Considerações Preliminares
Ao se trabalhar com
História Local, os pesquisadores têm feito o desvelamento de um espaço repleto
de intrigas e sempre presente.
Quando
menciono a expressão ‘um passado sempre presente’, tento mostrar o quão
complicado é lidar com a História de uma estrutura de poder muito próxima com
nossa realidade. É fato que o historiador não deve se imiscuir de apresentar a
verdade, uma vez que esta verdade também seja compartilhada por um grupo maior
de pessoas e, ademais, esteja caracterizada pelo compromisso que o pesquisador
assume quando se dispõe a questionar determinadas estruturas de poder,
destarte, estruturas que mascaram determinados eventos e situações.
A
presença constante de uma força que cerceia, ou mesmo, se usufrui de espaço
urbano, em benemérito próprio, pode amedrontar o historiador, como de fato, em
alguns casos o faz. É este o cuidado que deve-se tomar com relação a um passado
que ainda percorre, com seu olhar inquisidor, as ruas da cidade, ou melhor, um
passado ainda presente e vivo.
Mas,
acima destas intrigas, faz-se mister apresentar o quehacer da História Local. Surgida com a preocupação de oferecer
maiores subsídios para a compreensão do que está mais próximo, a mesma tem
desenvolvido um referencial metodológico próprio e envolvente. Este
referencial, ao abarcar uma série de fatores, se auto-constrói com base em
memórias (principalmente a chamada História Oral), crônicas, atas, jornais e
revistas. A documentação, estando mais próxima, a densidade do conteúdo se afirma
com maior veemência e, ademais, a análise das experiências adquire uma
abrangência maior e mais precisa.
Segundo
Rodrigues:
“Enquanto a História Nacional e mesmo Regional
oferece uma visão de macros acontecimentos e de narrativas que abarcam períodos
históricos maiores, a História Local tem se preocupado com as circunstâncias
cotidianas, com o fragmento, o inusitado, o particular e o específico.”
(RODRIGUES, 1996)
Esse
microcosmo apresentado acima confere ao estudo um maior aprofundamento e,
consequentemente, a verossimilhança adquire uma densidade mais precisa. O micro
surge mais límpido aos olhos do pesquisador e, neste bojo, traz à luz os
eventos da cidade e sua estrutura histórica.
A
precisão do lugar da História desembocará na precisão de um micro-universo, as
vezes ferino, outras ideologizado e, principalmente, sempre marcado pela
organização de forças.
Ao
trazer a História para o âmbito local, os agentes dessa História se enxergam.
Aquele discurso de que não fazemos História cai por terra, é visualizada uma
estrutura onde sujeitos mais precisos se encontram. Não existe o grande
general, nem mesmo o mito ou o herói, mas sim o sujeito simples, comum e seu
cotidiano peculiar. O Outro deixa de ser o objeto da História, neste momento o
Eu também se transforma em objeto e agente dessa História.
Outrossim,
surge o estabelecimento dialógico entre o geral e o particular. Os momentos
históricos que vêm descritos nos livros didáticos passam a se aproximar mais de
nossa realidade, uma vez que, é no microcosmo que a justaposição de poder
estrutura uma História mais generalizada. Aquilo que ilustra o livro didático
pode ter se iniciado nas ruas de minha cidade, no entanto, estas ruas nem
aparecerão na escrita.
Histórico da História Local
Segundo
Goubert (1992), a História Local tem no século XVIII seu grande descenso, uma
vez que é neste momento “(...) que as
idéias começaram a circular mais depressa e os homens a se deslocar mais
rapidamente (...)”. Anteriormente, como a locomoção humana era mais lenta e
mais difícil, a grande preocupação que perpassava a cabeça destes homens e
mulheres era sua circunvizinhança, eis o motivo de privilegiarem a História
Local. Estas pessoas tinham um universo sensível muito limitado, seu mundo era
amarrado a sua condição geográfica (quando se distanciava muito chegava-se ao
povoado vizinho), necessitando da localização geográfica para afirmação de seu
conhecimento, ou seja, os locais de conhecimento eram bastante limitados. A
grande preocupação era compreender melhor sua pequena vila, para dela se
usufruir da melhor maneira possível. Como as notícias tinham uma lentidão muito
grande de circulação, acabavam ficando limitadas à espacialização geográfica
dessas pessoas, ou ainda, de seus povoados.
