Entender
o significado dos textos, da comunicação deixado por
outrem, sempre acompanhou a curiosidade humana. Ao longo dos tempos,
os homens criaram técnicas e métodos para desvendar a
polissemia dos discursos. Eis algumas questões sempre atuais
que atravessaram o tempo em busca do discernimento do sentido: como
caracterizar o sentido de um discurso? Quais são os critérios
para tal investida no interior de um texto? O sentido se revela pelo
que é dito ou pela maneira de dizer? Quais aspectos
extra-texto que poderemos levantar como variáveis para a
construção do sentido de um discurso?
Para
Roland Barthes – escritor, semiólogo e crítico
literário – nascido em Cherbourg, na Normandia, no ano de
1915, o significado das coisas que o mundo oferece, por meio de suas
mais variadas linguagens, seria a representação
psíquica de uma "coisa" e não a "coisa"
em si.
O
significado de uma imagem é sua representação
gráfica aos olhos de quem a está observando, e de seu
conteúdo se inteirando. O significante materializaria a figura
do significado (a figura propriamente dita) com seu significado
segmentado e entendido de várias formas, segundo as diferenças
culturais de cada leitor ou observador.
Acima
de tudo, porquanto, uma tradição literária
implica um senso histórico ativo do passado, vivo no presente
e moldando esse presente.
Dessa
forma, parece existir uma espécie de tempo literário –
ou mesmo gênero literário – encontrado entre o ensaio,
o tratado e o discurso literário e que, ao mesmo tempo, não
cabe em nenhum destes parâmetros.
Fora,
também, a questão do hipertexto e da Internet, com sua
explícita gama de informações livres, e das mais
variadas (nem sempre confiáveis, mas intercambiáveis do
ponto de vista da construção de determinado discurso).
Este
mesmo tempo que outrora fora pensado por Marcel Proust (1871-1922)
dentro de um parâmetro mais literário e menos
epistemológico, e que acaba sendo resgatado por Barthes com um
caráter mais acadêmico – e, ao mesmo tempo, debruçado
fora do teor terrificante dos muros da Academia –, mais
recentemente, e, no Brasil, pelo professor Evando Nascimento, da
Universidade Federal Fluminense.
E
é com base na obra de Roland Barthes, e do estudioso de
tecnologias vinculadas à Internet, o francês Jean
Baudrillard, que se tentará pensar este transgênero
literário dentro dos parâmetros da Internet, e sua
intensa liberdade de expressão.
Expressa
nos mais variados assuntos, nas mais variadas páginas pessoais
– os blogues, por exemplo – e em ferramentas como o Universia
e o Wikipedia, que
vêm, justamente, com a tentativa de aplicar este conceito de
liberdade escrita e epistemológica em sua estrita valia e
local.
Este
novo universo
epistemológico e linguístico tem muito de reinvenção.
Destas que a linguagem não comporta mais seu objeto de
constituição. Sendo, para além de sua
concretização em signos e letras, um local situado numa
terceira margem, onde nem a esquerda ou a direita determinam alguma
correlação de força, ou mesmo de significação.
Em
recente descoberta – dessas em que certo autor, com suas
reminiscências pessoais, dá à sua já
grandiosa obra uma força ainda maior, em especial quando de
sua valoração conceitual – nos escritos de Samuel
Beckett (1906-1989), encontrou-se uma carta – escrita em 7 de junho
de 1937 – direcionada a um amigo alemão de nome Axel Kaun,
onde a linguagem assume um significado de não-linguagem, tendo
no silêncio um novo ponto de referência.
Vejamos,
pois, alguns fragmentos desta carta: Tomara chegue o tempo,
graças a Deus que em certas rodas já chegou, em que a
linguagem é mais eficientemente empregada quando mal
empregada. Como não podemos eliminar a linguagem de uma vez
por todas, devemos pelo menos não deixar por fazer nada que
possa contribuir para sua desgraça. Cavar nela um buraco atrás
do outro, até que aquilo que está à espreita por
trás seja isto alguma coisa ou nada comece a atravessar; não
consigo imaginar um objetivo mais elevado para um escritor hoje.
O
uso desmedido da linguagem tem desses contratempos. Até pela
quantidade excessiva de informações, ocasionadas
contemporaneamente pela Internet, não temos mais lugar para
localizarmos conceitualmente a linguagem. Seu não-lugar é
hoje o que de mais evidente se nos mostra.
Por
outro lado, quando solicita o não-uso dessa linguagem, o autor
está nos colocando uma questão que, cada vez com maior
evidência, tornara-se algo essencial. Isso pode ser encontrado
no conglomerado de gírias que circulam na Internet, onde não
se fala muita coisa, falando demais aquilo que não significa
nada.
