terça-feira, 25 de novembro de 2008

Linguagem: um Possível Problema Cultural...


Parte II


O futuro que se deseja, enquanto força de um destino ainda por construir, poderia ser a plena libertação deste homem, e a consolidação de um sintoma de espírito livre.


Os pássaros audazes que voam para além do arrecife (Aurora: §675) querem sempre ir mais longe, pois lhes parece que há um destino - quiçá, um futuro - ainda a ser conquistado. Coincidência ou não, parece que voam inspirados por uma memória escondida; jamais esqeucida: "Entretanto, todos os nossos grandes iniciados e todos os nossos precursores acabam por parar e o gesto da fadiga que pára, não é das atitudes mais nobres e mais graciosas: isso vai acontecer tanto para mim quanto para ti!" (Aurora: §675).


Não seria essa fadiga uma espécie de arma da linguagem para fazer valer sua vontade? Outra questão que se levanta; até que ponto também nossa memória não foi contaminada por essa verdade? O próprio fato de isso vir a acontecer - a fadiga, no caso - tanto para mim quanto para ti, já não está nos dando uma pista de como o signo ainda estaria afirmando sua vontade?


Um triste pesar, e um leve penar. Ambos sofrimentos e angústias que poderiam contribuir para a bancarrota do projeto.


E ainda, a melancolia de que tal projeto se dá como uma melancolia pelo futuro, além de uma fadiga por este presente sempre pretérito.


A cultura, e todas as informações que foram se acumulando ao longo da civilização, ainda deixam seu bafo morno nos dizer que o pó via muito alto.


E o sofrimento para com o passado de nossa cultura, seria outro elemento relevante para a constituição dessa linguagem que, apesar de parecer, pode não ser nossa: "Quem percebe de modo claro o problema da cultura, sofre de um sentimento semelhante ao de quem herdou uma riqueza adquirida legalmente, ou ao príncipe que governa graças às violências de seus antepassados. Pensa com tristeza em sua origem, e com frequência tem vergonha e fica irritado. Todo o montante de energia, vontade de viver e alegria que dedica ao que possui é muitas vezes contrabalançado por uma enorme fadiga: ele não consegue esquecer sua origem. Olha o futuro com melancolia; os seus descendentes, ele já sabe, sofrerão do passado assim como ele. (Humano Demasiado Humano: §249)


Assim como o sofrimento de algo incerto, o fato de termor um futuro que nos faça nos envergonhar do mesmo, traz para o pássaro que tenta ir além do arrecife, talvez seguindo sua memória, uma espécie de ressentimento melancólico. Há ainda por traz dele muita coisa ainda a escavar. Tal como um arqueólogo, é preciso tirar as pistas do limbo escuro e esquecido, do pó que tomou todo o passado.


Um comentário:

Walmir disse...

O texto eh instigante mestre, merece reflexao. O sofrimento possivel do incerto futuro e o desalento de um passado que mina o atual.
Pensar eh boa coisa, coisa boa.
Paz e bom humor, sempre
http://walmir.carvalho.zip.net