Antes de falarmos acerca da
pós-modernidade, faz-se mister esclarecer qual a origem deste conceito.
Traçando um histórico filosófico do
mesmo, temos em Platão a primeira noção de racionalidade, intimamente ligada
com a nossa discussão. Platão, ao diferenciar corpo e alma (alma seria a
razão), verticaliza as duas noções, sendo aquele a carcaça desta e, como tal,
apenas um ato da alma (neste momento busco Aristóteles), ou mesmo um
receptáculo.
Esta noção permeará todo o Medievo,
sendo questionada, primeiramente, pelo racionalismo cartesiano, onde a noção de
que o corpo é mera ação da alma cai por terra, mas ainda existe a
hierarquização verticalizada, inaugurada por Platão e, consequentemente, por
sua Academia. Esta noção de racionalidade (cartesiana) é, segundo estudiosos do
tema, o advento da modernidade.
No entanto, é com o Iluminismo do
século XVIII que esta caracterização ganhará uma intencionalidade, surge então
a preocupação com o trabalho, ou seja, a racionalização pretende domesticar no
corpo para o trabalho (palavras de Foucault, um dos questionadores da
modernidade), aumentando a lucratividade das classes dominantes.
Por outro lado, do ponto de vista
religioso, a modernidade exclui as religiões do contexto científico, logo, do
contexto racional. É o que os teólogos chamarão de secularização da sociedade.
Já no século XIX surgem os primeiros
questionadores dessa noção de modernidade; Marx do ponto de vista econômico e
Nietzsche do ponto de vista religioso (inclusive, cogita-se que Nietzsche,
inspirado em Espinoza, seria o precursor da noção pós-moderna de sociedade). Em
contrapartida, temos um dos cumes máximos da modernidade, Auguste Comte com seu
positivismo científico.
Segundo Habermas, apresentando
Nietzsche:
“Nietzsche deve seu conceito de modernidade, desenvolvido
em termos de uma teoria do poder, a uma crítica da razão desmascaradora que se
coloca a si mesma fora do horizontes da razão. Essa crítica dispõe de uma certa
sugestividade porque apela, pelo menos implicitamente, a critérios tomados das
experiências básicas da modernidade estética.” (2002: p.139)
Como se percebe, a maior crítica que
Nietzsche faz, sobre a modernidade, é a religiosidade que se expressa no culto
da razão. Alija a religião das linhas de conhecimento, mas no entanto, endeusa
a razão. Desnuda um santo para vestir outro.
Talvez a questão mais forte da
pós-modernidade seja a crítica da razão, que em Marx surgirá como a crítica à
razão do capital. Não que esteja afirmando que Marx seja pós-moderno, embora
critique alguns viezes da razão Iluminista.
Após esta breve introdução, gostaria
de chamar Harvey (1999) para a discussão.
Sendo autêntico ao pensamento de
Harvey, pode-se dizer que a pó-modernidade, como condição histórica, por ser
advinda do homem e suas relações socioculturais, acaba descambando na estética,
triunfando assim sobre a reflexão ética e os juízos morais e científicos,
reflexo mais imediato da superacumulação do capital. Crise que gera uma típica
sustentação da efemeridade e da fragmentação, saindo do “âmbito dos fundamentos materiais e político-econômicos” (1999:
p.293) passando para as considerações e recrudescimento do individualismo e
suas práticas e políticas culturais autônomas.
Neste sentido, com o propósito de
reforçar sua tese, Harvey busca Marx e teoriza com base na metanarrativa que,
de acordo com o autor, fora formulada pelo Materialismo Histórico Dialético.
Retomando a tese de Harvey, o
pós-modernismo surgiu em meio a uma economia de aparências, onde a estética
traria novas “verdades” que a sociedade estadunidense queria, enquanto se
descobria as sujeiras do presidente Ronald Reagan, somente a representação,
imposta pelos meios de comunicação, traria o tom da verdade, era como se fosse
uma economia de espelho, em que o refletido valeria mais que o acontecido.
Neste contexto, segundo Harvey, surge a estruturação do conceito de
pós-modernidade.
A construção e a exibição de imagens
políticas é a condição primeva para a eclosão da sociedade pós-moderna. Indo
mais longo, a economia pós-moderna desconstrói instituições tradicionais do
poder da classe trabalhadora; é como se houvesse uma descaracterização da
pobreza, em consoante com a caracterização da estética.
