segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Viagem ao Fundo da Alma...




Eddie

Parte I




A estrutura orgânica do globo terrestre, além de suas fronteiras geográficas, aparece aos olhos adormecidos de um andarilho melancólico como uma saraivada de obstáculos.


O desprazer de encarar os limites de um espaço distante e limitado aflige a orientação cognoscente (aquela que vem do fundo da alma) deste andarilho. Suas pupilas gastas, estilhaçadas pela poeira do caminho e pela luz dos homens fracos, a muito turvaram a salobre existência de sua pueril criatividade. Seu mundo se fecha em um sensabor de limitações. Sua estrutura crível (primeiro lapso de sua alma criativa) se desorienta e sua cabeça sente o peso aterrador de um corpo limitado, mas, acima de tudo, pretensioso. Para tais olhos o mundo é uma caixa de palhaço, cheia de surpresas fortes, mas extremamente agradáveis.


Neste instante, o que se nota é um olhar distante, divagando além da compreensão objetiva de olhos externos e mentes desavisadas. Para surpresa do passante distraído, com seus enormes olhos externos, o andarilho senta-se sobre a raiz de uma grande árvore, debruça, melancolicamente, sua pequena trouxa desarrumada na terra batida das proximidades. Coloca a mão sob o queixo, estende suas costas no tronco espesso, mira o monte do outro lado da estrada e começa:


Peço permissão ao leitor para quebrar esta narrativa e apresentar-lhe o que vem de assalto à mente, as vezes desvairada, de nosso andarilho solitário. Por mais que sua compreensão seja truncada, tenha um pouco de paciência e acompanhe este pensamento...


"É tarde, o corpo nu sobre a cama fria contorce-se afoito por se condoer com os astros, ora de um amarelo prateado, circundado por reluzentes raios e sedimentados pela insone noite, que outrora, acalentava o próprio reluzir, ora de um azul sem estrelas, circunscrito na cama branca e decadente de uma vida em miséria. Deixando o insistente tiquetaquear de horas passadas, no limbo da existência, tornar-se aprazível em àquilo que o tempo consome... nossa vida!


"Vitorioso por viver, estes murmúrios podem ocultar algo estranho, olvidando os sentimentos com a intenção de compreender um todo deformado, um mundo em destroços, direcionando-se à barbárie primeva dos tempos..., o tempo do infinito e sua sede de auto-confirmação. Tempos outros, tempos idos... recorrentes e circulares.


“Mas, ainda assim, se delimita o instante que amassou o lençol branco da cama fria, onde este corpo nu insiste por se contorcer; ainda tenta um retorno a Aristóteles e seu universo metafísico, onde a alma impulsiona a razão e confirma o mundo verdadeiro. E quando este universo se mostra, recorro-me à Kant, gênio puro da liberdade humana, instância mais imprecisa e, talvez, única capaz de tentar explicar o quão difícil se tornou tal vida após uma partida, em direção à descoberta do mundo, meu mundo, único que se mostrou após o desligamento de todos aqueles que outrora povoaram o casulo primeiro.


"Várias noites insones ainda povoam este mundo, que, negligenciado pela própria sorte, consegue satisfazer-se no eterno afã de conquista... maquiavélicas faces da Fortuna. Sentimentos nobres que respiram o hálito perfumado da noite em silêncio, sentimentos que nem mesmo foram capazes de se integrarem ao núcleo deste mundo; somente lá a origem de tudo, uma origem indivisível e intransferível, uma origem desoladora, impositiva. Um documento impresso em brasas vermelhas que conseguem marcar a alma como a um instrumento eterno. Cunhado para delimitar a eternidade, embebida em vida própria, infindável por teimosia... Uma vida própria que só se tornou capaz após aquele instante que, como mencionado, insistente pôde se mostrar nessa vida própria, sempre buscando um mundo também próprio (será que o encontrarei no imperativo categórico da existência?).


