domingo, 23 de novembro de 2008

Linguagem: um Possível Problema Cultural...


Parte I


Criador de conceitos que somos, damos valor ao que imaginamos que tenha sido, assim fez Sócrates, assim se fará durante grande parte da História da Filosofia. É onde entra o papel da representação (também um grande problema histórico, lembro-me da Universidade e as acaloradas discussões acerca de Roger Chartier) para nos fazer aproximarmo-nos ainda mais de nossa memória e do legado que, imaginamos, advira dela. Tentando refletir sobre esta questão, caímos diretamente no campo da linguagem e em seus constructos cognoscentes.


Quando se quer fazer de um instante algo duradouro, o primeiro 'movimento' de nosso cérebro é criar signos. Ao criar signos acabamos criando, também, algumas verdades, seja lá na História, seja cá na Filosofia. E estas mesmas verdades são a forma mais visível e factível de que nossa linguagem se faz dar conta, gritando para nós o quanto ela precisa ser notada... e anotada.


A representação que destes signos se forma, dá ainda um aparato maior de sua existência. Ao menos da insistência de uma possível existência. Apenas o brado mais alto consegue se fazer notar. E este brado, como pode ser um alerta, também pode ser uma necessidade falsa e lisonjeira. Falsa no sentido de advir, talvez, de signos errôneos; lisonjeira no seu feitio de bajular a memória para tentar se fazer representação. Representação que se afirmaria na linguagem.


O que governa nossos sentidos é uma veemente necessidade de os auto-afirmar enquanto tais, aliás, os auto-afirmar enquanto seara concreta de algo que está por acontecer. O brado forte que outrora se fez ouvir, nada mais é que a necessidade dessa veemência em fazer-nos existir.


A grande guerra da linguagem é travada perante, e diante, a memória do invíduo. Por mais que se afirmem por aí a validade da linguagem, sempre em sua meta está a intenção de se indispor com a memória. Se o discurso fosse o elemento que traz grau de validade à vida, ele somente poderia pensar o homem como um intenso simulacro. O homem, como sabemos, pode ser muito mais que isso (parece-me que sua genética histórico-cultural apenas constata referida tese), resta a este indivíduo a gana e vontade (e aqui vale a redundância sim; diria até: a redundância apenas reforça nossa tese; pois, é na redundância que se afirma o homem e o discurso que fazemos do mesmo) de se fazer existir.


E por espírito livre, elemento seminal de um outro homem, temos a certeza dessa sua emancipação: "Por esse tempo pode finalmente ocorrer, à luz repentina de uma saúde ainda impetuosa, ainda mutável; que ao espírito cada vez mais livre comece a se desvelar o enigma dessa grande liberação, que até então aguardara, escuro, problemático, quase intangível, no interior de sua memória." (Humano Demasiado Humano: Prólogo; §6)


E esta liberação, como aqui se tentará asseverar, apenas viria se o homem conseguisse romper com alguns elementos da linguagem, essa mesma que vem se acumulando (como um grande e infinito pó) sobre o tempo, e que ainda está aí, ainda antes do homem esteve, trazendo para seu seio o elemento maior de sua auto-afirmação, enquanto espírito que se quer livre, fazendo-se surgir do desvelamento de certa genealogia, os rincões obscônditos da memória.


Logo adiante, Nietzsche afirmará que "nosso destino dispõe de nós, mesmo quando ainda não o conhecemos; é o futuro que dita as regras do nosso hoje" (Humano Demasiado Humano: Prólogo; §7), e apenas poderíamos ter plena ciência de nossa memória se confirmarmos este simulacro, como um círculo, e tão-somente assim teríamos condição de atender o jogo errôneo que se juntara à linguagem para a construção do 'hoje'.


Resta saber se o que validamos hoje como sendo o nosso 'hoje' é realmente o caminho traçado pela memória, ainda antes de sua consecução crítica.


Um comentário:

Walmir disse...

"A grande guerra da linguagem é travada perante, e diante, a memória do invíduo."
Gostei especialmente desta reflexao por emblematica.
Daih derivam as coisas que se fixam e que formam historia/estoria.
Paz e bom humor, sempre, mano blogueiro.
http://walmir.carvalho.zip.net