sexta-feira, 28 de setembro de 2007
Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio VI
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio V
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
A Evolução...
E a prosa..., será que já se esgotou, ou podemos reabrir o boteco?
Sobre o Conceito de História - Walter Benjamin
2) “Entre os atributos mais surpreendentes da alma humana”, diz Lotze, “está, ao lado de tanto egoísmo individual, uma ausência geral de inveja de cada presente com relação a seu futuro”. Essa reflexão conduz-nos a pensar que nossa imagem da felicidade é totalmente marcada pela época que nos foi atribuída pelo curso da nossa existência. A felicidade capaz de suscitar nossa inveja está toda, inteira, no ar que já respiramos, nos homens com os quais poderíamos ter conversado, nas mulheres que poderíamos ter possuído. Em outras palavras, a imagem da felicidade está indissoluvelmente ligada à da salvação. O mesmo ocorre com a imagem do passado, que a história transforma em coisa sua. O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente. O materialista histórico sabe disso.
3) O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente do passado. Isso quer dizer: somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa citation à l’ordre du jour (citação à ordem dos trabalhos) – e esse dia é justamente o do juízo final.
4) “Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário, e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo”. Hegel, 1807.
A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais. Mas na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como despojos atribuídos ao vencedor. Elas se manifestam nessa luta sob a forma da confiança, da coragem, do humor, da astúcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo dos tempos. Elas questionarão sempre cada vitória dos dominadores. Assim como as flores dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um misterioso heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta no céu da história. O materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação, a mais imperceptível de todas.
5) A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. “A verdade nunca nos escapará” – essa frase de Gottfried Keller caracteriza o pondo exato em que o historicismo se separa do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visa por ela.
6) Articular historicamente o passado não significa conhece-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes, como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.
7) “Pensa na escuridão e no grande frio Que reinam nesse vale, onde soam os lamentos”. Brecht, Ópera dos três vinténs.
Fustel de Coulanges recomenda ao historiador interessado em ressuscitar uma época que esqueça tudo o que sabe sobre fases posteriores da história. Impossível caracterizar melhor método com o qual rompeu o materialismo histórico. Esse método é o da empatia. Sua origem é a inércia do coração, a acedia, que desespera de apropriar-se da verdadeira imagem histórica, em seu lampejar fugaz. Para os teólogos medievais, a acedia era o primeiro fundamento da tristeza. Flaubert, que a conhecia, escreveu: “Peu de gens devineront combien il a fallu être triste pour ressusciter carthage” (Poucas pessoas o quanto foi necessário ser triste para reanimar Cartago). A natureza dessa tristeza se tornará mais clara se nos perguntarmos com quem o investigador historicista estabelece uma relação de empatia. A resposta é inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz tudo para o materialista histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento de barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.
8) A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que os seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica. O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX “ainda” sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história da qual emana semelhante assombro é insustentável.
9) “Minhas asas estão prontas para o vôo, Se pudesse, eu retrocederia Pois eu seria menos feliz se permanecesse imerso no tempo vivo.” Gerhard Scholem, Saudação do anjo.
Há um quadro de Klee que se chama Ângelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fecha-las. Essa tempestade o impede irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.
10) Os temas que as regras do claustro impunham à meditação dos monges tinham como função desvia-los do mundo e das suas pompas. Nossas reflexões partem de uma preocupação semelhante. Neste momento, em que os políticos nos quais os adversários do fascismo tinham depositado as suas esperanças jazem por terra e agravam sua derrota com a traição à sua própria causa, temos que arrancar a política das malhas do mundo profano, em que ela havia sido enredado por aqueles traidores. Nosso ponto de partida é a idéia de que a obtusa fé no progresso desses políticos, sua confiança no “apoio das massas” e, finalmente, sua subordinação servil a um aparelho incontrolável são três aspectos da mesma realidade. Estas reflexões tentam mostrar como é alto o preço que nossos hábitos mentais têm que pagar quando nos associamos a uma concepção da história que recusa toda cumplicidade com aquela à qual continuam aderindo esses políticos.
