quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Sobre a Liberdade – por Mill



Parte II

O quase antagonismo advindo da dualidade liberdade/autoridade, desde remotas datas, sempre foi o estopim para grandes revoltas, além de uma justificação para a noção e o comportamento do que estamos chamando de Liberdade Civil.

Tentando combater inimigos criando outros; grande estratégia dos Tempos: em boa parte do processo histórico no qual se envolveu a luta pela liberdade, deu-se a contrapelo de direitos individuais. Condições humanas, por vezes antagônicas aos direitos coletivos, ficavam preteridas, criando tiranos para combater tiranos.

Opressão e abuso de poder podem ser instrumentos de liberdade – ainda mais quando o que se está no horizonte é o nascimento de um novo tirano –, visto que um governo representativo, não-necessariamente, representa a população, nem mesmo seus compatrícios. O objeto da Liberdade Civil, como demonstra o tempo dos homens, nunca foi a Liberdade, nem tampouco a unanimidade; foi sim a legitimidade de determinado poder. Situação que sempre se mostrou como objeto instrumental de um coletivo, nem sempre responsável pela coletividade.

Mill nos dirá, com referência a este evento, o seguinte: Há um limite para a interferência legítima de opinião coletiva com independência individual; e encontrar este limite, e mantê-lo contra qualquer invasão é tão indispensável para uma boa condição de questões humanas, quanto à proteção contra o despotismo político. E este mesmo limite, por mais que seja algo contraditório, é o que dá garantias à liberdade, e a nós, em sua busca no coletivo. Situação muito estranha quando o que está em jogo seria a perpetuação de certos poderes, em detrimento de algum tipo de renovação, ou ainda a manutenção de determinados vícios.

Por isso mesmo, a existência de cada pessoa só demonstra sua importância dentro do coletivo, legitimando certa individualidade, apenas quando do reconhecimento do limite alheio, e somente para isso. Por este motivo, ao pensarmos em limite, também estamos nos referindo às restrições que parecem ser inerentes à Liberdade. Apenas por meio de restrições é que a Liberdade Civil se afirma.

Ao penalizar o outro, dando-lhe condições de exercer sua liberdade, e a de quem o está penalizando, nada mais fazemos que compartilhar de uma sociedade que tem seus fundamentos morais, externos, e em desagravos e tolerâncias que tão-somente a si – e a seu grupo dominante – compete.

Mas, o mais interessante deste condicionamento social, que dá lugar à Liberdade, é o local onde sua primazia passou a ser maior que as individualidades. Apenas na religião temos um grande ornitorrinco se empenhando em dar à humanidade sentimentos que a todos deveria se coadunar, convergindo antagonismos individualizantes... outro problema: da doutrina se faz a Liberdade. E da Liberdade se faz a vida: seja ela coletiva ou individual.

Ainda pensando na religião, atenção para o fragmento a seguir, ainda em Mill, pois o mesmo faz uma ótima referência de como os códigos doutrinais e religiosos poderiam se confundir com alguns hábitos dos promotores das Liberdades Civis: Eles [referindo-se à casta que coordena a Liberdade Civil] preferiram empenhar-se em alterar os sentimentos da humanidade nos pontos particulares onde eles próprios eram heréticos, do que em produzir uma causa comum em defesa da liberdade, geralmente com heresia. O único caso onde o fundamento superior foi adotado como princípio e mantido consistentemente, por qualquer indivíduo aqui e ali, é o da crença religiosa: um caso instrutivo de muitos modos, e não menos em relação a um exemplo de falibilidade surpreendente daquilo que chamamos senso moral: pois o odium theologicum, em um beato sincero, é um dos caos mais inequívocos de sentimento moral.

Por que não pensarmos neste tal de senso moral a partir de agora? ...

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