Bem,
meu dia começou tranquilo. Como sempre, pulei da cama assim
que meu celular despertou, sabe, o barulho de um despertador é
meio incômodo, por isso o celular... meio que ainda cambaleante
e sonolento levantei-me... acho que só fui abrir os olhos
mesmo quando senti a água fria da pia batendo em meu rosto,
sabe como é, a gente se levanta, mas nem sempre acorda... após
isso comecei a escovar meus dentes e foi quando tocaram a campainha,
achei estranho, baterem, aliás, me chamarem a esta hora. Ainda
com água no rosto e a boca meio branca de creme dental peguei
uma toalha e fui me enxugando até a porta... foi quando veio o
susto! Bem em frente ao meu tapete, estirado no chão, vi um
corpo ali caído. Ainda assustado resolvi cutucar o homem, vai
que ele tocou a campainha e caiu, imagine que tinha sido um mal
súbito, sei lá... nestas horas, ainda meio sonolento, a
gente não raciocina direito. E foi aí que me assustei
mais; ao cutucar sua cabeça vi que ela estava tombada, meio de
lado... senti um frio, parecia algo molhado, em minhas mãos e
foi quando a vi vermelha de sangue, desci um pouco mais meus dedos e
foi quando notei que ele estava frio e rígido... sei lá,
na hora a primeira coisa que pensei foi ligar para alguém, mas
aí me lembrei da polícia. Vai que, ao demorar, ainda
acham que eu tentei ocultar cadáver ou, sei lá, ter
assassinado esta pobre pessoa, pois é seu delegado, foi isso.
Foi assim que aconteceu... agora, uma pergunta: quem é o
defunto?
domingo, 29 de abril de 2012
sábado, 28 de abril de 2012
José das Couves... Um Solitário!
__
E então meu senhor, fala seu nome completo e, não se
esqueça, aqui não pode haver mentira, isso é um
depoimento.
__
Me chamo José das Couves, moro na rua das Taturanas, nº
01, bairro da Concórdia.
__
Conta como aconteceu o ocorrido...
__
Olha seu delegado, não sou muito de sair de casa, recebo
poucas visitas, ou seja, sou uma pessoa muito reservada...
__
Tá, e aí, conte o que aconteceu primeiro, depois você
fala de si mesmo. Não se esqueça que isso é uma
investigação policial.
__
Muito bem, como eu estava dizendo, como sou uma pessoa reservada não
sou de receber visitas, ainda mais a esta hora do dia, mas aconteceu.
__
Sim, que mais.
__
Eu tinha acabado de me levantar, já estava no banheiro,
escovando meus dentes, e foi aí que a campainha tocou. Não
pensei duas vezes, peguei uma toalha, ainda enxugando meu rosto da
água fria e fui atender.
__
E depois disso.
__
Abri a porta e não vi nada, aquilo estava estranho, nenhum
sinal de ninguém por perto, até achei que fosse trote.
Foi quando olhei para o chão... e aí veio o susto.
__
E você conhecia a pessoa que estava ali no chão?
__
Não, pelo contrário, sinto que ele era era até
um pouco estranho, parecia estrangeiro.
__
Por que você teve esta impressão...
__
Pela cor da pele dele, nunca vi uma pessoa tão cinza...
__
Não seria porque ele já estava morto?
__
Pois é, acho que é isso mesmo... interessante, eu não
tinha percebido!
__
Tudo bem, volte aos fatos.
__
Abaixei meu corpo e toquei sua pele, ainda receoso... vai que o
sujeito estava tirando uma com minha cara e deitado ali só
para incomodar. Sabe, não sou um vizinho muito sociável,
mas bem que gostaria que o sujeito fosse uma visita.
__
Sim... mas, se atenha aos fatos.
__
Foi aí que percebi que o caboclo estava frio. Aquilo foi
estranho, nem estamos no inverno nada, e este sujeito gelado desse
tipo...
__
Meu amigo, cadáveres são gelados, não sabia?
__
Ih é mesmo, estamos falando de um defunto. Agora que me
toquei...
__
Tudo bem, termina logo seu depoimento que você já tá
exagerando e tem mais gente para ser ouvido.
__
Certo, a partir daqui o senhor já sabe, né. Liguei para
cá e falei com uma mocinha de voz macia. Gostei disso, sabe,
não converso com muitas pessoas...
__
Tudo bem, já chega... o próximo!
__
Mas, seu delegado, ainda não acabei...
__
Acabou sim, próximo!!