Beckett
não está desconsiderando este tipo de linguagem, está,
sim, tentando encontrar uma linguagem que se iguale ao homem. Uma
linguagem que diga mais que sua composição tipológica.
Este tipo de linguagem, ao contrário daquela típica da
Internet, tem o que dizer sem existir. Diferente desta internética
onde se diz muito, sem nada para informar.
Quando
pede que a linguagem seja mal empregada não está, de
modo algum, fazendo dela um mal emprego tipológico como o
visto nos bits da
Internet, mas um mal emprego epistemológico, dando
significações, até então, não
recorrentes no universo linguístico humano.
O
caminho original, quando redirecionado – e isto tentava fazer
Beckett –, tende a ser novo e mais criativo. Deixando de ser
original, no sentido teológico, e tornando-se original no
sentido filosófico e histórico.
Este
mesmo caminho pode ser constatado neste outro fragmento da carta de
Beckett: À caminho dessa literatura da despalavra,
para mim tão desejável, alguma forma da ironia
nominalista poderia ser um estágio necessário. Mas não
é suficiente que o jogo perca um pouco de sua sacrossanta
seriedade. Ele deveria cessar. Ajamos então como aquele
matemático louco(?) que empregava um princípio de
mensuração diferente a cada etapa de seu cálculo.
Um ataque às palavras em nome da beleza.
Um
caminho que tem muito de descaminho e de despalavra, como bem
expressa o autor. Com efeito, a partir do momento em que não
mais mensuremos este caminho, e esta mesma linguagem, de forma
nominalista, nomeando elementos e determinando fatores; aí
sim, a partir desse momento teríamos um descaminho mais
original, e sem muita explicação. Talvez seja esta
não-linguagem a qual Beckett faça referência.
Noutro
fragmento, mais um (des)caminho teríamos traçado, e
novas informações teríamos acumulado: Ou
será que a literatura, solitária, deve permanecer
atrasada em seus velhos caminhos preguiçosos que há
tanto tempo foram abandonados pela música e pela pintura? Há
alguma coisa paralisantemente sagrada na natureza viciosa da palavra
que não se encontra nos elementos das outras artes? Há
alguma razão pela qual a terrível e arbitrária
materialidade da superfície da palavra não seria capaz
de ser dissolvida, como pode, por exemplo, a superfície do
som, rasgada pelas enormes pausas, da Sétima Sinfonia de
Beethoven, de forma que, por páginas a fio, nós não
podemos perceber a não ser um caminho de sons suspensos nas
alturas vertiginosas, ligando insondáveis abismos de silêncio?
Uma resposta faz-se necessária.
Uma
resposta que não coloque limites, como o faz as palavras, mas
que, realmente, dê respostas a este longo e lento caminho. Um
caminho que tenha muito mais de simbologia que propriamente de
nominalismo. Símbolos
são muito mais que meras letras nominadas, eles têm
muito de significações e de re-significações.
É como se novos valores linguísticos dessem novas
conceituações aos já pisados valores existentes.
Mais
que um projeto de futuro, o que se quer com tal proposta é
recolocar a linguagem numa local donde ela nunca teria saído:
o local das significações e re-signifações
humanas. Homens que somos, tentamos colocar peia em nossos devaneios,
situação que, diretamente, também afeta a
linguagem e sua objetivação de conceitos e nominação
de saberes – alguns nem sempre nomináveis, nem tampouco
mensuráveis.
A
literatura está repleta de obras em que o autor mergulha junto
nas atribulações de seus personagens, a ponto de
modificar a estrutura da narrativa para acomodá-las.
Um
mundo fraturado naturalmente separa em partes. Você não
consegue ter uma relação orgânica, natural, com
um país ou uma pessoa, por exemplo, se apenas dispõe de
uma imagem na televisão. Trata-se de uma versão
contemporânea de um velho problema: o mundo sempre nos pareceu
fraturado. Nossa mente não está em sintonia com nosso
corpo, nossas vidas não têm nenhum elo óbvio com
o divino, a consciência dos outros não nos é
acessível. A vida está cheia de descontinuidades (Zadie
Smith, Folha de São Paulo, 27/05/2006).
Nem
sempre um escrevinhador consegue comunicar ou revelar as volúpias
literárias que impulsionam a sua pena. Num bom escritor,
porém, o prazer do texto, como dizia Barthes, desemboca no
prazer da leitura. A frase “uma expressão feliz” descreve
uma felicidade literal. Daí a possibilidade de escrever uma
obra-prima praticamente do nada, como as famosas crônicas sem
enredo: o escritor, como um poeta, limita-se a tocar um instrumento
que é ele mesmo (Hugo Estenssoro, As musas se
divertem, Primeira
Leitura, 51).
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