A Primeira Infância,
considerada a base para todas as aprendizagens humanas, perpassa o período do
nascimento até os seis anos de idade, mas para a relação existente entre
afetividade e aprendizagem, pode retroceder até a vida intra-uterina, visto que
o feto já recebe os primeiros estímulos afetivos e, consequentemente,
cognitivos de sua existência; vista já neste momento como a preparação de uma
longa jornada, a qual pode ser abortada se não houver estímulos muito
agradáveis ou caso não haja a preocupação de que a vida ali existente já está
totalmente disposta a receber bons e amorosos fluídos intelectuais.
Dotado de desejos, vontades e
sentimentos próprios, já no nascimento o ser humano começa a se desenvolver,
seja respondendo por estímulos – ainda dentro do útero – seja, afetivamente,
entrando em contato com seus pares. Sua postura de ator pensante no mundo, por
mais que ali não esteja totalmente definida, para a cognição social já está em
projeto, já está em potência. E é neste ponto que as primeiras experiências
relacionais desempenham papel importante no curso do desenvolvimento cognitivo.
Pensadores como Piaget falarão da importância
da vivência destas crianças com os adultos, principalmente da vivência afetiva.
Já Vygotsky afirmará que o ser humano se constrói nas suas relações e trocas
com os outros, em especial, quando estas relações se constroem por meio do
afeto. Em Wallon “no início da vida, afetividade e inteligência estão
sincreticamente misturadas, com predomínio da primeira.” (apud LA
TAILLE: 1992, p. 90), ou seja, ambos os três pensadores colocam a afetividade
como elemento primordial para a construção da identidade social e constituição
educacional das crianças.
Por conseguinte, alguns estudiosos vão defender
que, devido um ritmo mais lento de desenvolvimento, em nos comparando com
outros mamíferos, o ser humano é mais dependente de seus pares por um período
mais extenso e prolongado, daí a justificativa – e a necessidade – da afetividade
para o pleno desenvolvimento dessa criança, visto que, por ser tão dependente,
esta situação de afeto é algo muito caro para o bebê. E é isso que, mais
indistintamente, nos torna humanos.
Por um lado, tal fato constitui um grande
inconveniente para a criança e para os pais, embora, simultaneamente, isso
acarreta em grande benefícios para a criança. Com efeito, um período tão longo
de dependência justifica-se pelo fato da criança ser uma criatura cuja
principal especificidade é sua capacidade de aprender e; invenção básica dos
seres humanos, aprender a cultura, isto é, os modos de ser e estar no mundo que
cada geração transmite para a seguinte. Transmissão que tem no afeto o primeiro
elemento de confrontação e confirmação de saberes.
Assim, a cognoscência do bebê, devido este
processo de maior dependência do adulto, tem na afetividade o elemento que liga
esta criança com seus pares humanos. Com tanto a aprender, as crianças têm
muito a ganhar com o fato de serem “forçadas” a permanecer junto daqueles que
as ensinam com afeto.
Desde seu primeiro ano de vida, a capacidade
perceptiva e a inteligência do bebê atuam como elemento consoante ao ambiente,
outrora hostil, do mundo que a circunda. Esta relação de interação com as
coisas ao seu redor garante uma certa autonomia cognitiva, além do mais, traz
situações de conflito e afeto. Situações que serão lembradas pela criança na
configuração de sua vida, e de suas relações sociais.
Por isso mesmo é que Ramires (2003), em Cognição Social e Teoria do
Apego: Possíveis Articulações, busca na conexão emocional com outras
crianças e com os adultos, o processo que garante a composição da
individualidade do bebê e sua separação do mundo intra-uterino, logo, o processo
que apresenta ao bebê o mundo da cultura tal como ele é, e como sua dependência
dos adultos lhe é útil: “O desenvolvimento sócio-cognitivo, portanto, começa
com os primórdios do processo de separação-individuação e conexão emocional com
o outro nos bebês. Esse desenvolvimento inclui a compreensão crescente das
emoções e dos perceptos, e também o conhecimento das crianças e dos
adolescentes acerca dos atributos pessoais dos outros e do self. Inclui
ainda o conhecimento das causas do comportamento e uma compreensão das relações
sociais que implicam no reconhecimento de relações recíprocas como a amizade,
os relacionamentos amorosos e os julgamentos morais.” (p. 404)
Como se vê, mais que preparar o
bebê para receber os símbolos e estímulos do mundo, a afetividade (seja ela
apresentada em casa, com os familiares, seja também entre este bebê e seus
educadores) tem papel importante, inclusive, em relações interpessoais e,
principalmente, na composição dos futuros julgamentos morais desta criança; o
quê significa que o afeto, mais que um elemento aproximativo do bebê com seus
parentes e o mundo, é também um elemento conformador da cognição e do
desenvolvimento educacional deste ser em formação, bem como seu passaporte para
o mundo dos adultos e sua criação identitária.
Daí a importância das interações
socioafetivas do bebê e de sua dependência para com os adultos, situações que
proporcionam vivências afetivas, e consolida sua entrada no mundo, como ser
individual que é. Tanto a entrada social como a entrada cognitiva, onde há o
reconhecimento de símbolos que são constantemente apresentados e decodificados
pelo bebê.
Para melhor compreendermos estas
interações socioafetivas, tanto Wallon quanto Piaget e Vygotsky nos serão mui
úteis, trazendo-nos elementos formativos e conformativos para a confirmação
desta tese. Mas, além disso, também a relação psicológica exercida entre a
criança e seus pares pode mostrar bons elementos para a constatação deste
estudo.
Diante disso, este trabalho
tentará analisar a importância dos aspectos socioafetivos para o
desenvolvimento e o processo ensino-aprendizagem, com foco na importância da
afetividade como recurso intelectivo e motivacional e para a relação
professor-aluno na construção destes saberes.
Apontar a importância da qualidade
das primeiras relações afetivas da criança, com seus primeiros educadores,
implica em focar numa boa teoria do desenvolvimento e como isso, diretamente,
afeta no exercício da aprendizagem e na construção das relações interpessoais
desta criança pelo resto de sua vida escolar.
E aqui podemos apontar como Piaget
apresenta esta informação, conforme seus estudos, “é nas vivências que a
criança realiza com outras pessoas que ela supera a fase do egocentrismo,
constrói a noção do eu e do outro como referência. A afetividade é considerada
a energia que move as ações humanas, ou seja, sem afetividade não há interesse
nem motivação.” (SILVA e SCHNEIDER: 2007, p. 83), significando que, a
afetividade funciona como um motor para o desenvolvimento da criança e, mais
que isso, para que a criança entre no universo consolidado por sua relação com
seus educadores e seus métodos de ensino-aprendizagem é necessário que ela
chegue até este universo levada pela mão do afeto e do carinho, tanto aquele
advindo de casa – sendo considerado o mais importante – quanto aquele recebido
nas escolinhas infantis, por seus educadores; daí a grande importância do
elemento afeto no desenvolvimento deste educando e como isso afetará,
positivamente, toda a vida escolar do indivíduo.
Se no início, a criança sente a
mãe como parte de si mesma, no culminar do primeiro ano, ela aprende a
vivenciar a mãe como objeto separado (com identidade e papel próprios) e, como
tal, mais um elemento de seu mundo conformativo e identitário, momento
considerado ideal para apresentá-la ao mundo escolar, e às outras pessoas que
deste mundo fazem parte.
Aprende a esperar, visto que, no
universo social e escolar ela não está mais sozinha, ela interage com outras
crianças e com outros adultos que não aqueles de seu convívio familiar. Neste
processo de separação a criança desenvolve a
tolerância à frustração e, desta capacidade de espera resulta o ecoar
interno de uma representação da mãe; uma representação que vem simbolicamente
focada no carinho que os educadores trazem para a criança, e para seu universo
pessoal. Carinho que traz até a criança os símbolos do mundo, logo, confirma-se
o processo de ensino-aprendizagem.
Mas, esses momentos de crescimento
só serão possíveis se esta etapa for suficientemente preenchida de boas
experiências emocionais, que permitam ao bebê um modelo de estabilidade e
segurança, previsível e contínuo. Um modelo que lembre o universo familiar e,
ao mesmo tempo, separa-se dele, trazendo os símbolos do mundo. Mostrando que o
mundo também pode trazer elementos de aprendizagem e de construção de saberes. Construção
essa que necessita deste outro afeto, que não o familiar, para que a criança se
constitua como um ser em formação, e com uma identidade própria, apesar de
vinculado aos primeiros símbolos advindos de sua família.
Ganham os bebês que se ligam bem
aos adultos mais próximos, e com eles constroem uma relação de confiança
básica, marcada por um padrão rotineiro, sem períodos de separações traumáticas
ou perdas de figuras de referência. E por adultos mais próximos, não são
necessariamente aqueles da estirpe familiar, mas todos aqueles que passam a
integrar este novo universo da criança; o universo da escola. Por outro lado,
perdem aqueles que, por oposição, possuírem vinculações inseguras, marcadas
pela instabilidade ou, por múltiplos prestadores de cuidados; daí a importância
da criança ter uma continuidade na constituição de seus saberes primordiais.
A segurança que a criança constrói
em seus primeiros contatos afetivos com a mãe serão levados para o mundo
externo. Dessa forma, ela terá maior segurança de separar-se da mãe sem que
isso se torne um trauma. Esta vinculação pode ser indicadora da qualidade das
ligações emocionais que a criança, numa situação futura, continuará na escola,
em seu processo de ensino-aprendizagem.
Aquelas crianças cuja ligação com
a mãe (e com seus pares mais próximos) ocorreu de modo seguro e tranquilo,
estão naturalmente mais aptas a gostar de ir à escola, aprender, brincar,
receber e visitar amigos, e um dia namorar, casar, terem a sua família
organizada. Pois, o afeto que se desenvolveu neste primeiro momento será
marcante durante toda a vida socioafetiva da criança, em seu processo de
ensino-aprendizagem. Isso dá-lhe confiança, para com suas relações com o mundo.
Ensina-as a lidar com as
frustrações de uma forma mais serena, visto que o desapontamento e a desilusão
garantem a elas limites, dão-lhes elementos cognitivos para lidarem com o
mundo.
Como justificativa desta
afirmação, Silva e Schneider (2007), afirmaram o seguinte: “Partindo do
pressuposto de que a afetividade é um
composto fundamental das relações interpessoais que também norteia a vida na
escola, acresce em relevância uma pesquisa teórica que facilite a compreensão,
por exemplo, da relação entre a afetividade e a aprendizagem no âmbito da
relação professor–aluno para a construção do conhecimento, para o
desenvolvimento da inteligência emocional e para o processo de avaliação da
aprendizagem.” (p. 83),
mostrando que muitas pesquisas atuais já estão sendo feitas, justamente, para
confirmar esta teoria. Mais que isso, a empatia, nesse sentido, é o primeiro
elemento para que o educando se disponha a empreender uma busca pelo saber; e
isso ocorre em todas as fases de sua vida escolar.
Um comentário:
Simplesmente maravilhoso o texto!! Muito esclarecedor,contribuiu ainda mais para minha relação com meu bb, e na minha profissão. Adorei !!! Obg.
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