__
Mas...
__
Sem mas, sai daqui senão o prendo por obstrução
da justiça.
__
E a mocinha do telefone, posso falar com ela?
__
Alfredo, prende este sujeito. Tá obstruindo o serviço
da polícia... sujeitinho abusado.
__
Sim senhor, delegado Feitosa!
__
Mas, espera aí eu sou a testemunha, não o culpado...
__
Sai daqui logo, antes que te dê uns tapas... libera este
sujeito Alfredo, manda este elemento para... vai embora daqui, antes
que eu fale alguma besteira e ainda serei processado por abuso de
autoridade!
__
Que sujeitinho estranho heim doutor?
__
Realmente, é muito estranho. É como se o sujeito
tivesse se utilizado do fato para ter alguém com quem
conversar, não parece ser uma pessoa nem um pouco sociável
esse talzinho aí. Daí as divagações
constantes dele... isso é falta de gente na vida dele,
Alfredo.
__
Tem razão, doutor, e agora, como faremos?
__
Vamos ver se tem mais alguma testemunha, que esse aí... sem
chance.
sábado, 21 de abril de 2012
O Lobo da Estepe - Hermann Hesse (Recomendação de Leitura)
Só Para Loucos
O dia passara como normalmente
passam os dias: eu o havia desperdiçado, dissipado suavemente,
com minha primitiva e arredia maneira de ser; trabalhara algumas
horas a compulsar velhos livros e sentira dores durante duas horas
seguidas, como os velhos costumam sentir; engolira uns pós e
me alegrara porque as dores se haviam deixado enganar; metera-me num
banho quente e absorvera o agradável calor; recebera três
vezes o correio e correra a vista pelas cartas e os impressos sem
importância (...). Agradável, assim como ler os livros
antigos [alfarrábios] ou demorar-me no banho quente, mas,
afinal de contas, não fora a bem dizer um dia encantador [acho
que bebi demais, e esta cerveja não me fez muito bem], nem
brilhante, nem feliz, nem plácido, mas tão-somente um
desses dias como desde algum tempo [um tempo tênue que não
cessa em passar] costumam ser os normais de minha vida: moderadamente
agradáveis, totalmente suportáveis, toleráveis,
tépidos dias de um velho e descontente senhor, dias sem dores
particulares, sem singulares preocupações, sem aflições
especiais, sem desesperos, dias em que até mesmo a pergunta,
de que se não seria o momento de seguir o exemplo de Albert
Stifter e degolar-se com a navalha de barbear, era meditada
tranquilamente sem emoção, sem qualquer sentimento de
angústia. (Hermann Hesse: O Lobo da Estepe)
Ás vezes é isso,
a escrita não-somente agustia, mas dá motivos para que
a angústia vire vida. Quando leio Hermann Hesse me sinto
assim: angustiado por mais vida.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Diálogos Impenetráveis II
Não
é isso, a idade faz a gente encarar as coisas com um outro
ponto de vista. Aparecem responsabilidades, as loucuras vão se
esmaecendo e a gente vai virando refém de uma situação
que, outrora, não tínhamos pensado. Pensar demais, e
pensar a Filosofia em especial, faz a gente olhar para o mundo e
tentar fazer parte nalgumas coisas e odiar outras. Sabe aquele ódio,
talvez de desespero, ou mesmo de resignação por algo
que não dá para mudar? Essas coisas mexem muito com a
gente!
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Seção D'Outro
Fábulas
As
fábulas, os mitos, as parábolas são fecundos
para impregnar de impressões positivas e provocar reflexões
nas crianças (e nos adultos), numa proposta de educação
para a Ética. Mas como qualquer recurso para despertar uma
discussão e deixar uma semente de valor ou de idéia,
devem ser contextualizados e trabalhados interdisciplinarmente.
Como
exemplo, duas fábulas que foram originalmente concebidas por
Esopo, transformadas em poesia por La Fontaine, e aqui
estão traduzidas de forma simples e agradável para as
crianças. As fábulas têm essa vitalidade
permanente e atemporal, que está acima das idades e das
épocas, mas para que se enraízem no coração
das crianças, devem ser contadas, recontadas, discutidas,
analisadas, declamadas, dramatizadas, desenhadas e recriadas, de modo
que renasçam a cada instante em suas palavras e produções.
Costumo
trabalhar essas fábulas, contando quem foi Esopo,
falando então da Grécia Antiga, contando quem foi La
Fontaine, fazendo pesquisas, mostrando figuras e olhando mapas,
para identificar a França e a época desse autor e, por
fim, propondo questões e produções, para que as
crianças fixem na alma o que elas querem dizer.