"Mas o frio da cama cada vez mais se recrudesce, uma vez que a pena de uma história ainda povoa a silenciosa noite que, rodeada por amarelos-prata, conseguiu se distanciar do mundo. O mesmo que estás a buscar sem nunca se predispor ao fracasso, talvez isso seja uma conseqüência que poderá se concretizar com o arrolar do tempo, ao passo que ainda o é mestre e senhor, pai da escravidão dos povos e nações. Tendo em vista que mesmo Alexandria com sua imortal essência, foi cruelmente delimitada pelo fogo desse mesmo tempo, que até então era guardado por prateleiras centenárias, onde apenas as mãos do douto ser podiam ser instrumentos de manuseio, concretizado em clássicos que a remota Grécia pré-cristã podia oferecer.


“Porém, a natureza humana sempre é vitoriosa por devir, nada consegue barrar a máquina humana das idéias, até mesmo o imortal pêndulo se submete ao desbravar do universo humano.


"O tempo, mestre e senhor, é sempre dúbio. A todo instante assume posições contrárias, tanto cogita-se sua senhoria como também sua submissão, posições de eterno conflito; como o corpo nu que não se deixa absorver pela noite e que é capaz, em momentos outros, de abraçá-la em seu estado de profunda letargia.


"Os sons, que esse mundo nos faz homens insones, chegam a todo instante, é quando se percebe que o onanismo do tempo também é povoado por sons que nos incitam ao silêncio, uma vez que, quando advindo da penumbra noturna, este som pode ser o pretexto final de nosso silenciar, que clama por ouvir murmúrios tão belos.


“Essa beleza que pode surgir no escuro da noite, as vezes nos assusta, pois ainda não nos habituamos a colher coisas belas... Por que nos importar com isso se o sono tarda a chegar?, necessita-se dele, o persegue com olhos vermelhos de doente, sabe que, se não o encontrar em breve, o sol se despontará novamente e chegará o momento do acerto de contas.


"E assim, o temor do lençol branco, ainda navega no árido pueril da mente humana, busca-se domá-lo com o intuito de aspirar ao mérito do descanso de vidas em jogo, num mundo que, passível de compreensão, se buscou viver. Essa busca vai se mostrar eterna em formato de posições tomadas, que ainda afligem as idéias humanas e, nesse sentido, o aflito corpo nu está inquieto, rodeado pelas trevas da noite, tentando nas sombras uma proteção para tão frágil corpo, tentativa que constantemente é posta em prova. O frio do tempo agasalha, ele treme e se põe a gritar..., em vão, os gritos se confundem com o silêncio da noite, e dessa forma são abafados, fazendo com que não ressoem.


"O convite ao sono se torna cada vez mais longínquo, tudo aquilo que o ser procura em vida pode se findar na distância de dois pontos, dois estágios; o entremear do sono com o do estar acordado. Talvez o momento propício de estar acordado tenha tornado o mundo diferente para poder se viver, ou vice-versa; considero assim algo até um pouquinho mais distante, nossa vida pode estar entremeada por dois pontos também, e nesse registro, a locomoção do mundo faz parte do viver em mundo. É de acordo com esse feitio que sua insigne existência se transforma; o grande percorrer do circuito existente entre estes dois pontos.


"Silencioso, meu corpo tenta recomeçar o ciclo, mesmo porque, não obtendo respostas em seu ressoar, tudo se transforma muito mais fácil. Assim, o corpo nu tenta voltar ao seu habitat natural, onde possa usufruir das benesses de um deixar-se envolver por momentos, que em sua eternidade, não durará mais que algumas batidas do pêndulo.


"Altaneira, a noite já se esvai em seu frescor peculiar, trevas que nos incitam à luz das idéias (despontando em sonhos que, somente estas poucas batidas poderão proporcionar), apresentam a infinitude do universo e nossa arma de conquistá-lo. Suas trevas... sua debiedade! A busca dessas idéias faz com que o homem (agora não totalmente nu, pois seu corpo, onde se encontra os membros superiores, recebeu uma leve película de tecido, tão desnecessário que se torna único), descerre a cortina do universo... descortinando suas trevas. Porém, o frio não é mais tão agressivo, vestimentas que o tempo hábil das horas podem fazer história, interrompendo o ciclo das estações, reinterpretando a significação necessária para uma compreensão do que se tornou desnecessário ao homem, não mais tão nu.


