segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Algumas Observações Sobre a Filosofia no Ensino Médio.





Não é fácil apontar todos os fatores que alimentaram e potencializaram a relação entre o pensamento mítico e o filosófico, na Grécia Antiga. A escrita, por exemplo, ajudou a sistematizar o conhecimento e o discurso político, além de favorecer o desenvolvimento de uma linguagem filosófica-científica. O comércio foi outro agente dinamizador da necessidade de se criar uma linguagem com características universais. Desenvolvida prioritariamente na península Balcânica, a mais oriental da Europa, a civilização grega desenvolveu-se pelas inúmeras ilhas da região, o que deu origem às chamadas cidades-estados (polis). Com o desenvolvimento econômico de cada polis, surge também a necessidade de troca entre cada uma delas, o que será realizado com as navegações marítimas. Desse processo nasce uma necessidade maior do uso de uma linguagem comum e geral entre os povos que navegam em nome do comércio.


Por volta dos séculos VI e V a. C., muitos pesquisadores do conhecimento e das ciências naturais pegam “carona” com os comerciantes gregos e passam a conhecer diferentes culturas. O desafio agora é incorporar conhecimentos de outras culturas e traduzi-los a uma linguagem que, em tese, possa ser compreendida por qualquer homem, de qualquer cultura. Surge, assim, a necessidade de se produzir um pensamento universal. 


Diferentemente do mito, que é narrativo, a Filosofia começa a dar prioridade ao pensamento argumentativo. No caso, o mais importante é a concatenação lógica das ideias, as quais devem seguir uma relação causal necessária.

No caso de Ulisses e da construção do Cavalo de Troia, vemos um claro exemplo do domínio do universo mítico sendo, aos poucos, ruído pela racionalidade humana. Quer dizer, no interior do universo narrativo da Odisseia, o grande poeta Homero planta a contradição entre o racional e o mítico, entre o plausível e o fantástico, entre o possível e o impossível. Os homens não podem simplesmente “transmutar” ou flutuar pelas muralhas de Troia; isso cabe apenas aos deuses. Como o mundo dos homens e de seus interesses econômicos está cada vez mais presente entre as preocupações do homem grego, Ulisses torna-se um dos arautos intelectuais das novas realidades materiais e sociais do mundo grego. Para o soldado grego existia uma realidade concreta a ser superada, os muros de Troia; para os comerciantes gregos também foram as limitações concretas que impulsionaram o desenvolvimento da tecnologia marítima para romper as barreiras dos mares.

No plano das ideias, as contradições entre pensamento racional e pensamento mítico traduzem-se numa nova conceitualização da verdade. O mito, como fenômeno regional, traz a verdade de cada cultura para si mesma, pela passagem de uma geração a outra. Portanto, o que a tradição deixa de herança traduz sempre a realidade vigente. O pensamento filosófico, por outro lado, pretende se desprender da tradição por meio do uso instrumental da razão. Ora, para o comerciante e os filósofos-cientistas (pré-socráticos), ficar preso às tradições significa ficar preso às autoridades religiosas dos sacerdotes e, portanto, de cada religião predominante em sua respectiva cidade-estado.

Aqui podemos fazer um paralelo entre a relação do homem moderno e do homem grego com o pensamento mítico, mas não sem dizermos que o homem da modernidade europeia tem uma herança da cultura do pensamento racional que o homem grego não tem. Quer dizer, interesses sociais, materiais e econômicos existiram nos dois momentos históricos, mas cada um na sua devida proporção e contexto.

O homem moderno detém novos meios de conhecimento, a cartografia moderna, por exemplo, e meios tecnológicos mais eficazes do que o homem grego.

Com o uso de novos mapas, novos navios e de uma religião unificada, o cristianismo, o homem moderno europeu potencializa sua expansão marítima e a difusão do seu modo de pensar. Aqui devemos ressaltar para o nosso aluno que os interesses imperialistas do homem moderno ficam muito mais evidentes do que os interesses dos comerciantes e cientistas gregos, posto que temos muito mais referências bibliográficas sobre a expansão marítima da Europa Moderna do que da Grécia Antiga.

Além de o homem moderno europeu ter seus próprios mitos, como os mitos advindos de interpretações cristãs acerca da criação do mundo, do homem e do universo, ele se depara também, ao promover as expansões marítimas, com os mitos dos chamados povos primitivos. Aliás, mais do que isso, nesse contato com os povos primitivos novos mitos são criados. Dois deles são os mitos do “bom selvagem e do mau civilizado” e o mito do “mau selvagem e do bom civilizado”. No primeiro caso, alguns europeus cultos, que estavam descrentes de sua cultura, exaltavam o primitivo e sua maneira de viver. No segundo caso, o civilizado europeu desacreditava a cultura do primitivo, alegando que seus hábitos sexuais eram imorais, que seus hábitos alimentares eram bárbaros e que sua religião era perversa, devido a alguns relatos de canibalismo. Posteriormente, parte dessas interpretações equivocadas foi sanada pela etnografia; contudo, de maneira geral, a segunda interpretação teve mais força e ajudou a legitimar a dominação europeia sobre os povos primitivos.

A primeira coisa que o homem europeu moderno faz ao ocupar o continente americano, por exemplo, é comparar os costumes dos povos nativos com os costumes europeus. Essa comparação, como não é difícil de se imaginar, caminha, em sua grande maioria, para a depreciação da cultura do “outro”, o que leva, inevitavelmente, ao etnocentrismo. Os povos primitivos são descritos sempre como “os sem escrita”, “sem Estado”, “sem comércio”, “sem história”.

