quinta-feira, 11 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade


Nietzsche e Espinosa - Parte III



Outro elemento que diferenciará Espinosa dos outros modernos é o fator História. Na Política, é a história das sociedades humanas que é o dado inicial e que é preciso ajustar ao nível de Razão, nem que esta Razão seja a do Estado; como visto anteriormente.


E esta história das humanidades, em Espinosa, estaria estabelecida na prática dos homens para com seus iguais, e não num elemento que precedesse essa prática. Parte-se do homem e de sua liberdade racional para, logo em seguida, pensar-se no Estado. Novamente temos um elemento que estaria próximo de Nietzsche.


Se, com os outros modernos, a preocupação primeira seria o Estado, em Espinosa e Nietzsche esta preocupação estaria direcionada para os homens e para sua história. Em Nietzsche isso iria além: teria que se pensar, também, num futuro, desde que pensado como potencialidade de vontades presentes, e que não sejam tão comuns – desde que, por comum, entendamos a constituição valorativa do momento presente.


Como Nietzsche, também Espinosa justifica as vontades humanas, tratando-as não de forma pejorativa, mas as compreendendo como essenciais e inerentes ao homem. E isso poderia ser uma pista para a consecução do Estado que se quer construir. Bem como, da grande política que isso poderia acarretar. Seja qual for a perturbação que possam ter para nós estas intempéries [referindo-se às paixões humanas], elas são necessárias, pois têm causas determinadas de que nos preocupamos em conhecer a natureza, e quando a alma possui o verdadeiro conhecimento destas coisas, usufrui dele tal como do conhecimento do que dá prazer aos nossos sentidos. (ESPINOSA, 2004: I, § 4)


As paixões, decorrentes da natureza humana, teriam elementos de homogeneização da grande política, voltada para o homem, e não para a instituição, de forma direta. Ao contrário, a instituição seria o constructo dessa paixões, portanto, totalmente laica e humana.


Esta sim, seria uma construção coletiva – e aqui está a justificação moderna do pensamento de Espinosa, uma vez que tal constructo, novamente, surgiria para administrar o arrebanhamento humano, a posteriori (como se verá na noção que Espinosa tem de liberdade, bem como o reforço que Nietzsche faz).


Como um dos temas recorrente desse texto é a noção de liberdade, há que se compreender, ao menos em pequena medida, esta referência nos dois autores.


Algo que é recorrente em ambos autores é a questão da conservação do indivíduo – mas não necessariamente da espécie –, visto que, seria a mesma que daria instrumentalização a este indivíduo, para que ele possa efetivar sua vontade de futuro.


E o fato do homem se subordinar aos anseios do Estado, definitivamente, exclui-se-lhe a posisbilidade de sua liberdade (apesar de, em Espinosa, a descrição acima não é tão clara). Mais que isso, faz com que este homem se apresente como componente desse todo. Pertencimento esse que se mostra muito mais como uma máquina – em Nietzsche – que propriamente um ser vivente.


Em Espinosa, esta situação de liberdade acaba tendo uma condição: condição essa que está vinculada à questão de sua natureza – talvez pelo fato de o homem pertencer à Natureza, aliás, de ser um fragmento, no todo que é a Natureza – e como a Razão serve de instrumental para esta efetivação da liberdade.


E, por liberdade condicionada entendamos: Por conseguinte, o homem não pode de maneira alguma ser qualificado como livre, porque pode não existir ou porque pode não usar da Razão; não o pode ser senão na medida em que tem o poder de existir e de agir segundo as leis da natureza humana. (2004: II, § 7), ou seja, a liberdade teria como condição o uso reto da Razão, segundo as leis da natureza humana, e jamais contra o homem. E aqui se mostra uma diferença gritante com o pensamento de Nietzsche, uma vez que, estando neste estado de liberdade, o homem se mantém enquanto humano.


Em Nietzsche a coisa não é bem assim, pois, ao ser utilizável, deixa de exercer sua liberdade. Em Espinosa, se essa utilização viesse por meio da Razão, e segundo as leis da natureza, tem-se a afirmação dessa liberdade.


