sábado, 4 de abril de 2009

O Eu sem o Outro: O paradoxo de nossa sociedade

Em nossa sociedade atual temos medo de viver em autonomia. A liberdade não é mais desejada, e sim sentida como perigosa. A participação política é um fardo, uma ocupação cansativa que onera o já oneroso cotidiano do trabalho. As pessoas se fecham dentro de si mesmas, se recolhem à segurança de suas vidas privadas e privativas, ao recanto da intimidade. O outro se tornou um incômodo, um excesso que não se pode mais perder tempo com ele.


Pensar no outro é perder tempo com a própria vida, com seus próprios problemas pessoais. O altruísmo é um luxo, nos contentamos apenas em lamentar as mortes, as desgraças e infortúnios alheios que aparece aos montes na televisão e nos meios populares de imprensa. Isso é um sintoma do pouco valor que damos aos fatos alheios a nossa vidinha, pois se nos afetassem realmente, jamais conseguiríamos dormir em paz depois de assistir ao telejornal.


Ao contrário, trata-se de um anestésico que ao mesmo tempo em que nos dá a falsa impressão, aos outros e a nós mesmos, de que nos importamos com o além de mim e de que os outros se importariam comigo, também nos passa a idéia de que sentimos muito, mas não podemos fazer nada, pois nossas obrigações individuais nos tiram todo o tempo que teríamos para pensar e ajudar o outro efetivamente.


Existe em nossa contemporaneidade uma cisão entre o eu e outro, componentes do indivíduo na modernidade clássica. Vivemos o indivíduo-eu e é óbvio que isso nos impossibilita de vivermos em sociedade e ao mesmo tempo que tentamos recusá-la, fugir dessa sociedade que negamos, da necessidade do outro, da complementação do eu, refugiando em si mesmo, reivindicamos internamente, inconscientemente a alteridade do outro aquela mesma que nós mesmos negamos. Transferimos a nossa responsabilidade para outro, para o governo, para o patrão, etc. É, em suma, um beco sem saída.


Não queremos romper com a nossa rotina torturante e talvez nem podemos, pois essa mesma rotina aprisiona a imaginação para além dela, de nós mesmos. Como no mito de Ulisses que tentava libertar seus companheiros do feitiço que os transformaram em porcos e quando os mesmos ficaram sabendo que ele tinha o antídoto, fugiram todos se recusando a serem libertos do estado animal em que estavam.


Atualmente, nos recusamos a sair da caverna, pois a luz nos dá medo, nos assusta. As trevas, ao contrário do que os filmes de terror propagam, nos dá segurança e calma. Sem a luz para nos mostrar o que nos assusta não podemos nos assustar. É como na casa do terror de qualquer parque de diversão, sem a luz não podemos ver as caveiras, os vampiros é só com a luz que podemos gritar de medo. Se não podemos enxergar, logo não podemos decidir, nem opinar e nem andarmos por conta própria. A desresponsabilização é um porto seguro que embora não nos traga aventuras também não nos traz riscos. Preferimos nos submeter aos erros cotidianos de vidas sem sentido a termos a responsabilidade de impormos a nós o nosso próprio sentido.


O aluno com medo de aprender se esconde em sua ignorância. É como se a vergonha de cair da bicicleta fosse tão terrível a ponto de preferir nem tentar aprender a andar de bicicleta. Por isso, o videogame é o brinquedo da nossa época, porque só socializamos o jogo quando já o dominamos, não há a vergonha dos erros, pois não se compartilha o jogo antes de aprendê-lo na solidão. A interação, se é que podemos chamar dessa forma, a relação entre menino e a máquina é passiva, sem comentários, sem críticas alheias. Os jovens de hoje não estão preparados para crítica, toda contrariedade é tida como ofensa ou maledicência, por isso, mais do que antes se refugiam em hábitos fabricados pela mídia ou pelos produtores de comportamentos do momento. Nada é mais seguro do que fazer o que todos fazem.


É por isso também que a customização é uma marca de nosso tempo, ao mesmo tempo, em que imitamos os produtores de comportamento adaptamos a nossa individualidade, aquilo que é só nosso, ou que achamos que seja, pois a customização também se massifica, pois é, por outro lado, a retroalimentação do mercado, o aproveitamento de seus dejetos para novos fins, é a multiplicação dos pães das mercadorias, é a reprodução infinita dos mesmos por meio da mudança de detalhes que pouco os diferenciam, um corte aqui outro acolá, um descosturado na coxa outro no joelho e assim a mesmice e a uniformidade é reproduzida como se não fosse o mesmo e nem o uniformemente igual.


A beleza, hoje em dia, está na ignorância, no não-saber.


A liberdade é poder fazer igual aos outros.


A paz é não ser importunado por problemas alheios.

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