quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Viagem ao Fundo da Alma...


Edrid
Parte II


Antes de retornar ao nosso anti-herói, gostaria de apresentar-lhes um poema de Nilto Maciel, exemplificando nosso suplício:


Sísifo
(21.09.98)
Para Cátia Silva
O meu destino é semelhante àquele
imposto ao legendário rei coríntio,
que carregava ao ombro para o monte
pedra que despencava em avalancha.


Buscava novamente a rocha bruta,
subia o monte e, mal chegava ao cimo,
de suas mãos sangradas escapava
o mineral, que ao solo retornava.

E assim jamais o seu suplício ao fim
chegava, mesmo exausto, quase morto.

O meu suplício é semelhante ao dele –
a cada “não” que tu me dizes,
subo minha montanha, carregando pedras,
que se desprendem de meus ombros, rolam
ladeira abaixo, e volto a ti, pedinte.

E tu de novo dizes “não”, sorrindo.

Apanho minha rocha, subo o monte.
Se conseguir chegar ao cimo e lá
deitar a pedra, ao chão fincá-la, o “sim”
de ti terei; porém fui condenado
a carregar meu fardo vida afora
e vê-lo escorregar pelas escarpas.

E quando quase morto me encontrar,
sabendo, embora, que somente “não”
a mim dirás, ainda assim direi:
“Melhor este suplício, a ser feliz
longe dos olhos seus, vizinho à morte”.

Com o perdão de estimado poeta, mesmo sem conhecê-lo, exemplifico nosso anti-herói, senão nossa vida.

Enfim, a natureza sabe o que faz, se a vontade é o princípio fundamental de sua objetivação, então é nela que encontramos a liberdade. Por que digo isso? Simples, meu caro leitor, a vontade é independente da representação. Assim, também nosso corpo, o mesmo serve de instrumento para uma vontade superior, de ordem metafísica, que está acima das leis da razão. Ser livre é compartilhar dessas tendências, em benemérito da vontade superior.

Qualquer representação que seja, surge do noumenon, ora, dessa forma o inconsciente representa papel fundamental em nossas vontades... não nos esqueçamos de Freud jamais, pois, é ele que apresenta ao homem o importante papel do subconsciente e do inconsciente... quem há de explicá-los?

"A consciência é mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta", palavras de Schopenhauer em O Mundo como Vontade e Representação, na estante, junto com Camus... sábias palavras!

A vontade humana não tem meta nem finalidade, ela é um querer irracional e inconsciente. Ao mesmo tempo que é nossa conduta, é também fonte de todo o nosso sofrimento, por isso a liberdade é uma condenação... estamos condenados a sofrer diuturnamente. A liberdade, tal como a vontade, é um mal inerente à existência humana, mas nem por isso deixo de buscá-la. A felicidade é, repito, inevitavelmente, a interrupção temporária de um processo de suplício. Só existe satisfação quando lembramos um sofrimento passado, gerando em nosso inconsciente a ilusão de um bem presente.

O prazer é um instante fugaz, em que nos esquecemos do sofrimento presente, ao lembrarmos da infelicidade do passado que, sem dúvida, foi maior. Dentro dos prazeres humanos, temos a arte como libertação passageira da vontade... entretanto, a superação total das 'dores do mundo' só é atingida na ascensão ao nível da conduta ética. Mas esta conduta não pode assumir o caráter de coerção, ela deve ser delineada através da contemplação da verdade, logo, a deglutição das artes... sejam gráficas, auditivas ou visuais, traçam o caminho da verdade alçando o homem até o patamar mais elevado da liberdade derradeira.

Não é a toa que Dom Quixote está sempre à cabeceira de Edrid, proporcionando-lhe momentos de libertação quase plena, intensificando o caráter de liberdade, contido neste ambiente modorrento e sombrio.

Ao exaltar o caráter artístico do homem, nosso anti-herói chama para seu meio a piedade..., estado de espírito em que o homem mostra sua humanidade mais piamente, ressaltando, com isso, o que o homem tem de mais puro. Essa comiseração, amparada na renúncia ao mundo, levará nossa vontade essencial a atingir a salvação da humanidade... a partir daí, a vontade absoluta se encarregará de conduzir-nos, fazendo descer a esta seara o conhecimento, inundando-nos com belas obras, sim... o beletrismo é o caminho.


2002


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