O
avarento que perdeu seu tesouro
Dinheiro só tem valor
se o usamos sabiamente.
Que adianta, tendo dinheiro,
viver miseravelmente?
A pessoa com mania
de só guardar e guardar,
é tão pobre quanto a outra
que não tem o que gastar.
Na verdade, o avarento,
de rico, vira mendigo,
como na história de Esopo,
que exemplifica o que digo.
Um infeliz avarento
o seu tesouro escondia,
não possuía seu ouro,
o ouro é que o possuía.
Cavou um buraco fundo
e enterrou todo o dinheiro
e, com ele, guardou junto
o seu coração inteiro.
Pensava nesta fortuna,
dia e noite, noite e dia,
comendo, bebendo, andando
a mente prá lá fugia.
E tanto foi ao lugar,
onde escondia o tesouro,
que um coveiro percebeu,
cavou e levou o ouro.
Noutro dia, o avarento
achou a cova vazia
e entre lágrimas, suspiros,
gritava, arfava, gemia.
Um passante quis saber
o motivo de tal choro.
O avarento respondeu:– Roubaram o meu tesouro.
Ué! –Tornou o passante
Pois não há nenhuma guerra,
por que escondê-lo longe,
embaixo de tanta terra?
Não era melhor guardá-lo
com você, no próprio quarto,
usando a todo o momento
deste dinheiro tão farto?
– A todo momento?! Ó deuses!
Gritou o nosso pão-duro –
Nunca toquei no tesouro,
estava aqui, bem seguro!
O passante disse então:– Se o ouro a nada servia,
guarde uma pedra na cova,
será de igual serventia!
***
O
Leão e o Rato
É bom sempre que se possa
a todo mundo ajudar,
pois mesmo dos pequeninos
poderemos precisar!
Desta verdade bem certa
esta história vai falar,
mostrando como ela vale
em qualquer tempo ou lugar!
Um dia, um pobre ratinho
se viu aterrorizado
entre as patas de um leão…
E achou: “serei devorado”.
Mas neste dia o leão
generoso, deu-lhe a vida,
deixou o rato ir embora
sem dele fazer comida!
Esta bondade leonina
o rato iria pagar!
Mas um leão poderia
de um ratinho precisar?
Pois foi o que aconteceu:
um belo dia o leão
foi preso por grossa rede,
rugindo em grande aflição!
Senhor rato o socorreu
usando o pequeno dente,
paciente roeu a rede
livrando o leão valente!
Assim, pequenino e fraco
pagou o seu benfeitor.
Mostrou que a força não vale
tanto quanto vale o amor!
O
que é filosofia?
Dora Incontri
O que é filosofia?Perguntam todos perplexos.
Será um monte de livros,
Com discursos desconexos?
Será um bicho difícil,
que pode nos devorar,
se não formos muito espertos,
para a resposta encontrar?
Na filosofia mesmo,
nada deve ser complexo,
podemos fazê-la fácil,
numa lógica com nexo.
Filosofia é uma forma
de perguntar as questões,
que mais afligem o homem,
que mais nos dão comichões.
É perguntar sobre a vida
querer saber sobre a morte,
é um olhar para o universo
é um indagar sobre a sorte…
Filosofia faz parte
da vida de cada dia
porque pergunta os porquês
que a nossa razão afia.
Filósofo é qualquer um
que pára à beira da estrada
para pensar sobre as coisas
e ver que não sabe nada.
Filósofo deve ser
quem não quiser vegetar,
passando a vida sem rumo
sem um sentido encontrar.
Portanto filosofemos,
buscando sabedoria,
pois num bom filosofar,
teremos mais harmonia.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Signos e Linguagem
Um instrumento de mediação,
ao ser utilizado pelo homem, conforme Vigotski, transforma a natureza
ao seu favor, ao mesmo tempo em que transforma também o
indivíduo. Ao manipular a natureza, em benefício
próprio, o homem se transforma biológica, cultural e
socialmente.
Assim, nossas atividades
psicológicas, enquanto espécie, são ativadas por
signos. Essa seria, então, sua função mediadora.
Apesar de os signos não serem necessariamente um instrumento
de mediação. Signo enquanto informação é
um instrumento de nível psicológico e, como tal,
responsável por transformar fisiologicamente o ser humano e
seu ambiente ao redor.