Segundo
Goubert:
“Numa vida assim restrita, as atividades
intelectuais de pequena minoria se tratavam ou de meditações sobre os textos
antigos, especialmente gregos e romanos, ou de História da região, entendida
como a terra da família.” (GOUBERT, 1992: p.46)
Dessa
forma, as grandes preocupações tendiam ao micro, trazendo ao caráter histórico
uma precisão mais veemente e às pessoas envolvidas um maior aprofundamento das
características físicas e culturais de suas localidade.
Já no
século XVIII começaram a surgir diversas publicações sobre a História Local,
entretanto, tais discussões não passavam de hagiografias, isto é, endeusamento
de determinados indivíduos, por meio da biografia, com o propósito de eternizar, quiçá,
imortalizar algum nome, ou mesmo ‘grande homem’. Segundo Goubert, este seria o
motivo deste tipo de História ter entrado em descrédito já no início do século
XX, uma vez que a preocupação se direcionava às elites de determinada
localidade, seu interesse não se mostrava mais tão patente.
Em contrapartida, com o
Positivismo, começava a se afirmar a preocupação com a História Geral e os
grandes feitos de estadistas. A História passa a ter um direcionamento mais
universalizante. Já em meados do século XIX, a preocupação com o universalismo
toma conta de todos os estudos, ou mesmo escritos literários, de grande parte
dos autores europeus. Essa tendência começou a se espalhar pelo mundo e veio
lançar seus reflexos nos rincões brasileiros.
No
Brasil, em meados do século XIX, passa a existir a preocupação pela História
brasileira, é criado o IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
instituição oficial que tinha na figura de Dom Pedro II o grande idealizador;
inicia-se o forjamento de uma memória para o povo brasileiro. Criado em 1838
tinha a preocupação de metodizar, arquivar e publicar a História e Geografia
brasileiras.
Segundo Guimarães &
Holten:
“Ao longo do
século XVIII, em diversos países, intensificou-se a criação de academias,
consagradas ao estudo da história nacional e ao desenvolvimento da cultura
científica. Este movimento intelectual conheceu sua plenitude nos anos
oitocentos, quando tais instituições começaram a se voltar para o exterior,
trocando informações e publicações, atravessando fronteiras e até mesmo
continentes. Entre algumas dessas sociedades científicas, entretanto, os
contatos foram além do intercâmbio formal de conhecimentos, revelando a
existência de interesses comuns mais abrangentes.” (GUIMARÃES & HOLTEN,
1997: p.2)
Segundo
percebo, é a partir deste momento, com fortes inspirações Positivistas (já em
seu estágio prévio), que a História brasileira começa a ‘existir’
profissionalmente, até então essa preocupação ficava amalgamada nas mãos de
jornalistas, juristas, viajantes e narradores extra-oficiais. Ou em outras
palavras, a História brasileira surge sem a preocupação do local, é fato que em
várias cidades do país este trabalho já estava sendo desenvolvido, todavia,
enquadrado nas informações acima citadas, a saber; devido a limitação
geográfica de nossos primeiros ‘historiadores’ locais.
A Importância da História Local
Ao
sustentarem a tese de que uma História séria deveria se respaldar na precisão
dos fatos, a HL passa a ser vista com novos olhos, uma vez que, fatos precisos
devem ter uma dimensão espacial e temporal bem próximos, cria-se essa
reestruturação. O pesquisador começa a se preocupar com as proximidades de seu
objeto de estudo, neste sentido, a cidade ganha novas luzes e o Local mais
espaço.
Talvez
a grande importância da HL esteja no fato de apresentar melhor uma estrutura
que interfere no dia-a-dia das pessoas. Assim, o Local traz à cena, além da
precisão dos fatos, a preocupação diuturna de uma sistemática de poder, podendo
o mesmo ser utilizado, inclusive, como arma de proteção e cobrança por parte
dos indivíduos, e ainda, das associações de bairro.
Entretanto,
segundo Rodrigues (1996), há um detalhe, por parte do historiador, que precisa
ser melhor observado. Além do tempo histórico que, talvez não seja o mesmo dos
grandes eventos da História Geral, muitas vezes é detectado o problema da
escassez de fonte e, ademais, do desmazelo destas. Inúmeras cidades ainda não
desenvolveram a preocupação por seus patrimônios público e memorial, não
dispondo de arquivos organizados, nem tampouco de uma estrutura política que
privilegie esta memória.