“Querendo começar de novo um outro ciclo que possa servir como marco de tempos constantes e práticos, se encandece de estupor e brilho. Toda uma dinâmica envolve-o, assim poder-se-á metamorfosear a vida indigesta dos seres em silêncio, a vida indisposta dos seres em agonia..., tudo irá se enquadrar conforme o processo de necessidade, que terá início no escurecer de luzes em aflição. Nesse contexto, as idéias poderão ser fator primordial para o desbravar do metafísico mundo aristotélico, mundo este falsário e filisteu.


"O instante que outrora se fez, mostra-nos alguma coisa: quando predisposto à obsessão das luzes, pode nos oferecer êxtases que em tempos tais como o nosso, faz do corpo nu um ser que corre por ruas esburacadas, em busca de concreto e iodo. São complementos para uma nova formação metafórica, empregada pelo ensejo de, percorrendo tais instâncias, poder preencher estes buracos. Fazendo de sua corrida menos dolorida Ainda assim se torna difícil sua caminhada, pois o mundo que então povoa não passa, somente, de sonhos distorcidos, típicos dos quadros surrealistas de grande Dalí, nosso Salvador de dores, outrora distantes.


“Nesse intuito, o modo sartreano de se viver confunde-se com a realidade temporal dos momentos, e assim, com essa busca final nosso homem nu, não tão mais nu assim, ainda busca essa vida posta como opção própria de alguns caminhos; caminho escolhido por ele para poder trilhar. Essa viagem, ora imaginada, não passa, porém, de distúrbios cognoscentes que podem se comparar ao mundo metafísico, tão mencionado anteriormente. Mas mesmo assim o homem, que não está mais totalmente nu, sonha por esse momento; talvez o único sonho de prazer que o afixe à vida.


"As peripécias que podem ser sentidas, após o instante sonhado pelo homem não tão nu, se incute em dores, sofreres e paixões que o irá perseguir por um bom tempo. As dores que sempre o persegue persuadem, com ligeira destreza, o seu âmbito quotidiano, a dissolução de seus atos é sinal legítimo de momentos doridos; dores que estão em constante evolução, mesmo porque suas formas concretas são mostradas àqueles que se enveredam pela estrada aristotélica, como o faz o homem, que totalmente nu não mais se encontra. Uma vida de dores que podem ser prenúncios de sofreres maiores ou de soluções mais plausíveis, assim, tais dores são legítimas, únicos meios possíveis de mostra verdadeira.


"A forma com que é posto o mundo em sua vida, influencia com grande constância seu modo de viver. As relações recorrentes entre os homens nesta vida diária, a forma com que esses homens se interrelacionam; tudo isso se evidencia no passar pela rua, envolto em sombras, onde o homem, agora vestido, nem ao menos cumprimenta seu semelhante que passa do lado, as vezes nem tão semelhante assim.


"Anunciando plenamente o que cada um tem na simbiose de seu sangue; uma total individualidade, que quando posta ao homem vestido, deixa-o nu. Isso também o amargura, tanto em noites de insônia como em dias de sol reluzente, como é o caso do semelhante que é encontrado na rua e nem ao menos o cumprimenta como a um semelhante, levando-o a buscar, cada vez mais, sua reclusão na metafísica noturna de noites de insônia, são dores que não acabam nem mesmo quando se busca um emplasto.


"Os sofreres disseminados no caminho de sua noite, enquanto esconderijo de acalantado gozo, podem repercutir no que sua pena virá à mostrar, e essa apresentação só o homem vestido é capaz de modificar, pois ao sofrer, se percebe em sua recôndita essência, o cantinho burlesco de uma boca, que em forma de sarcástica desenvoltura, denota o quão ímpio pode ser o gozo da dor. Não que sua vida seja movida pelo imortal Marquês de Sade (ou vocês acham que o termo sadismo foi cunhado do nada?), mas por ter uma vida que, ao revés de tantos abismos, conseguiu alcançar a plataforma do etéreo prazer de sofreres saudáveis. Assim, ele conduz o comboio de sua existência como quem assiste ao inóspito teor do enxofre, se deliciando com tão terríveis paragens, mas, acima de tudo... lhes devassando o caminho.


"O homem, que estava nu, fez a viagem dantesca da comédia, que se mostrou divina ao se inspirar no semelhante que encontrou na rua. Dessa forma sua vida se conduz, com o único afã de conseguir alcançar os méritos de um conflito, que se tornará concreto ao cair da noite insone. E essa viagem, que se mostrou dantesca, serviu como simples aparato passional para mostrar o quão sua vida se desfalecera no ingrato mundo, que sozinho estás a buscar. O mesmo mundo que lhe proporciona dores insones e prazeres mundanos, tão bem mostrados no momento em que seu corpo nu se contorcia sobre a cama fria, em noite de reluzente amarelo-prateado. Esta dor que se mostrou intransferível em sua origem teimosa... mas a dor que outrora povoa o sono de seu estado de rebeldia, em momento outro pode se mostrar bela e prazerosa, mesmo porque sua paixão, imbuída em si mesma, bela se codifica... porém, não impõe limites... eis seu segredo de sucesso.


“Que possamos encarar a dor como um mal passageiro, onde seu verdadeiro espírito se mostrará como etapa vivencial, senão radical, de uma etapa além-do-homem.


"O processo que ousou definhar, serviu como deslinde da luz, que na razão se mostrou tão clara que pôde reluzir em lugares, onde antes mesmo de serem pensados já haviam sido pisados, prova concreta de que a razão pode ser o intento primeiro de uma vida em farrapos, que se segue no escurecer das trevas humanas, onde nem mesmo a razão foi capaz de ocultar. Com isso, sua vida é somente a repetição de momentos que, dialeticamente, são mostrados como se jamais tivessem vindo à tona. Esse eterno transportar, de repetidos atos, se afirma cada vez mais na forma com que o homem, agora vestido, se relaciona com seu semelhante nu, momentos que poderão se mostrar cada vez mais sombrios.


"Tendo como ponto de partida o meio pelo qual os momentos partem do nada (pois sabe o homem vestido que, seu semelhante quando se comparado a ele mesmo, nu se configura como tal), os parâmetros usados para essa comparação servem como marca a se seguir. Com isso, o homem nu continua com sua afoita possessão a se contorcer pelos lençóis brancos da cama que, nem mesmo o tempo conseguiu tornar quente. Aquele estado de agonia, em absoluto, ainda se desdobrará por noites a fio que, insones, continuaram a afligir o homem nu, cercado pelas trevas... trevas de luz, repletas de uma áurea criativa e extraordinária.


"Na travessia do caminho, o papel de coadjuvante, referente ao seu estado de nu envolver, tem como ênfase, o percorrer necessário para que se possa atravessá-lo. Logo, tudo se torna um pouco mais árduo quando, optando por momentos que podem transparecer a tarefas suadas, algo não tão dorido assim (tendo em vista que toda dor tem a significação de lembranças que poderão se desdobrar em prazeres que só o sentido do palato poderá se expressar como em formato de visões controversas ao nosso conhecimento lógico), estabelecendo limites e regras, o que faz com que fujamos de nosso primevo existir.