Este instrumento serve para
propiciar a ação do homem sobre a natureza,
transformando algo inerte em cultura coletiva e em movimento.
Por isso, a linguagem, instrumento
de signo, torna comunitário alguma ideia, especificamente
aquela advinda do signo; por esse sentido, ela pode ser encarada como
instrumento de correlação de fatos e de relações
sociais. A linguagem é um sistema fundamental em todos os
grupos humanos, sendo uma representação simbólica
muito peculiar a determinado grupo social. Ela organiza um sistema
simbólico, organizando também os signos deste sistema
simbólico, conforme o simbólico.
Precisamos entrar em contato com
objetos não-presentes, e é a linguagem que cria – e
organiza – esta estrutura formal. Enfim, o objeto depende da
linguagem para ser conhecido em sua plenitude físio-psicológica.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Reminiscências
Minha
relação com a escrita começou numa idade muito
tenra. Lembro-me bem, minha mãe era merendeira de uma escola
rural localizada numa espécie de vila de trabalhadores de uma
Companhia de mineração, onde meu pai trabalhava. E
certa vez, ainda com meus 5 anos tive a feliz sorte de ir com minha
mãe ao seu trabalho. Aquela sensação me foi de
um prazer tremendo, pois seria a primeira vez que eu iria numa escola
que, para mim, era um universo de outro mundo. No meio do expediente
dela me foi dado um giz (pedacinho mágico de fantasia) por uma
das professoras. Fiquei tão extasiado com tal situação
que comecei a escrever sem parar no chão (letras, desenhos,
aquilo que uma criança de cinco anos apenas rabiscava, como
sendo uma escrita mágica, numa língua mágica, só
entendida por mim, pensava eu), sem me dar conta me vi rodeado de
pessoas, professoras principalmente... meu mundo mágico tinha
desabado!... mas não: recebi elogios que jamais imaginava e
isso foi de uma surpresa tremenda; enfim, com este primeiro contato
com tal universo vi meu futuro ali traçado; e cá estou:
professor!! Quanta Alegria.
terça-feira, 3 de abril de 2012
Novas Práticas de Leitura
Pensado sob uma
perspectiva social, o letramento entra em cena, ao substituir a
alfabetização, com a intenção de dar um
maior significado à escrita, para aqueles que dela estão
se iniciando. O impacto social desta primeira escrita, ou mesmo das
primeiras letras, faz com o que o indivíduo sinta uma situação
de pertencimento ao grupo, principalmente quando nos referimos a um
grupo tão focado em tecnologias como é o da sociedade
contemporânea. Não é mais só aprender a
ler e escrever, mas construir uma linguagem social que represente
este educando, e em tempos de Era Digital, este tema ganha ainda mais
espaço na rede, visto
que a Internet é um grande universo, onde cada tribo,
conhecendo-se, e aos outros, tenta inteirar-se de sua identidade,
ganhando com isso uma nova faceta.
Também
as próprias práticas sociais de leitura e
escrita e os eventos em que elas ocorrem compõem o conceito de
letramento, visto que é por meio destas práticas que o
indivíduo se reconhece enquanto ser pensante e que constrói
seu próprio saber! Quer-se, com isso, muito mais que
alfabetizar alguém.
Um evento de
letramento é qualquer situação em que um
portador qualquer de escrita é parte integrante da natureza
das interações entre os participantes e de seus
processos de interpretação. (Heat: 1982: p. 93)
Além do mais,
letramento não pode ser pensado apenas como mera repetição,
ou introdução de um indivíduo em sua sociedade
escrita, mas, um evento garantidor de identidade para determinado
grupo e determinada sociedade. O indivíduo precisa ter
participação efetiva de seu grupo, e isso não
pode vir apenas com a ação de saber ler e escrever, mas
de pertencer, participar e se fazer existir. Sua validade no grupo
depende de como ele se enquadra no mesmo.
Busca-se assimilar
competências discursivas, ao adentrar o universo da escrita por
meio do letramento, e competências cognitivas ao saber se
posicionar perante seus iguais. Situação que confere ao
indivíduo um determinado e diferenciado estado de ser e
condição de existir social e culturalmente, como ser
inserido numa sociedade letrada. Letramento seria então,
conforme Soares (2002: p. 146): estado resultante da ação
de letrar, um vero que
segundo a autora, ainda precisa ser dicionarizado para que a palavra
tenha sua completa compleição.
