terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Viagem ao Fundo da Alma...


Tarso
Parte II


A poeira irrita os olhos, no entanto Tarso sabe da necessidade destes dissabores, que importa irritar os olhos, enchê-los de lágrimas? “O importante é alimentar nosso espírito de liberdade, este sim, mote da vida de todos. Sem essa terra toda para trabalhar, o que seria de nossa vida? Ainda mais agora que as chuvas do verão estão encharcando nossas terras... a ramagem estava tão amarelecida, hoje vejo este horto verde e belo... a cálida pureza da vida é o brotar de flores novas... É preciso arar logo a terra, evitando mais um prejuízo da lavoura.”

A sede é forte, o sol escaldante. A pele fustigada pede um alento, é preciso uma pausa no labor.

"A vida pode não ser fácil, mas a sensação de tomar uma água fresca, no momento exato em que o sol castiga a mente, é magnífica. Imaginando a vida, sinto o sol... é neste momento que me vem a sede. Não importa se é quente, importa a mim, somente, sentar sob esta bela e frondosa árvore e sorver o líquido sagrado da vida.

"Assim é o viver, estou embaixo deste sol escaldante, carpindo minha terra, todavia, quando chegar a hora da colheita, a fartura transbordará sobre a mesa. É quando sinto-me recompensado, só a partir de meu labor conseguirei mesa tão bela. Eis a riqueza do trabalho... levanto muito cedo, é certo... transpiro em excesso, também... mas isso é nobre... é rico. Tenho uma vida extremamente sistemática, porém, no final, sou recompensado por Deus e por Sua fartura maravilhosa. Entretanto, é graças à obediente entrega ao trabalho.

"Sei que não é muito, sou humilde, mas a beleza de ver estas plantinhas florescendo fazem meus olhos brilharem. É aí que noto a grandeza de meu pai e seus ensinamentos... é graças a ele que sou livre e feliz. Ao lembrá-lo, penso na vida que teve e na segurança com que a levou. É quando afirmo com alegria minha vida, na regrada existência de seu ser, invocando-a para mim. Vencerei tendo nele um exemplo para meus atos.

"Em contrapartida me entristeço quando vejo pessoas que não dão valor à vida, praticando a ociosidade, levando uma vida desregrada... absolutamente mundana.

"Desprezam o trabalho, alimentam a desordem e blasfemam perante Deus. São seres desprezíveis... será que não se cansam dessa jaula?... Transformam sua liberdade em um estado vazio de coisas, ignoram que só homens úteis engrandecem esta terra, consequentemente, desprezam sua liberdade. A transformam em andanças desvairadas... mentes ociosas que insistem em permanecer na sua futilidade!

"A liberdade verdadeira, esta sim, não está em criar uma coisa nova, senão em reproduzir da melhor forma possível as coisas já existentes. Só é forte e livre aquele que se utiliza da tradição para crescer na vida. Se está aí, é sinal que foi empiricamente testada, e como tal, infalível... nós sim, somos falíveis. Para não tombar temos que nos amparar em algo maior... é quando conclamo novamente a Santa Providência. Isso sim é liberdade, reproduzir da melhor forma possível, sempre amparado nesta força superior e etérea. E meu trabalho, sei fazê-lo tão bem... por isso sou livre!

"Reproduzo a natureza e a realidade, logo, sacramento minha vida, ao passo que a mais sacra das criaturas é aquela advinda da natureza. E é esta natureza a produtora de minha liberdade... sem esquecer é claro, das mãos sempre fortes da Divina Providência. Contudo, esta liberdade só se afirma quando também produzo junto à natureza e para a natureza.

"Somos nós que construímos a liberdade, logo, ser livre é trabalhar arduamente e de forma aguerrida. Sei que o trabalho é causticante, sobremaneira, sei também o quanto dignifica o homem... enobrece-o.

"Essa terra que aro, por exemplo, me dá liberdade. Dessa forma, se perco meu trabalho, perco também minha liberdade. Outrossim, se fujo à tradição, também perco a liberdade, pois, foi tão arduamente ensinada por meu pai e guardada por minha mãe.

"Tendo na vida o bem e o mal, tem-se também o compromisso com as coisas sérias. Essa seriedade só pode ser encontrada no caminho do bem, que, neste caso, seriam o trabalho, a probidade, a responsabilidade e a moral. Quando opto por este caminho, opto também pelo trabalho... por isso sou livre.

"Imagine, achar que ociosidade é ser livre!?

"Preciso voltar ao meu arado. É esta seara que me confere a liberdade."

A vida prega ciladas no homem... mas não importa, Tarso só sairá de seu horto ao entardecer. É quando o sol findará seu ciclo mais uma vez. Chega-se então o momento da penumbra, e essa passagem entre o fim de um ciclo e o início de outro pode parecer branda e triste, todavia apresenta uma luta voraz... espíritos povoam as matas, cores rasgam o céu... é o Globo (diga-se Deus) dando outra volta. É o momento em que a escuridão toma o lugar da luz... para uns alegria, para outros tristeza... têm ainda aqueles que vêem este momento como um descanso, enfim... por mais que os pássaros entoem triste suas cantilenas, e a névoa reine despeitada, o ciclo continua e Tarso volta para casa... sua mãe o espera.

O caminho é triste e solitário, a penumbra já toma conta de todo o capoeirão... na escuridão só vultos. O crepúsculo nunca tarda, ídolos são massacrados enquanto outros renascem... será que as ninfas e os duendes acompanham nosso herói? Não importa, Tarso necessita rever sua família e descansar... a saudade de mais um dia surge pelo caminho e deixa rastros na poeira alta... mas antes, nosso herói cumpriu mais uma vez seu ciclo... sua liberdade assim o permite...!

2002



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