quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Viagem ao Fundo da Alma...


Albertina
Parte I



O absurdo de estar entre humanos é recompensado quando encontramos dentro deste absurdo a liberdade. Ao ouvirmos a condenação da vida, o sensato seria tê-la como um símbolo, pois, ela só se confirma quando a seguimos... se a liberdade faz parte do espírito de cada ser, todo e qualquer homem, ou mulher, têm, não somente o direito, mas, o dever de manter-se neste estado de liberdade. Apesar de sermos condenados, a vida prossegue... sempre amparada no absurdo, mas factível de vivência.

Dentro do extraordinário, a sensação de liberdade é intensa e ininterrupta... somente através da estranheza em relação ao outro podemos compreendê-lo. Fatos marcantes exercem mais poder sobre a vida, que a banalidade do dia-a-dia. No entanto, ao aceitarmos a estranheza de outrem o fazemos de forma simples e pacata. Sem dúvida, é este o clímax da narrativa... simplicidade no expressar vai de encontro ao espírito de aventura e da ausência de espanto.

Ao projetar no concreto, sua tragédia pessoal, os homens assumem o ônus da estranheza... o fazem de forma tão simplista que em um primeiro instante parece absurdo e contraditório, todavia, de fato o é. Absurdo na medida em que foge dos padrões pré-estabelecidos (isso é liberdade), e simplório porque é assimilado pelo cognitivo no ato do acontecimento, ou seja, imediatamente.

A própria vida nos traça surpresas diárias, vivemos condenados ao absurdo de nossos atos. E essa situação de auto-condenação nos aparece em mente sob a vestimenta da liberdade. Ser livre é ser capaz de rir da tragédia, é poder chorar da surpresa, sem ao menos entendê-la. Somos seres sensitivos... as paixões nos guiam.

A ausência de espanto, perante as absurdices do mundo, apenas confessa nossa liberdade, aliás, nossa simplória reação ao absurdo... não me espanto, no entanto, me surpreendo. Esta arte é tão depurada que, necessariamente, não nos espantamos diante do espanto... são nessas contradições que reconhecemos o absurdo, afirmando nossa liberdade... algum de vocês, amados leitores, se chocaram com a tragédia pluvial que matou 56 pessoas no Rio? E a Geisa, se lembram da professorinha? Afora, a Guerra no Afeganistão... quantos se chocaram com aquela chuva de bombas? Não me respondam agora, só se lembrem de sua reação diante da televisão, no dia em que o World Trade Center caiu.

Isso me lembra uma crônica que li n'O Estopim, há algum tempo, quando Geisa morreu. Peço licença ao leitor, como também ao autor, para reproduzi-la integralmente neste libelo:


Verdade e Dissimulação,
a Morte Agonizante
da(s) Cidade(s) Maravilhosa(s)
(10.05.00)


Esta semana, a cidade do Rio de Janeiro e assim, também o Brasil, parou para assistir na telinha da Globo cenas de despreparo, de frieza, de desespero e angústia; da polícia, do bandido, da Geisa e da sociedade, respectivamente. As situações extremas que a cidade vivenciou naquelas horas são sintomáticas da falta de rumo e do caos que se apresentam a cada momento na nossa frente, quando andamos nas calçadas, pegamos um elevador ou atravessamos a rua (cuidado com o ônibus!).

Assaltos acontecem todo dia. Seqüestros e mortes também. Quantas vezes lemos na primeira página do jornal: "Chacina deixa 10 mortos em favela do Rio". Ou: "Seqüestro com refém acaba em morte". Mesmo assim, rapidamente passamos para a página de esportes, de cultura, ou política. Não sem antes vociferar: Para onde vamos... quanta insegurança! E um minuto depois já estamos pensando em outras coisas, a final da Libertadores, a nova peça de teatro que vai estrear no teatro faraônico do Sr. Virgílio, a criança que acaba de nascer.

Mas sabemos que não precisamos ir muito longe para enxergar tais dislalias; é visto em quase todas as cidades do país, grandes e pequenas, cenas semelhantes. A violência virou arroz com feijão, e a carne crua em sangue tornou-se sobremesa.

Dessa vez, porém, as notícias policiais ganharam outra dimensão. Não importa se o Guga venceu, ou se o Sérgio Cabral não é mais candidato. O que está em questão é o desespero de viver em sociedade, a ausência de leis verdadeiras, a simulação da coerência, a angústia da morte visível, a felicidade do torneio de Roland Garros (para quem?)...

Geisa não é uma vítima ou uma refém baleada, talvez seja uma estatística na página 20; decerto uma mancha na calçada. Mas não, ela é simplesmente uma pessoa que sucumbiu a atitudes desesperadas, a vidas que se vivem em desespero. Por alguma horas, todos esperavam o final previsível: o bandido vai ser morto, e os reféns vão para as suas casas.

Só que a vida não é a novela das oitos. E isso é o que nos choca. As atitudes desordenadas, o caos; não estamos preparados para carregar estes fardos, ainda que o façamos todos os dias.

Nos esbarramos pelas ruas, puxamos o tapete um do outro, negamos esmolas, e aceitamos chacinas. Sempre com a cabeça no que realmente importa: o aluguel, o Guga, os amores, as contas. Esta semana, porém, o caos teve um momento de convergência, novamente sua sombra saiu da penumbra (será que está tão na penumbra assim?) para alimentar nossa sede de informações, nem que tais informações tragam junto de ti o pêndulo da morte.

Percebemos, graças à máquina de simulação, que todos carregam o mesmo fardo. Tudo com muita pipoca e guaraná ou talvez um filme de Holywood. Não importa, as mazelas da vida dão mais Ibope que o mundo dos sonhos.

A professorinha não sobreviveu. O bandido matou a protagonista. Os bons moços se mostraram assassinos covardes. E agora? Ninguém leu o roteiro? Os atiradores de elite não sabem escolher o armamento. O bandido é sobrevivente de uma chacina policial. A multidão quer linchar o seqüestrador. É impossível(!) achar coerência....

As caras soturnas nos bancos dos ônibus não vão durar muitos dias... Os policiais-assasinos serão julgados pela morte do bandido, e a prisão destes oficiais (será que serão presos mesmo?) passará a todos a sensação de que as coisas, afinal, não estão tão ruins assim e que tudo está normal de novo.

Longe das câmeras do mundo, na página 20 dos jornais do populacho, vítimas continuarão sem nome, e mortes serão somente estatísticas.

De vez em quando, alguns se perguntarão: Para onde vamos? Mas serão apenas lampejos momentâneos, logo o interruptor é apertado, e novamente a escuridão toma conta de nossas vidas e nos guia rumo ao incerto.


Mesmo sem conhecê-lo, me integro às suas idéias..., este, ao menos se assombrou com os fatos, mas os milhões de pessoas que também viram, compartilharam da mesma sensação?, não sei... todavia não tive outra pretensão senão a informação.

Nossas tragédias espirituais fazem parte deste paradoxo, somos livres, e dessa forma, nos contradizemos. É absurdo? Não, é liberdade... autonomia no pensar (não nos esqueçamos porém que nossas tragédias espirituais são totalmente diferenciadas das tragédias televisivas ou midiativas, uma coisa é questionar o absurdo de seus pensamentos, outra é se embasbacar perante as notícias e nada dizer). Nossos gestos cotidianos têm a força de traduzir nossas ambições externas; somos livres para buscar o contraditório e o incoerente e, concomitantemente, questioná-lo.


2002

Nenhum comentário: