O filme Odisseia narra
a aventura de Odisseu, herói grego, após a Guerra de Tróia, e como ele enfrenta
a fúria dos deuses, perigosos inimigos e monstros mitológicos e, sempre com a
proteção de Atenas, se dá bem, demonstrando bravura e resistência para retornar
à Penélope.
O mais interessante na película é justamente esta condição
contraditória de Odisseu que, apesar de criticar os deuses e sua condição de
intromissão na vida dos homens, tem sempre o auxílio de Atenas. Ademais, ele se
envolve emocionalmente com algumas deusas e acaba se saindo bem.
Assim, quando um homem desafia os deuses, e quando este homem
resolve bancar este desafio, temos caracterizado uma das maiores virtudes da Grécia
Antiga, versado por Nietzsche como uma das maiores revoluções e herança,
advindas dos gregos, especificamente no período histórico chamado pelos
historiadores de pré-Arcaico, ou Idade das Trevas Gregas, ou ainda, Idade
Dórica, momento em que supostamente viveu Homero e que, conforme a Wikipédia: “A Idade das Trevas na
Grécia (c. 1200 a.C.-800 a.C.) refere-se ao período da pré-história grega
cujo início tem lugar a partir da suposta invasão dórica e do final da
civilização micênica no século XI a.C. e cujo fim é marcado pela ascensão das
primeiras cidadeséstados gregas no século IX a.C., pela literatura épica de
Homero e pelos primeiros registros escritos a utilizarem o alfabeto grego, no
século VIII a.C.”[1], período em que os deuses, constantemente, intervinham na vida
das pessoas.
Este homem, ao fazer este ato desesperado de coragem, em busca de
um ideal (o retorno à casa e aos braços de sua amada esposa), apresenta toda a
astúcia daqueles que, outrora, jamais deixavam que os deuses os conduzissem,
embora a figura de Atenas esteja sempre ao lado de nosso herói.
E isso acontece quando há amor ao destino, ou como diria Nietzsche
em A Gaia Ciência, amor fati. Este ato de amar aquilo que
lhe é proposto pelos deuses (um castigo às bravatas que Homero faz o tempo
inteiro, questionando os deuses e, ao mesmo tempo, sendo protegido por Atenas),
no entanto, sem que isso se torne um castigo, uma punição ou uma prisão. Situação
que faz de Odisseu, como também de Édipo e Prometeu, heróis dentre os
medíocres.
Enquanto todos acatam os desmandos dos deuses de uma forma apática
e sem questionamento, tanto Odisseu como Édipo faz deste destino uma forma de
desafiar quem os colocou nessa situação, mostrando aos deuses que a existência
deles está diretamente ligada à crença que os mortais neles depositam.
Assim, o amor fati é o
amor ao necessário, não permitindo que o destino (empreendido pelos deuses)
seja um empecilho para a consecução das obras que este grande homem faz, ao
mesmo tempo em que é prejudicado por aqueles que, diretamente, tentam intervir
em sua vida. Além do mais, há um outro conceito, também forjado por Nietzsche,
que nos revela mais algumas ideias do que seria este desafio.
Um conceito que, diferente do amor
fati (e que este último nos remete ao conceito que Nietzsche chamou de
eterno retorno do mesmo) também nos dá pista de como era a personalidade de
homens como Odisseu – é como se a vida sempre aqui estivesse, suas dores e seus
sabores também, algo que com a presença do homem, ou não, faz dos seres, sejam
quais forem, imortais na mortalidade do corpo –, onde a vida segue seu percurso
sem que interrupções mais bruscas aconteçam; é o conceito de Individuação. Este outro conceito, mais
voltado para os gregos, se encontra no livro O Nascimento da Tragédia: “O
homem, alçando-se ao titânico, conquista por si a sua cultura e obriga os
deuses a se aliarem a ele, porque, em sua autônoma sabedoria, ele tem na mão a
existência e os limites desta.” (NIETZSCHE, 2000: § 9)
Ao desafiar os deuses Odisseu mostrou a eles que o homem, apesar
de estar preso ao destino de seguir os deuses, pode fazer seu próprio caminho,
nem que para isso ele passe pelos mais terríveis sofrimentos, como realmente
aconteceu.
Um outro mito que Nietzsche apresenta, para justificar sua teoria
é o de Prometeu: por ter roubado o fogo (sinônimo de conhecimento) de Zeus e
dado aos mortais, foi condenado a ter seu fígado estraçalhado por uma águia
todos os dias e, de novo no dia seguinte, o fígado ressurgiria, para novamente
ser estraçalhado pela águia; e assim, por toda a eternidade. Prometeu é
considerado aquele que alimentou o homem de sabedoria e o colocou em eterno
confronto com os deuses.
Enfim, ao estudarmos a trajetória de Odisseu, e outros mitos a ele
relacionados, estamos mostrando o lado contraditório do homem e, ao mesmo
tempo, sua grandiosidade; devido justamente este lado contraditório. O homem,
neste contexto, sabe exercer sua humanidade e nos mostra que, mesmo na
mortalidade, podemos ter, e apresentar, personalidade e habilidades de deuses,
principalmente no que se refere a forma como lidamos com o sagrado.
[1] Disponível online: http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_das_Trevas_(Gr%C3%A9cia),
acesso em 10/11/2011.
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