Só Para Loucos
O dia passara como normalmente
passam os dias: eu o havia desperdiçado, dissipado suavemente,
com minha primitiva e arredia maneira de ser; trabalhara algumas
horas a compulsar velhos livros e sentira dores durante duas horas
seguidas, como os velhos costumam sentir; engolira uns pós e
me alegrara porque as dores se haviam deixado enganar; metera-me num
banho quente e absorvera o agradável calor; recebera três
vezes o correio e correra a vista pelas cartas e os impressos sem
importância (...). Agradável, assim como ler os livros
antigos [alfarrábios] ou demorar-me no banho quente, mas,
afinal de contas, não fora a bem dizer um dia encantador [acho
que bebi demais, e esta cerveja não me fez muito bem], nem
brilhante, nem feliz, nem plácido, mas tão-somente um
desses dias como desde algum tempo [um tempo tênue que não
cessa em passar] costumam ser os normais de minha vida: moderadamente
agradáveis, totalmente suportáveis, toleráveis,
tépidos dias de um velho e descontente senhor, dias sem dores
particulares, sem singulares preocupações, sem aflições
especiais, sem desesperos, dias em que até mesmo a pergunta,
de que se não seria o momento de seguir o exemplo de Albert
Stifter e degolar-se com a navalha de barbear, era meditada
tranquilamente sem emoção, sem qualquer sentimento de
angústia. (Hermann Hesse: O Lobo da Estepe)
Ás vezes é isso,
a escrita não-somente agustia, mas dá motivos para que
a angústia vire vida. Quando leio Hermann Hesse me sinto
assim: angustiado por mais vida.
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