domingo, 28 de junho de 2009

Capítulo de Um Homem Só!


Eddie...


Tem urubu na torre da igreja... defuntos e carcaças semeiam sua ideologia falida. A sacristia esconde restos pútridos das catedrais... somos homens órfãos, deuses sem anjos... O Pai morreu e os filhos não conseguem delimitar seu norte... a maldição ronda os mortais, somos mortais, sou mortal...


A torre da igreja pode esconder muito mais que belos vitrais. As cidades se apresentam como uma visão de apocalipse..., o tempo sabe que o ciclo dos homens se findou, deixemos de ser homem... fujamos do apocalipse, eis a origem do homem transbordante... Eddie não observa, mas foge, sabe que o monte e a floresta são mais sábios, e também que é neste monte e nesta floresta que poderá transbordar seu espírito e deixar de ser homem, sendo mortal, porém esgotando o campo do possível. Seu pulsar não se assemelha às asas negras do urubu, na torre da igreja... mas pulsa como Heráclito e suas águas.


Um mundo enterrado, repleto de pó e morte... talvez por isso nosso andarilho prefira o silêncio inquieto das noites em vida. Seu espírito cheira a vida... por isso, o mal-cheiro enegrecido dos urubus não perturba. Entretanto, a torre continua infestada... sem vida!


A contaminação é geral, dentro das narinas um odor podre de carne morta... carne humana, repleta de hematomas.


É assim que o espírito de nosso andarilho vê o resto ilegítimo que tornou-se o ser humano. Dali do alto o mundo parece minúsculo sob seus pés... o ar rarefeito das altitudes refrigera e purifica o ar pútrido da humanidade em decadência, com sua torre em asas negras.


Os pulmões de Eddie se abrem, suas entranhas são expostas... contudo, nem mesmo a visão dantesca, de cena tão marcante, consegue ultrapassar a imagem diuturna do hecatombe humano... são os homens causa e reflexo desse hecatombe, sua putrefação doentia exasperou o senso de limite, do frágil universo. Apenas Eddie vê e fustiga esse limite. Ele o reconhece, no entanto, o esmaga.


Junto com as entranhas de nosso andarilho, a exposição de sua noção de espaço fulgura como uma luz, em noite de chuva. Não que Eddie queira iluminar o caminho dos homens, longe disso, sua luz se mostra como caminho palatável de suas entranhas feridas. A luz que emana de sua entranha, somente a ela própria se preza, sua única pretensão é permitir que seus pulmões consigam encontrar o ar rarefeito das alturas. Só na montanha, dentro da caverna, é que nosso andarilho vê suas entranhas e as saboreia. O alimento diário é a exposição de vísceras, em assombro com a baixeza do vale e com a tíbia existência dos homens.


Os sertões de sua maturidade, juntamente com a luminosidade de suas vísceras expostas, são exemplos concretos da noção de limite de Eddie. Apenas as alturas conseguem, junto com o silencioso escuro da caverna, proteger nosso andarilho da putrefacta existência... o homem é podre, e está totalmente contaminado com sua ignorante mediocridade.


Dentro da hipotética conciliação deste homem, com seu primevo existir, vários são os fatores que emperram sua plena liberdade. Mesmo sabendo onde buscar, estando tão próximo de seus instintos e paixões, o mesmo se deixa levar pela podre existência de seu vizinho de/em miséria... não uma miséria física, senão a miséria do espírito. Falta aristocracia aos atos humanos, porém, não confundemos aristocracia de espírito por filisteísmo de alma. O que é o filisteísmo da alma? É a própria hipocrisia de uma vida ilusória e aparente... a aristocracia do espírito não deve ser confundida, jamais, com a hipócrita aparência de uma alma ilusória e enganadora.


O homem só atingiu esse estágio de putrefação, quando se esqueceu de sua primeva aristocracia de espírito, enveredando-se pelo filisteísmo dos atos, uma vez que, a aparência passou a valer mais que a essência. Já dizia um filósofo francês do século XX, a existência precede a essência..., será preciso buscarmos nossa verdadeira existência, aquela que pulsa entre nossos dedos e transborda nosso espírito.


Ao buscar suas origens, os homens tornaram-se caranguejos, começando a acreditar para trás. A verdade, em suas múltiplas facetas, tornou-se representação de mundo... o mundo da representação ilusória passou a ser o mundo verdadeiro! O quebra-cabeça está se construindo... precisamos repensá-lo.


A morte do espírito trouxe à vida o imperar da moral filistéica burguesa, nossas paixões foram subjugadas. O mundo burguês conseguiu esmagar as vontades do homem, seu instinto primordial se perdeu. Esta vilania existencial (a vilania do mundo filisteu burguês e utilitarista) trouxe para a humanidade ranços e limites. A doença tomou o corpo e o jogou na cama... isso fede, sinto-me mal... A língua ferina, a acidez das palavras... precisamos deste emplasto!


O corpo exala vontade, paixão e desejo, todavia, temos apresentado alienação, razão em demasia e controle. Talvez, o mal-cheiro que exala da humanidade tenha obrigado o homem a controlar seus instintos, deixando no ar este odor putrefacto que tanto incomoda Eddie, a ponto de fazê-lo fugir dos homens. Trazendo para a cidade os urubus, com suas asas negras e pestilentas.


O silêncio e a solidão ainda são os melhores elixires da doença do mundo.


Infantis e loucos... se deixamos de existir, tornamo-nos racionais e adultos!


O homem é podre!


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