quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Uma Construção em Fragmentos...


Parte I


Por alguns dias irei aditar alguns textos que fazem parte de minha dissertação de mestrado, como será uma construção quotidiana, os amigos verão que muitos fragmentos se colarão, outros nem tanto... uma experiência que, espero, dê certo; começando por hoje:



Apresentar um problema para, logo em seguida, tentar compreendê-lo pode ser a referência maior do que este problema visa esconder. Principalmente quando se está em jogo uma reconstrução de um novo modelo.

Sócrates, segundo Nietzsche (Crepúsculo dos Ìdolos: O problema de Sócrates, §9), percebendo a degeneração da velha Atenas se incubiu de tornar-se seu próprio médico. A grande crítica feita por Sócrates ia de encontro aos velhos conceitos de Atenas, e seus velhos hábitos.


Aquilo considerado por Sócrates como velho seria a velha maneira de se observar e compreender o mundo. Um mundo de assombro e constante conflito, muito bem representado pelo pré-socrático Heráclito, donde a contradição ditaria os rumos do mundo. Seja este mundo humano, seja o mundo dos deuses, muito vivo no quotidiano ateniense dos séculos VI e V a.C.


A contradição que se mostrara como um elemento plural e diverso, apresentado por Parmênides – apesar de notarmos em Parmênides o primeiro pensador, destes filósofos originários, a se referir à ambivalência existente entre ser e não-ser e, automaticamente, colocar ambos ontos em lados opostos, trazendo com isso um primeiro fragmento de razão que, a partir de então, e com Sócrates, ganharia uma força ainda maior –, ganha status de irracionalidade, visto que joga por terra a certeza.


Por outro lado, o ser humano, e sua noção de humanidade, por ter tal estrutura, tanbém assim se define: uma contradição in loco, um conjunto inseparável da natureza. A natureza assombrosa, em constante embate, apresentada por Heráclito em seus fragmentos.


Suas “qualidades” naturais e humanas são como um conjunto. Conjunto esse que se recoloca no homem, e a ele volta, em sua plena noção de humanidade. Não se fala mais em racionalidade, fala-se agora em humanidade pura e natural, aquele antiga que Sócrates repudiara, se auto-proclamando médico de seu povo.


Por este motivo, fazia-se necessário, então, pegar este discurso, e dialeticamente embaralhá-lo junto com o discurso poético, e desqualificá-lo em detrimento da lógica e da clareza.


Esta velha estrutura faz de sua humanidade (a do homem) um duplo e inquietante caráter, ou ainda, “as capacidades terríveis do homem, consideradas desumanas, talvez constituam o solo frutífero de onde pode brotar toda humanidade, em ímpetos, feitos e obras” (Cinco Prefácios: 65). É sua terrível natureza mostrando o elemento mais natural de sua humanidade.


Já em Sócrates, velho médico, o elemento vital do saber deveria abrir espaço para o elemento frio e racional da lógica platônico-aristotélica.


E fora Parmênides (um pouco antes), também, que iniciara Platão em suas querelas; um jovem continuador do legado socrático.


Como aponta Guthrie (Os Sofistas; 1995: 12), Parmênides mostra a Platão irrestrita confiança nos poderes da razão humana, fazendo com que este último tenha em mãos uma identidade essencial da razão no homem e em Deus.


Idantidade que faz da dialética socrática uma grande armadilha, a qual conseguirá manter-nos dentro, durante séculos. Ao tentar desvencilhar da mesma, resta o limbo da imoralidade.


E como apresentado acima, apenas esta identidade íntegra, e sem contradições, poderia legitimar a verdade e, consequentemente, também a filosofia.


Não é à toa que o velho Parmênides rejeitara por completo os sentidos. Nova justificativa para que Platão fizesse o mesmo, dando-lhe (ao velho Parmênides e à velha razão) papel mais elevado que o papel dos sentidos, o qual a mente deve deixar para atrás o mais rápido possível. "(...) já em Sócrates e Platão pode-se vislumbrar o predomínio das armadilhas morais, cujo influxo parece ter se mantido com o passar dos séculos. Mesmo percorrendo diferentes caminhos, as filosofias não puderam desvencilhar-se daquela invenção primeva do homem abstrato, dialético, justo, que ansiava acima de tudo conquistar o bem, o conhecimento e a felicidade." (O Crepúsculo do Sujeito em Nietzsche ou Como Abrir-se ao Filosofar sem Metafísica; ONATE, 2000: 54)


Surgindo com isso uma nova certeza: o conhecimento só poderia ter este nome, como um nome de merecimento, se partisse de uma certeza absoluta e universal e, automaticamente, baseado na razão. Esta mesma, velha conhecida de Parmênides, e a mais nova amiga de Platão.


Uma amiga que, com Heráclito (fragmento CVII), nunca viera sozinha e absoluta: “É bem necessário investigar muitas coisas para os homens serem amantes da sabedoria” (Heráclito: fragmentos contextualizados; COSTA, 2002: 214), apesar de também fazer parte do mistério que é o saber. Aliás, do mistério que é a sabedoria – esta mesma que oculta-se quando muito próxima da luz.


Razão essa que, ainda conforme Guthrie (Os Sofistas; 1995: 12), só mereceria seu lugar em absoluto se transcendesse a própria experiência, e os sentidos e aparências humanos, penetrando o véu do sentido divino, e levando à consciência humana verdades que estariam latentes num ser absoluto, imorredouro e universal.


Este ser imorredouro que, vertendo-se como uma torrente imortal, se mostraria numa essência já concebida em seu estado desincorporado e anterior ao próprio homem; visto que o corpo seria a prisão da alma e, de forma direta, a prisão da verdadeira, e absoluta, razão.


Um comentário:

Walmir disse...

Mano blogueiro, boa esta abordagem sobre o velho medico.
Agarrados no fluxo sempiterno das coisas e grudados na diversidade e variacao sem fim das sensibilidades dos cabras todos que somos e demudamos em constante, os sofistas deram com a impossibilidade do saber. Aih, entao, todavia o velho aponta para eles o objeto da ciência: o que eh possivel para a mirrada nossa inteligencia,o que podemos conceituar e definir.
Vou, por aqui, acompanhando sua dissertacao.
De quando em quando vou comentar.
Mas gosto de como vc inicia esta fase.
Paz e bom humor, sempre