Everardo Rocha em O Que é Etnocentrismo, nos deixa a seguinte informação sobre o Etnocentrismo: “Etnocentrismo é uma visão do mundo onde nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, esses dois planos do espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente encontrável no dia a dia.”

A homofobia é o traço mais duro e terrível do etnocentrismo, é no outro diferente que mostramos o quanto o monstro somos nós. É como se não tivéssemos condições intelectuais de entender uma "cultura" que seja diferente da nossa. O fato de termos em nossa formação uma cultura extremamente masculinizada e machista, coloca quaisquer outros grupos, que não os compartilhados pelo machismo desta cultura, como sendo inimigos dignos de ódio, estranheza, medo e hostilidade. O ser humano deixa de ser mais importante que as suas escolhas, sejam elas quais forem... desde que agridam o statu quo da sociedade, precisam, também, serem agredidas. É no tratamento em relação ao outro, tratado como monstro, às vezes, como doente que se desenvolvem os preconceitos em relação a sua escolha sexual. 

A primeira coisa que devemos destacar é a característica cosmológica do mito, isto é, o mito relata a origem das coisas, tais como o mundo, o mar, o céu e o próprio homem. Diferentemente do tipo de pensamento lógico-racional, o mito segue um “por que” que diz respeito apenas ao seu universo fantástico, não seguindo necessariamente uma relação causal.

O interessante aqui é demonstrar como questionamentos de caráter lógico não dão conta de acessar a completude do universo mítico.

Outra coisa que se pode ressaltar é o fato de que não é apenas o trabalho braçal que é penoso, desgastante. O trabalho intelectual também cansa, também é penoso, mas também tem suas recompensas. Basta que o professor lembre os alunos do desgaste que eles têm ao realizar uma prova longa e difícil, ou quando devem resolver um exercício de grande complexidade; a satisfação que se tem vem da aquisição do conhecimento, da superação da dificuldade e da beleza da descoberta.

Segundo Gramsci, em Cadernos do Cárcere: “[...] é preferível ‘pensar’ sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, ‘particular’ de uma concepção do mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...] ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?

Afinal, filosofar, é, também, não aceitar como verdadeira qualquer ideia sem antes submetê-la à dúvida, à investigação, à reflexão crítica e rigorosa. Ora, isso significa que para demonstrar com consistência a utilidade da Filosofia, ou de qualquer outra coisa, já teríamos de filosofar.

Com base meramente nos resultados, o senso comum legitima tudo aquilo que ganha o rótulo de “científico” como sendo o que de mais seguro se pode ter a serviço da sociedade. Daí, tudo que “não tem comprovação científica” é desacreditado e vai para o limbo com status de subconhecimento.

Quando se determina um tema, ou mesmo se pensa em estudá-lo, subjetivamente já estamos fazendo uma escolha, e isso já quebra a noção de neutralidade da ciência. O ato de refletir, nesse sentido, significa voltar nosso pensamento a nós mesmos, e é neste momento que começamos a desenvolver o pensamento científico-filosófico. Mas, para isso, temos que nos desvestir de nosso próprio preconceito. Temos que fundir nosso saber, ainda prenhe de preconceito e lugar-comum, e começar a refletir sobre nossa posição de produtor de conhecimentos que somos. Precisamos pensar, novamente, no que já foi pensado.

Assim, ao partirmos de nossos saberes próprios, automaticamente, estamos nos despindo da neutralidade científica. Fora isso, a autora também apresenta que as verdades absolutas, tão buscadas pelo homem na história da ciência não se concretizariam, pois, a ciência jamais cria verdades absolutas, por isso mesmo é importante destacar tal informação. Enfim, não há como afirmar que a ciência não consegue fugir da neutralidade, pois isso apenas reforça a noção de cientificismo, e como o exemplo de Mengele, havia uma busca científica tendo como base o preconceito que Hitler tinha com relação aos judeus. Houve avanços com o nazismo, embora este avanço tenha vindo com uma total falta de neutralidade da ciência.

Para Humberto de Oliveira Guido, em A Filosofia no Ensino Médio: “O exercício da filosofia é alcançado com o método filosófico; seja ele dialético, fenomenológico, existencialista, racionalista ou qualquer outro que se inscreva no universo da história da filosofia. Esta é uma grande diferença em relação à visão dogmática de ciência disseminada pelas escolas: o método científico é único e, consequentemente, não há espaço para a pluralidade de paradigmas. Em filosofia não há – ou não deve haver – esse dogmatismo cientificista, pois não há filosofia, mas sim filosofias, uma sucessão de reflexões e argumentações que tomam o ser e o conhecer como objetos da atividade filosófica (...). No currículo tradicional, a ciência é a solução definitiva de um determinado problema. Na filosofia, ao contrário, a finalidade não é – imediatamente – a solução do problema; o que motiva a solução filosófica é o conhecimento do problema. A história da filosofia apresenta esse progresso constante e ininterrupto; uma nova filosofia almeja solucionar o problema que foi herdado da filosofia anterior, e assim deixa o seu legado para a filosofia futura: um novo problema a ser resolvido. Tal situação foi muito bem retratada por Marx em sua afirmação: 'a humanidade só se propõe às tarefas que pode resolver, pois se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já existem, ou, pelo menos, são captadas no processo do seu devir'.”

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