"A ilusão da dor nos é imposta tal qual uma verdadeira significação, aquilo que nossos sentidos tentam absorver, para então compreender, são apenas reflexos que puderam ser, tais como são, devido ao instante que nosso cérebro compartimentou como sentimento dele próprio. Compartimentou como ilusão de um reflexo que exteriormente nos incidiu, e que em momento presente à sua mostra primeira nos inseriu no nonsense da razão, apresentada a nós como sensação única de verdade, reprojetada pelos milhões de neurônios que compõem a elite temporal do cérebro. A mesma elite que projeta sobre os sentidos o seu real instante de sentir, aquele mostrado ao contato do ser com o tempo e o espaço, seus choques diários, suas projeções corriqueiras, seu instante rotineiro, enfim, toda a gama de reflexos que o corrompe ao entrar em contato com o mundo tal como é.


"O corpo nu... aquele que se preza a sentir tais reflexos, ainda se contorce na cama, sua cama que pudera ser quente, portanto fria se encontra..., gelada se mostra. Sua cama que então fria se mostra por estar envolvida com os milhares de reflexos e sensações emitidos pelo cérebro, o mesmo que uma grande elite trabalha, proporcionando a esse corpo nu uma sensação de desnudamento, uma sensação de frio, uma sensação de vida, mesmo que sobrevivida... mesmo que subvivida... mesmo que vegetal!


"A vida se torna breve ao deparar com sofreres que amarguram o corpo, o mesmo que ora nu, ora vestido, se mostra. Estou vestido, mas sinto-me nu. Seria o absurdo... absurdo, ou talvez a criação de um disfarce..., tenho medo... preciso acordar..."


Ao acordar do transe, uma brisa suave faz o andarilho abrir os olhos... um ASSOMBRO... ASSOMBRO: ao seu redor um grupo de pessoas o circunda. Olhando para o céu, ainda atônito por seus desvarios, nota uma claridade forte nos olhos "O dia ainda está quente...", o calor incomoda, nem mesmo sombra tão robusta é capaz de amenizar temperatura tão escaldante..., mas a lembrança do frio da noite, de sua consciência, arrepia os pelos... seriam pelos de consciência, ou mesmo pelos de vida?... não sei, apenas pelos.


"E agora... um calor insuportável, pessoas desconhecidas..., um leve murmúrio vai dando lugar à cacofônica algazarra de uma babel fantasiosa!" Sem entender nada, nosso andarilho se levanta (nem sua sombra o abandona, uma sombra barulhenta e confusa, alimentada pela maquinal euforia dos pensamentos em crise) e começa a caminhar, afinal de contas, é este seu destino... desbravar a vida e descobrir a consciência. Ao verem isso as pessoas se juntam ao passo lento e à poeira do caminho, imitando a estrada de uma personagem.


Não se importando com as visitas inesperadas, mantêm seu ritmo. Novamente um assombro, a presença de casas o intercepta pela rua, outrora deserta, mas logo se lembra: antes do descanso havia entrado num vilarejo.


"Aquela sensação sempre presente, respirações desregradas... o quão difícil se mostra para mim certos desvarios.


"Pessoas me observando, casas modorrentas ao meu redor. Sinto falta de meus instantes solitários, sinto falta da noite escura sem estrelas. Não que encaro as estrelas como inimizades, não é isso... gostaria apenas de sorver o hálito puro da noite, como um corpo nu. São em instantes como esse que minha solidão faz falta... preciso reencontrá-la... preciso recontá-la. Necessito de minha liberdade novamente..."


A energia das pessoas, suas atitudes, precisam ser condicionadas àquilo que cada um sente mais prazer. Ao tentar fugir do ambiente primevo, a personalidade se perde, os seres se automatizam.


Percebe, leitor, a importância do silêncio e da solidão para este nosso personagem? Percebes que sua vida precisa de recarga?... assim somos nós. Jamais podemos negar nossa energia criadora, nossos instintos primevos (esta última expressão pode ser uma redundância, no entanto é uma redundância necessária, só assim poderei expressar, da melhor forma possível, esse ser íntimo e individual). Lutar contra tais instintos é o mesmo que entregar-se ao suicídio. Nossa vida só é nossa quando temos as estribeiras de sua direção, isso é ser livre. A partir do momento em que negamos nossas paixões, estamos negando a nós mesmos, uma vez que nossas paixões são apenas recorrente reflexo de nossa primeva essência.


