminhos e várias nuances porque passou esta sua vida. O estranhamento, como dito no início, é o olhar vindo de fora, mesmo tendo em mente que aquele universo é o que pertence. Há a consciência de pertencimento a referido universo ao mesmo tempo em que se toma contato com as deficiências e problemas deste mesmo universo.

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