A cultura do papel vem
sendo tragada pela cultura da cibercultura, resta-nos saber lidar com
os dois de maneira que o letramento não seja prejudicado.
Imagina-se que este universo novo acaba favorecendo o surgimento de
uma nova escrita (em papel ou eletrônica), fazendo com que o
letramento ganhe ainda mais significado para aqueles que dele se
utilizam, ou são evidenciados.
Além do
letramento, nossa língua também garante esta sensação
de pertencimento. E só falamos o português porque é
algo que nosso universo criou e que fomos criado pelo mesmo. Nosso
universo, nossa vida e nosso língua são nossos
instrumentos de validação do ser, ser-no-mundo. Nos
validamos quando nos tornamos ser-no-mundo, e nossa língua tem
esse papel, por isso a grande importância em fazer com que o
letramento seja mais que um primeiro contato com o mundo.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
De Kropotkin por Heráclito
Edilson Antônio Alves
A mudança de fundamentos,
proveniente da revolução copernicana, traz para o
ideário das ciências humanas um outro parâmetro
epistemológico. Baseado nessa reconfiguração de
saberes, busco o argumento que Piotr Kropotkin (anarquista russo,
nascido em 1842 e falecido em 1921, um dos principais defensores do
comunismo-anarquismo) se utiliza para, no meu entender, alimentar sua
teoria filosófica anarquista.
Vejamos, então, a tese de
Kropotkin:
Todo
o aspecto do universo muda com esta nova concepção
[teoria heliocêntrica].
Desaparece a idéia de força regendo o mundo, da lei
preestabelecida, da harmonia preconcebida, para dar lugar àquela
harmonia que Fourier anteviu um dia, e que é apenas a
resultante dos inumeráveis enxames de matéria,
caminhando e conservando-se mutuamente em equilíbrio.
(2001: 24)
Se antes o homem, por temor ao
desconhecido, tenta justificar as instituições e até
o poder de uns sobre os outros, a partir do momento em que se tem uma
reconfiguração de mundo – e de universo –, pode-se
asseverar que este temor deixa de ser elemento reconfigurante, o que
garantiria uma maior liberdade para este mesmo homem – e liberdade
passa a ser entendida não como algo concreto e reduzido, mas
elástico e amplo, onde se tem uma liberdade, que coloque o
homem acima (pelo menos como propósito) da imposição
de poderes proveniente do discurso filosófico-jurídico
reinante – e aqui me refiro à materialização
do capitalismo e a constante reificação do homem,
transformando-o em objeto de ganho, para um fim exploratório.
O
fato de estarmos imersos no social dá cabo à
justificativa desta transformação, visto que, desde o
momento em que o coletivo sente, ou sofre, uma mudança muito
drástica, todos os elementos desta colônia
sofrerão com isso. Portanto, cada elemento dessa colônia
deveria lutar para resolver os sofrimentos e desventuras de seu
grupo. O que afeta um, deve afetar a todos; isso é o que mais
se aproxima da solidariedade anarquista.
A grande questão que fica na
escrita de Kropotkin é a de que toda harmonia, desde que
aconteça, deveria existir de forma provisória. É
como se houvesse um estado de guerra constante, onde a vontade do
grupo só se mantém para transformar sua coletividade.
Há sim a cordialidade entre
as várias facetas da cultura, não significando,
contudo, que esta cordialidade se imponha. A maior cordialidade
estaria no reconhecimento da diferença e no convívio
com ela. Pensadas como mal-entendidos, estas diferenças impõem
um consenso chucro, determinando o suicídio conceitual da
própria cultura, desembocando, em menor grau, na patologização
da diferença.
Com relação à
aceitação de certa Doutrina, como sendo uma verdade
inquestionável e sagrada, pode-se dizer que, dos elementos
acima, dois entram em cena: 1) é o caso da criação
de identidade e, 2) da construção de uma cultura
bastante ideologizada – pois, disso depende a construção
simbólica desta cultura e de suas correlações –,
com forte respaldo numa ordem formal.