Ao coexistir, nego aquilo que me fomentou, nego minha liberdade... Nossa vida deveria ser pautada por uma insurreição constante, até mesmo nosso ambiente familiar nos agrilhoa. Nossas amarras e nossos limites são flexíveis, pode-se dilatar espaços e intercambiar emoções. Cada referência pessoal ou cada vontade precisam de nossa consciência para existir. Ao permitirmos interferências nocivas à nossa consciência, estamos permitindo o auto-suicídio, ou melhor, o suicídio involuntário. Temos limite, no entanto, apenas cada um de nós pode visualizá-lo.


Assim é Eddie, nosso andarilho, ele não permite limites externos, ao contrário, faz seus limites, cria-os de acordo com sua conveniência. E a solidão é o momento crucial para a construção destes limites.


Alguns o chama de louco, outros de pedante, contudo, sua consciência sorve estas explanações e as digere, letra por letra. As vezes o produto final é a loucura de pensamentos soltos, outras vezes é a formulação de um silêncio infantil.


Eddie é uma criança que precisou ir no deserto da consciência... antes camelo, depois leão... Mas, só depois da solidão voraz e irrestrita do leão, que Eddie virou criança. O difícil não é carregar os sentimentos e as emoções nas costas, principalmente o mundo, muito menos ter coragem para enfrentar a solidão deste mundo. O difícil é saber dizer sim inocentemente... o difícil é ser semente nova, levando até o mais profundo da consciência uma planta pueril e fresca. Assim é Eddie, precisou ter força e coragem, no momento oportuno, para virar criança... para virar semente nova.


A sensação de estar só, no silêncio do mundo é, para Eddie, poder ser livre, aliás, ouso dizer, poder ser um espírito livre. E esta criança que todos os dias nos chama, é o caminho. Eddie ouviu ao seu chamado...


Ao calçar luvas diante dos ideais, nossa personagem não está refutando-os. Está apenas dando um passo adiante, está se lançando ao proibido, de tal forma que, este terreno 'intransponível' assumi o status de pântano intransigente e covarde. Assume também o caráter de 'lixão' da humanidade, todos os homens que até o momento passaram pela Terra estão apenas corroborando com a destruição de suas vidas, permitindo o depósito de restos doentios da mais imunda sandice. Todavia não os culpo... culpo sua consciência fraca e covarde. Uma vez que o proibido sempre se mostrou diante de ti (primeiros lapsos de sua vida essencial), mas sua moral e sua ética burguesa se impuseram, deixando-se subjugar o conhecimento primevo e a rebeldia primordial. Permitiu que forças externas o tomassem, dando-lhe o aspecto de uma ovelha feliz.


Até quando temeremos o proibido? Até quando temeremos a rebeldia e a insurreição? Não sei, só espero que Eddie o faça, pelo menos é este seu propósito. Tendo todas as características para desbravar o proibido, se lançando a ele como uma criança inocente... sim, é de homens e mulheres com estas características que precisamos.


Aquele que respira o ar das alturas jamais se esquece. E a solidão tem nas alturas seu melhor refúgio, como também o silêncio. Os que buscam as alturas encontram o silêncio e a solidão... se embriagam!


"Infelizmente o vilarejo prossegue, a única vontade, a mais forte aliás, é ultrapassar esse adobo ressequido pelo tempo, engolido pelo verde dos musgos e pelo cinza da fuligem. Um ambiente bucólico, cheio de características belas, mas ao mesmo tempo, débeis... FRACOS!


"São pequenas casas com chaminés compridas, uma porta frontal e duas janelas... mas, que me importa! Quero fugir, preciso do refúgio da floresta, necessito de sua solidão... e estas pessoas que me perseguem. O que fazer?"


Não se desespere meu caro andarilho, o tempo é curto e o trabalho é escravizante, em poucos instantes estará só, aliás, estaremos só.


2002

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