Portanto, a tentativa de fazer do homem um ser utilizável, nesse sentido, lhe confere apenas uma contra-face econômica, jamais um componente do Estado, enquanto ser autônomo. [Quer-se fazê-lo EAA] tanto quanto possível utilizável e, na medida em que isso de algum modo importa, aproximá-lo de uma máquina infalível: para essa finalidade, ele tem que ser equipado com virtudes de máquina (– ele tem que aprender a sentir os estados em que trabalha de maneira maquinalmente utilizável como os de supremo valor: para tanto, é necessário que os outros [estados OGJ] sejam tornados tanto quanto possível penosos para ele, tanto quanto possível perigosos e suspeitos...). (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 10[11])


Nietzsche, ao referir-se à plenificação da liberdade, sempre teve como referencial o que denominava vontade de poder. Ao se submeter a este Estado – diferente de Espinosa que ainda reconhece que, de um uso correto da Razão, ele estaria afirmando sua liberdade – teria diminuída sua maior justificação filosófica.


E a “Grande Política” de Nietzsche só poderia existir quando dessa justificação ideológico-filosófica. Afora isso, o homem continuaria sendo uma pequena engrenagem dessa maquinaria global, e seu espírito criativo se resumiria a uma adaptação ao todo – como em Espinosa somos uma parte pequena, inerente, da Natureza, neste momento, não haveria problema nenhum, pelo contrário, estaríamos apenas afirmando nossa liberdade.


Não se permite, nesse caso, que o homem invente para si sua forma superior de ser. Se este seria o caminho recorrente do homem, no que tange sua liberdade, um contra-movimento estaria se fazendo aí. E cada vez mais, sua situação de engrenagem ainda mais se adpata à máquina. Dito moralmente, aquela maquinaria global, a solidariedade de todas as engrenagens, representa um maximum na exploração do homem: porém, ela pressupõe aqueles, por causa de quem essa exploração tem sentido. Em outro caso, ela seria, de fato, meramente o rebaixamento de valor do tipo homem – um fenômeno de regressão no maior estilo. (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 10[17])


Esta solidariedade de todos, que seria o contrato social – mais que uma solidariedade, uma dominação sobre as paixões humanas –, apenas tornaria o homem mais máquina ainda. Se, nalgum momento dessa situação de maquinaria, o homem tivesse um lapso de liberdade, mais ainda a teria perdido; tornando-se, ao final, um não-homem.


Situação que apenas reforça a exploração que se faz patente na coletivização desse homem, junto ao contrato social.


Ao invés de se pensar no lucro de todos, após a entrada neste coletivo, Nietzsche vê isso como o prejuízo de todos. Diria mais, este seria o grande prejuízo da espécie. Nada mais que degenerescência do espírito é que se faria.


E vai ainda mais longe: Quem adivinha a fatalidade que se oculta na estúpida falta de suspicácia e credulidade das 'idéias modernas', e mais ainda em toda a moral cristã européia: esse padece de uma ansiedade com a qual nenhuma outra se deixa comparar. (BM, 2003: § 203)


O padecimento; eis a palavra que melhor exprime o ser político do homem moderno. Padecimento por estar determinado por uma máquina, e que o mantém no patamar de engrenagem menor.


Este homem, que dessa modernidade política compartilha, não consegue nem mesmo obedecer a si próprio. Mas, ao outro, sempre distante e, ao mesmo tempo, sempre presente. É uma sombra que traz névoa para cobrir o sol do possível homem.


Conforme Giacóia Jr.: Ou o homem moderno assume o encargo de determinar-se, enquanto homem, ou terá que renunciar à sua autonomia e ser determinado por outrem: pelos deuses ou pelos homens. Nos termos de Zaratustra: comandado deve ser sempre aquele que não é capaz de obedecer a si próprio. (2005: 15)


E novamente temos uma pequena aproximação entre Nietzsche e Espinosa, especialmente no que diz respeito ao uso da liberdade. Apesar de, em Espinosa, já termos detectado a condicionante que encarcera a liberdade (isso dentro do coletivo), o ser, enquanto indivíduo, a exerce (a liberdade) quando da afirmação de sua potência e vontade, e que se faz, segundo Espinosa, na afirmação da Natureza, a qual o homem faz parte.


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