Outros
cuidados dizem respeito à metodologia e contextualização para trabalhar o
Local, no âmbito da História Nacional, como a falta de bibliografia sobre o
tema, além da interdisciplinariedade que certas abordagens requer e,
sobremaneira, a objetividade do trabalho, uma vez que se tem notado um extremo
amadorismo por parte de quem já pratica esta abordagem historiográfica.
Afora
a discussão acima, muitos historiadores têm questionado a escassez de temáticas
para pesquisa, destarte, a HL permite lançar sangue novo nestas artérias,
trazendo discussões ainda não exploradas e, ademais, novas abordagens sobre
temáticas já saturadas.
Ao
trazer de volta a HL, nota-se a preocupação em abrir novas possibilidades que
revejam as generalizações e homogeneizações presentes na História Nacional, as
quais, segundo Rodrigues (1997) “negligencia
o particular, o específico porque estavam voltadas para os grandes marcos da
História Política e Econômica.”. Dessa forma, a proporcionalidade de erro
cairá à medida que desaba, também, a distância para com o objeto de estudo.
Desse processo vemos o surgimento de novos paradigmas e a emergência de uma
pluralidade de novos agentes sociais.
Ainda,
segundo Rodrigues:
“Cabe ressaltar que, paralelo a estas inovações e
em decorrência delas, uma verdadeira revolução ocorreu em relação às evidências
históricas, matéria-prima do(a) historiador(a). Para emitir o acesso às
atitudes, mentalidades e às experiências cotidianas, as fontes documentais se
alargaram e passaram a oferecer um leque infindável de possibilidades à
pesquisa. Aos documentos oficiais, foram incorporadas inúmeras outras fontes,
como as cartas pessoais, os diários, a indumentária, a fotografia, a entrevista
e outros tantos indícios.” (RODRIGUES, 1997: p.151)
Além
desta série de instrumentos novos, o historiador do Local terá condições de
apresentar nuances da vida de uma cidade, nunca dantes explorada, e ainda,
poderá interferir mais intimamente em seu meio social, pois sabemos que, além
de pesquisar, é imprescindível que o pesquisador também interfira em seu meio
de forma crítica e questionadora. Eis o grande compromisso de um historiador
preocupado com as injustiças de seu tempo.
Considerações Finais
A
revitalização da História necessita ser feita todos os dias, a HL vem para dar
sua contribuição a esta revitalização, porque, ao propor uma nova metodologia
que interfira mais intimamente em seu objeto, propõe também uma nova forma de
se fazer História.
É fato
que ainda tem muito o que se fazer para que a mesma se efetive, no entanto só
pelo fato da HL entrar na Academia, inclusive nas monografias e metodologias de
pesquisa, nota-se um grande avanço e, também, uma revalorização desta que a
muito anda relegada do eixo das grandes publicações.
A
riqueza detalhista que a História Local tem a oferecer precisa ser revista e
posta em prova. Ainda bem que os historiadores estão ressuscitando esta
metodologia historiográfica.
Enfim,
muito ainda pode ser feito, todavia, o primeiro passo foi dado, só pelo fato de
estarmos fazendo um módulo específico na área de HL, dentro desta
especialização, já é sinal de preocupação com o Local.
Referências Bibliográficas
GOUBERT, Pierre
(1992). História Local. Revista História
& Perspectivas. Uberlândia: EDUFU, n° 6, Jan./Jun., pp. 45-58.
GUIMARÃES, Lúcia
Maria Paschoal & HOLTEN, Brigitte (1997). O Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, a Real Sociedade dos Antiquários do Norte e o Dr. Peter Wilhelm
Lund: a suposta presença escandinava na Terra de Santa Cruz e a ciência. Apresentado no Encontro da Latin American
Studies Association, Continental Plaza Hotel, Guadalajara. México, 17-19 de
Abril (mimeo).
RODRIGUES, Jane de
Fátima Silva (1996). História e Memória Local: desafios e perspectivas. Boletim do CDHIS. Uberlândia: EDUFU, n°
16, 2° semestre, s/p.
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