No caso de Ulisses e da
construção do Cavalo de Troia, vemos um claro exemplo do domínio do universo
mítico sendo, aos poucos, ruído pela racionalidade humana. Quer dizer, no
interior do universo narrativo da Odisseia, o grande poeta Homero planta a
contradição entre o racional e o mítico, entre o plausível e o fantástico,
entre o possível e o impossível. Os homens não podem simplesmente “transmutar”
ou flutuar pelas muralhas de Troia; isso cabe apenas aos deuses. Como o mundo
dos homens e de seus interesses econômicos está cada vez mais presente entre as
preocupações do homem grego, Ulisses torna-se um dos arautos intelectuais das
novas realidades materiais e sociais do mundo grego. Para o soldado grego
existia uma realidade concreta a ser superada, os muros de Troia; para os
comerciantes gregos também foram as limitações concretas que impulsionaram o
desenvolvimento da tecnologia marítima para romper as barreiras dos mares.
No plano das ideias, as
contradições entre pensamento racional e pensamento mítico traduzem-se numa
nova conceitualização da verdade. O mito, como fenômeno regional, traz a
verdade de cada cultura para si mesma, pela passagem de uma geração a outra.
Portanto, o que a tradição deixa de herança traduz sempre a realidade vigente.
O pensamento filosófico, por outro lado, pretende se desprender da tradição por
meio do uso instrumental da razão. Ora, para o comerciante e os
filósofos-cientistas (pré-socráticos), ficar preso às tradições significa ficar
preso às autoridades religiosas dos sacerdotes e, portanto, de cada religião
predominante em sua respectiva cidade-estado.
Aqui podemos fazer um paralelo
entre a relação do homem moderno e do homem grego com o pensamento mítico, mas
não sem dizermos que o homem da modernidade europeia tem uma herança da cultura
do pensamento racional que o homem grego não tem. Quer dizer, interesses
sociais, materiais e econômicos existiram nos dois momentos históricos, mas
cada um na sua devida proporção e contexto.
O homem moderno detém novos
meios de conhecimento, a cartografia moderna, por exemplo, e meios tecnológicos
mais eficazes do que o homem grego.
Com o uso de novos mapas, novos
navios e de uma religião unificada, o cristianismo, o homem moderno europeu
potencializa sua expansão marítima e a difusão do seu modo de pensar. Aqui
devemos ressaltar para o nosso aluno que os interesses imperialistas do homem
moderno ficam muito mais evidentes do que os interesses dos comerciantes e
cientistas gregos, posto que temos muito mais referências bibliográficas sobre
a expansão marítima da Europa Moderna do que da Grécia Antiga.
Além de o homem moderno europeu
ter seus próprios mitos, como os mitos advindos de interpretações cristãs
acerca da criação do mundo, do homem e do universo, ele se depara também, ao
promover as expansões marítimas, com os mitos dos chamados povos primitivos.
Aliás, mais do que isso, nesse contato com os povos primitivos novos mitos são
criados. Dois deles são os mitos do “bom selvagem e do mau civilizado” e o mito
do “mau selvagem e do bom civilizado”. No primeiro caso, alguns europeus
cultos, que estavam descrentes de sua cultura, exaltavam o primitivo e sua
maneira de viver. No segundo caso, o civilizado europeu desacreditava a cultura
do primitivo, alegando que seus hábitos sexuais eram imorais, que seus hábitos
alimentares eram bárbaros e que sua religião era perversa, devido a alguns
relatos de canibalismo. Posteriormente, parte dessas interpretações equivocadas
foi sanada pela etnografia; contudo, de maneira geral, a segunda interpretação
teve mais força e ajudou a legitimar a dominação europeia sobre os povos
primitivos.
A primeira coisa que o homem
europeu moderno faz ao ocupar o continente americano, por exemplo, é comparar
os costumes dos povos nativos com os costumes europeus. Essa comparação, como
não é difícil de se imaginar, caminha, em sua grande maioria, para a depreciação da cultura do “outro”, o que leva, inevitavelmente, ao etnocentrismo. Os povos primitivos são
descritos sempre como “os sem escrita”, “sem Estado”, “sem comércio”, “sem
história”.
Everardo Rocha em O Que é Etnocentrismo, nos deixa a
seguinte informação sobre o Etnocentrismo: “Etnocentrismo é uma visão do mundo onde nosso
próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e
sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é
existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de
pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo,
hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre
um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto
elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, esses dois planos do
espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno não
apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente
encontrável no dia a dia.”
A homofobia é o traço mais duro e terrível do etnocentrismo, é no outro
diferente que mostramos o quanto o monstro somos nós. É como se não tivéssemos
condições intelectuais de entender uma "cultura" que seja diferente
da nossa. O fato de termos em nossa formação uma cultura extremamente
masculinizada e machista, coloca quaisquer outros grupos, que não os
compartilhados pelo machismo desta cultura, como sendo inimigos dignos de ódio,
estranheza, medo e hostilidade. O ser humano deixa de ser mais importante que
as suas escolhas, sejam elas quais forem... desde que agridam o statu quo da sociedade, precisam, também, serem agredidas. É no
tratamento em relação ao outro, tratado como monstro, às vezes, como doente que
se desenvolvem os preconceitos em relação a sua escolha sexual.
A primeira coisa que devemos
destacar é a característica cosmológica do mito, isto é, o mito relata a origem
das coisas, tais como o mundo, o mar, o céu e o próprio homem. Diferentemente
do tipo de pensamento lógico-racional, o mito segue um “por que” que diz
respeito apenas ao seu universo fantástico, não seguindo necessariamente uma
relação causal.
O interessante aqui é
demonstrar como questionamentos de caráter lógico não dão conta de acessar a completude do universo mítico.
Outra coisa
que se pode ressaltar é o fato de que não é apenas o trabalho braçal que é
penoso, desgastante. O trabalho intelectual também cansa, também é penoso, mas
também tem suas recompensas. Basta que o professor lembre os alunos do desgaste
que eles têm ao realizar uma prova longa e difícil, ou quando devem resolver um
exercício de grande complexidade; a satisfação que se tem vem da aquisição do
conhecimento, da superação da dificuldade e da beleza da descoberta.
Segundo
Gramsci, em Cadernos do Cárcere: “[...] é preferível ‘pensar’ sem disto
ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é,
‘particular’ de uma concepção do mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente
exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão
automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...] ou é
preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e
consciente e, portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro, escolher
a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do
mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente,
a marca da própria personalidade?”
Afinal, filosofar, é, também,
não aceitar como verdadeira qualquer ideia sem antes submetê-la à dúvida, à
investigação, à reflexão crítica e rigorosa. Ora, isso significa que para
demonstrar com consistência a utilidade da Filosofia, ou de qualquer outra
coisa, já teríamos de filosofar.
Com base meramente nos resultados, o senso comum legitima tudo aquilo que ganha o rótulo de
“científico” como sendo o que de mais seguro se pode ter a serviço da
sociedade. Daí, tudo que “não tem comprovação científica” é desacreditado e vai
para o limbo com status de subconhecimento.
Quando se determina um tema, ou mesmo se pensa em estudá-lo,
subjetivamente já estamos fazendo uma escolha, e isso já quebra a noção de
neutralidade da ciência. O ato de refletir, nesse sentido, significa voltar
nosso pensamento a nós mesmos, e é neste momento que começamos a desenvolver o
pensamento científico-filosófico. Mas, para isso, temos que nos desvestir de
nosso próprio preconceito. Temos que fundir nosso saber, ainda prenhe de
preconceito e lugar-comum, e começar a refletir sobre nossa posição de produtor
de conhecimentos que somos. Precisamos pensar, novamente, no que já foi
pensado.
Assim, ao partirmos de nossos saberes próprios, automaticamente, estamos
nos despindo da neutralidade científica. Fora isso, a autora também apresenta
que as verdades absolutas, tão buscadas pelo homem na história da ciência não
se concretizariam, pois, a ciência jamais cria verdades absolutas, por isso
mesmo é importante destacar tal informação. Enfim, não há como afirmar que a
ciência não consegue fugir da neutralidade, pois isso apenas reforça a noção de
cientificismo, e como o exemplo de Mengele, havia uma busca científica tendo
como base o preconceito que Hitler tinha com relação aos judeus. Houve avanços
com o nazismo, embora este avanço tenha vindo com uma total falta de
neutralidade da ciência.
Para Humberto de Oliveira Guido,
em A Filosofia no Ensino Médio: “O exercício da filosofia é alcançado com o
método filosófico; seja ele dialético, fenomenológico, existencialista, racionalista
ou qualquer outro que se inscreva no universo da história da filosofia. Esta é
uma grande diferença em relação à visão dogmática de ciência disseminada pelas
escolas: o método científico é único e, consequentemente, não há espaço para a
pluralidade de paradigmas. Em filosofia não há – ou não deve haver – esse
dogmatismo cientificista, pois não há filosofia, mas sim filosofias, uma
sucessão de reflexões e argumentações que tomam o ser e o conhecer como objetos
da atividade filosófica (...). No currículo tradicional, a ciência é a solução
definitiva de um determinado problema. Na filosofia, ao contrário, a finalidade
não é – imediatamente – a solução do problema; o que motiva a solução
filosófica é o conhecimento do problema. A história da filosofia apresenta esse
progresso constante e ininterrupto; uma nova filosofia almeja solucionar o
problema que foi herdado da filosofia anterior, e assim deixa o seu legado para
a filosofia futura: um novo problema a ser resolvido. Tal situação foi muito
bem retratada por Marx em sua afirmação: 'a humanidade só se propõe às tarefas
que pode resolver, pois se considera mais atentamente, se chegará à conclusão
de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução
já existem, ou, pelo menos, são captadas no processo do seu devir'.”