segunda-feira, 2 de abril de 2012

De Kropotkin por Heráclito



Edilson Antônio Alves



A mudança de fundamentos, proveniente da revolução copernicana, traz para o ideário das ciências humanas um outro parâmetro epistemológico. Baseado nessa reconfiguração de saberes, busco o argumento que Piotr Kropotkin (anarquista russo, nascido em 1842 e falecido em 1921, um dos principais defensores do comunismo-anarquismo) se utiliza para, no meu entender, alimentar sua teoria filosófica anarquista.

Vejamos, então, a tese de Kropotkin:

Todo o aspecto do universo muda com esta nova concepção [teoria heliocêntrica]. Desaparece a idéia de força regendo o mundo, da lei preestabelecida, da harmonia preconcebida, para dar lugar àquela harmonia que Fourier anteviu um dia, e que é apenas a resultante dos inumeráveis enxames de matéria, caminhando e conservando-se mutuamente em equilíbrio. (2001: 24)

Se antes o homem, por temor ao desconhecido, tenta justificar as instituições e até o poder de uns sobre os outros, a partir do momento em que se tem uma reconfiguração de mundo – e de universo –, pode-se asseverar que este temor deixa de ser elemento reconfigurante, o que garantiria uma maior liberdade para este mesmo homem – e liberdade passa a ser entendida não como algo concreto e reduzido, mas elástico e amplo, onde se tem uma liberdade, que coloque o homem acima (pelo menos como propósito) da imposição de poderes proveniente do discurso filosófico-jurídico reinante – e aqui me refiro à materialização do capitalismo e a constante reificação do homem, transformando-o em objeto de ganho, para um fim exploratório.

O fato de estarmos imersos no social dá cabo à justificativa desta transformação, visto que, desde o momento em que o coletivo sente, ou sofre, uma mudança muito drástica, todos os elementos desta colônia sofrerão com isso. Portanto, cada elemento dessa colônia deveria lutar para resolver os sofrimentos e desventuras de seu grupo. O que afeta um, deve afetar a todos; isso é o que mais se aproxima da solidariedade anarquista.

A grande questão que fica na escrita de Kropotkin é a de que toda harmonia, desde que aconteça, deveria existir de forma provisória. É como se houvesse um estado de guerra constante, onde a vontade do grupo só se mantém para transformar sua coletividade.

Há sim a cordialidade entre as várias facetas da cultura, não significando, contudo, que esta cordialidade se imponha. A maior cordialidade estaria no reconhecimento da diferença e no convívio com ela. Pensadas como mal-entendidos, estas diferenças impõem um consenso chucro, determinando o suicídio conceitual da própria cultura, desembocando, em menor grau, na patologização da diferença.

Com relação à aceitação de certa Doutrina, como sendo uma verdade inquestionável e sagrada, pode-se dizer que, dos elementos acima, dois entram em cena: 1) é o caso da criação de identidade e, 2) da construção de uma cultura bastante ideologizada – pois, disso depende a construção simbólica desta cultura e de suas correlações –, com forte respaldo numa ordem formal.

Não podemos nos esquecer, portanto, que a própria noção de cultura, dentre suas várias interpretações, tem nesta construção ideológica sua concretização, determinando uma memória coletiva comum, e impondo certos parâmetros de conduta. Vejamos, pois, como Cliffort Geertz em A Interpretação das Culturas nos informa sobre isso:

Outra implicação é que a coerência não pode ser o principal teste de validade de uma descrição cultural. Os sistemas culturais têm que ter um grau mínimo de coerência, do contrário não os chamaríamos sistemas, e através da observação vemos que normalmente eles têm muito mais que isso. Mas não há nada tão coerente como a ilusão de um paranóico ou a estória de um trapaceiro. A força de nossas interpretações não pode repousar, como acontece hoje em dia com tanta freqüência, na rigidez com que elas se mantêm ou na segurança com que são argumentadas. Creio que nada contribui mais para desacreditar a análise cultural do que a construção de representações impecáveis de ordem formal, em cuja existência verdadeira praticamente ninguém pode acreditar. (1989: 13)

Todo o passado da cultura passa a ser pensado, a priori, antes de se tentar traçar algum tipo de confirmação do objeto homem e sua história.

Diferente do Medievo, onde toda a explicação provinha de cima, neste momento tenta encontrar cá embaixo uma outra explicação plausível, e também outros parâmetros de conduta e comportamento, sem, contudo, desvincular-se totalmente desse éter, ser impassível que sobrevoa a vontade do homem, mantendo-se acima do mesmo, e que o coloca numa certa prisão psicológica – como se percebe, há aqui uma discussão da teoria copernicana, e, com base em especulações, como a mesma poderia servir de subsídio à obra de Kropotkin.

Esta discussão lembra a obra de Heráclito, em especial, o estado de guerra que do Uno (Também chamado de logos, palavra usada para designar “palavra” ou, mais propriamente, “ação” ou “estudo sistematizado”, ou dinâmica de organização do elemento Saber, e foi uma das primeiras construções conceituais que dizem respeito à busca pela verdade, ou mesmo pelas origens – se bem que para os gregos do período de Heráclito a noção de origem ainda é algo um tanto quanto obscura, sendo portanto, muito pouco usada; há sim a noção de retorno e de ciclo, jamais de começo, daí a noção de eterna guerra entre os opostos: do Uno há a divisão de dois pólos que, pelo resto da eternidade se digladiariam para construir o saber) advém para, em seguida, retornar a este Uno, para, noutro momento, subdividir-se novamente.

Parece-me uma teoria bastante coletivista, porquanto, dentro de um elemento comum, a saber: a transformação e ajuda mútua, uma vez que, em Kropotkin há a afirmação do comunismo-anarquismo, em que se imagina a tendência para a igualdade econômica e política. Contudo, uma ajuda nem um pouco harmônica:

A harmonia aparece assim como equilíbrio temporário, estabelecido entre todas as forças, como uma adaptação provisória; e este equilíbrio só durará com uma condição: a de se modificar continuamente, representando em cada instante o restante de todas as ações contrárias. (2001: 30)



Bibliografia Consultada

GEERTZ, Clifford (1989). As Interpretações das Culturas. Rio de Janeiro: LTC.

HERÁCLITO de Éfeso (2000). Sobre a Natureza, tradução de José Cavalcanti de Souza. PESSANHA, José Alberto. Pré-Socráticos. São Paulo: Nova Cultural (Coleção Os Pensadores).

KROPOTKIN, Piotr (2001). A Anarquia: sua filosofia, seu ideal, tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Imaginário (Coleção Escritos Anarquistas).

14 comentários:

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