Abrindo aqui um hiato, até mesmo com o
propósito de comentar esta assertiva, o que se detecta no discurso de Harvey é
uma intensa tendenciosidade por parte de sua suposta formação intelectual (que
no caso seria o marxismo). Atualmente, ficou mais do que claro que a
pós-modernidade, apesar de recrudescer o individualismo, não deve ser encarada,
unicamente, pelo viés do Sr. Harvey, ao contrário, faz-se necessário buscar
novas nuances que, somente, a parte estética, é fato que a estética é muito
visada pelo pós-modernismo, porém seria incongruência ater-se somente a este
lado.
Peguemos como exemplo a noção de
Habermas (2002) onde, ao apresentar a crítica da razão, o faz com o propósito
de desconstruir aquilo que fora pensado e arquitetado pelos iluministas,
momento em que a racionalização seria o norte do trabalhador e suas atividades.
A noção de humanização fica
muito patente no discurso de Habermas, uma vez que, só ao desconstruir a
unicidade da razão, em detrimento do corpo, é que o trabalhador pode se
libertar da estereotipação que lhe fora imputada pela modernidade e seu visível
atrelamento à burguesia incipiente; cria-se uma teoria para justificar um
propósito.
Deixando de lado as picuinhas, o que
nos é mostrado pelo Sr. Harvey, infelizmente, somente se caracteriza pela
vestimenta economicista, isto é, existe um determinismo insidioso latente no
discurso do mesmo. Se formos encarar a pós-modernidade do ponto de vista
histórico, o próprio Marx, cansativamente citado por Harvey, nos apresenta a
noção da dialética, tão fértil para a desconstrução do discurso deste último.
É fato que o pós-modernismo faz uma bricoleur de seus objetos, onde nem
sempre se preze por uma congruência semântica, no entanto, ao utilizarmos disso
com o propósito de questionar a razão modernizante, se inverte, a incongruência
delimitará o teor do projeto, ou mesmo de alguma intencionalidade. Não aceitar
esse bricoleur, segundo concebo,
seria uma forma de manter a estrutura hierarquizada da sociedade, imagino que a
pós-modernidade exaspera essa reles questão.
Neste momento busco Nietzsche; se o
homem é pulsativo, por que impor-lhe um rigor racional e modernizante? As
vezes, o corpo pode oferecer muito mais que uma mera disposição, racionalmente
caracterizada.
Gostaria de deixar claro que não estou
defendendo a pós-modernidade, muito menos excluindo-a de minhas preocupações
intelectuais, todavia, por ser um momento ainda imediato, muito ainda temos que
estudar para compreendê-lo. Concordo com Harvey a respeito do consumismo que
esta sociedade de aparências tem imposto aos homens, mas fazer disso um
determinismo econômico de luta de classes é, minimamente, empobrecer o
conceito. Seria este meu ponto de divergência com o autor. Ainda precisamos
conhecer melhor a pós-modernidade e todas as suas nuances, preocupação que,
involuntariamente, o Sr. Harvey deixa de lado.
Já no final de seu livro, ele ameniza
a situação, invocando o vir-a-ser, entretanto, ao fazer isso, percebe-se que é
uma tomada de posição à neutralidade, ou em outras palavras, ele não toma
posição, deixa vir o que tem de acontecer, tentando se desonerar de um discurso
elucidativo. Neste sentido, Harvey cria um clima de mea culpa.
Enfim, a afirmação de ausência de
ética, cansativamente apresentada pelo autor, será o norteador de sua critica
da pós-modernidade.
Não seria este momento de
transição o rejeitar de uma ética burguesa tradicionalista e conservadora? Em
contrapartida, o despontar de uma ética mais humanizante (que este humanismo
seja encarado como a caracterização de um ética voltada para o engrandecimento
do homem, não para o engrandecimento da causa burguesa, tal como nos mostrou o
Iluminismo), onde o homem possa se auto-descobrir dentro de uma moral própria,
que interferirá na ética coletiva?
Seria irresponsabilidade de minha
parte encerrar este assunto com uma conclusão, porém, espero que tenha
conseguido lançar alguns questionamentos plausíveis, rumo à ética dominante.
Uma vez que vivemos em um período de
transição, nada como esperarmos o vir-a-ser como o amor fati nietzschiano (2000), onde o homem faz seu destino de
acordo com sua intromissão no social.
Bibliografia Utilizada
HABERMAS,
Jürgen (2002). O Discurso Filosófico da
Modernidade (5 ed.). São Paulo: Martins Fontes (Coleção Tópicos).
HARVEY,
David (1999). A condição pós-moderna (Cap. IV). Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, pp. 291-326.
NIETZSCHE,
Friedrich (2000). O Nascimento da Tragédia...
São Paulo: Cia. das Letras.
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