Não
podemos nos esquecer, portanto, que a própria noção
de cultura, dentre suas várias interpretações,
tem nesta construção ideológica sua
concretização, determinando uma memória coletiva
comum, e impondo certos
parâmetros de conduta. Vejamos, pois, como Cliffort Geertz em A
Interpretação das Culturas nos
informa sobre isso:
Outra implicação é
que a coerência não pode ser o principal teste de
validade de uma descrição cultural. Os sistemas
culturais têm que ter um grau mínimo de coerência,
do contrário não os chamaríamos sistemas, e
através da observação vemos que normalmente eles
têm muito mais que isso. Mas não há nada tão
coerente como a ilusão de um paranóico ou a estória
de um trapaceiro. A força de nossas interpretações
não pode repousar, como acontece hoje em dia com tanta
freqüência, na rigidez com que elas se mantêm ou na
segurança com que são argumentadas. Creio que nada
contribui mais para desacreditar a análise cultural do que a
construção de representações impecáveis
de ordem formal, em cuja existência verdadeira praticamente
ninguém pode acreditar. (1989: 13)
Todo
o passado da cultura passa a ser pensado, a priori,
antes de se tentar traçar
algum tipo de confirmação do objeto
homem e sua história.
Diferente
do Medievo, onde toda a explicação provinha de cima,
neste momento tenta encontrar cá embaixo
uma outra explicação plausível, e também
outros parâmetros de conduta e comportamento, sem, contudo,
desvincular-se totalmente desse éter, ser
impassível que sobrevoa a vontade do homem, mantendo-se acima
do mesmo, e que o coloca numa certa prisão psicológica
– como se percebe, há aqui uma discussão da teoria
copernicana, e, com base em especulações, como a mesma
poderia servir de subsídio à obra de Kropotkin.
Esta
discussão lembra a obra de Heráclito, em especial, o
estado de guerra que do Uno (Também chamado de
logos, palavra usada
para designar “palavra” ou, mais propriamente, “ação”
ou “estudo sistematizado”, ou dinâmica de organização
do elemento Saber, e foi uma das primeiras construções
conceituais que dizem respeito à busca pela verdade,
ou mesmo pelas origens – se bem que para os gregos do período
de Heráclito a noção de origem ainda é
algo um tanto quanto obscura, sendo portanto, muito pouco usada; há
sim a noção de retorno e de ciclo, jamais de começo,
daí a noção de eterna guerra entre os opostos:
do Uno há a divisão de dois pólos que, pelo
resto da eternidade se digladiariam para construir o saber) advém
para, em seguida, retornar a este Uno, para, noutro momento,
subdividir-se novamente.
Parece-me
uma teoria bastante coletivista, porquanto, dentro de um elemento
comum, a saber: a transformação e ajuda mútua,
uma vez que, em Kropotkin há a afirmação do
comunismo-anarquismo,
em que se imagina a tendência para a igualdade econômica
e política. Contudo, uma ajuda nem um pouco harmônica:
A harmonia aparece assim como
equilíbrio temporário, estabelecido entre todas as
forças, como uma adaptação provisória; e
este equilíbrio só durará com uma condição:
a de se modificar continuamente, representando em cada instante o
restante de todas as ações contrárias. (2001:
30)
Bibliografia Consultada
GEERTZ,
Clifford (1989). As Interpretações das
Culturas. Rio de Janeiro: LTC.
HERÁCLITO de Éfeso
(2000). Sobre a Natureza, tradução de José
Cavalcanti de Souza. PESSANHA, José Alberto. Pré-Socráticos.
São Paulo: Nova Cultural (Coleção Os
Pensadores).
KROPOTKIN, Piotr (2001). A
Anarquia: sua filosofia, seu ideal, tradução de
Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Imaginário
(Coleção Escritos Anarquistas).
Viva Para Ser de Novo...
A
concepção da linguagem como instrumento de formação
chegou hoje à sua concepção mais extrema. Quando
se reporta à palavra, o homem está dentro de sua
própria mutação, onde podemos mensurar, sempre a
possuindo. O curso dessa mutação não para tão
de repente. Isso se completa em outro local, onde há um
silêncio mais profundo.
Certamente, devemos admitir que a
linguagem, dentro de seu uso quotidiano, aparece como um meio de
compreensão, onde a mesma se encontra dentro das circunstâncias
mais comuns de nossa vida.
Somente existe dentro de outras relações mais
que as relações mais corriqueiras.
Goethe qualifica
estas outras relações de "mais profundas", e
diz, a propósito da linguagem: "Dentro da vida
quotidiana, nós nos arranjamos tão bem que mal
compreendemos a palavra que nos circunda, que não em outra situação, dentro de
significações superficiais. E a partir do momento em que
compreendemos estas relações mais profundas, uma outra
palavra faz sua apresentação: a palavra poética."
E a poesia corrobora com o humano que, nalgum momento, deixamos de ser. Ou voltemos a sê-lo, ou deixemos de existí-lo! Viva para ser de novo...
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