11) O conformismo, que sempre esteve em seu elemento na social-democracia, não condiciona apenas suas táticas políticas, mas também suas idéias econômicas. É uma das causas do colapso posterior. Nada foi mais corruptor para a classe operária alemã que a opinião de que ela nadava com a corrente. O desenvolvimento técnico era visto como o declive da corrente, na qual ela supunha estar nadando. Daí só havia um passo para crer que o trabalho industrial, que aparecia sob os traços do progresso técnico, representava uma grande conquista política. A antiga moral protestante do trabalho, secularizada, festejava uma ressurreição na classe trabalhadora alemã. O Programa de Gotha já continha elementos dessa confusão. Nele, o trabalho é definido como “a fonte de toda a riqueza e de toda a civilização”. Pressentindo o pior, Marx replicou que o homem que não possui outra propriedade que a sua força de trabalho está condenado a ser “o escravo de outros, que se tornaram... proprietários”. Apesar disso, a confusão continuou a propagar-se, e pouco depois Josef Dietzgen anunciava: “O trabalho é o Redentor dos tempos modernos... No aperfeiçoamento... do trabalho reside a riqueza, que agora pode realizar o que não foi realizado por nenhum salvador”. Esse conceito de trabalho, típico do marxismo vulgar, não examina a questão de como seus produtos podem beneficiar trabalhadores que deles não dispõem. Seu interesse se dirige apenas aos progressos na dominação da natureza, e não aos retrocessos na organização da sociedade. já estão visíveis, nessa concepção, os traços tecnocráticos que mais tarde vão aflorar no fascismo. Entre eles, figura uma concepção da natureza que contrasta sinistramente com as utopias socialistas anteriores a março de 1848. O trabalho como agora compreendido, visa uma exploração da natureza, comparada, com ingênua complacência, à exploração do proletariado. Ao lado dessa concepção positivista, as fantasias de um Fourier, tão ridicularizadas, revelam-se surpreendemente razoáveis. Segundo Fourier, o trabalho social bem organizado teria entre seus efeitos que quatro luas iluminariam a noite, que o gelo se retiraria dos pólos, que a água marinha deixaria de ser salgada e que os animais predatórios entrariam a serviço do homem. Essas fantasias ilustram um tipo de trabalho que, longe de explorar a natureza, libera as criações que dormem, como virtualidades, em seu ventre. Ao conceito corrompido de trabalho corresponde o conceito complementar de uma natureza, que segundo Dietzgen, “está ali, grátis”.
12) “Precisamos da história, mas não como precisam dela os ociosos que passeiam no jardim da ciência”. Nietzsche, Vantagens e Desvantagens da História.
O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida. Em Marx, ela aparece como a última classe escravizada, com a classe vingadora que consuma a tarefa de libertação em nome das gerações de derrotados. Essa consciência, reativada durante algum tempo no movimento espartaquista, foi sempre inaceitável para a social-democracia. Em três decênios, ela quase conseguiu extinguir o nome de Blanqui, cujo eco abalara o século passado. Preferiu atribuir à classe operária o papel de salvar gerações futuras. Com isso, ela a privou das suas melhores forças. A classe operária desaprendeu nessa escola tanto o ódio como o espírito de sacrifício. Porque um e outro se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, e não dos descendentes liberados.
13) “Nossa causa está cada dia mais clara e o povo cada dia mais esclarecido”. Josef Dietzgen, Filosofia social-democrata.
A teoria e, mais ainda, a prática da social-democracia foram determinadas por um conceito dogmático de progresso sem qualquer vínculo com a realidade. Segundo os social-democratas, o progresso era, em primeiro lugar, um progresso da humanidade em si, e não das suas capacidades e conhecimentos. Em segundo lugar, era um processo sem limites, idéia correspondente à da perfectibilidade infinita do gênero humano. Em terceiro lugar, era um progresso essencialmente automático, percorrendo, irresistível, uma trajetória em flecha ou em aspiral. Cada um desses atributos é controvertido e poderia ser criticado. Mas, para ser rigorosa, a crítica precisa ir além deles e concentrar-se no que lhes é comum. A idéia de um progresso da humanidade na história é inseparável da idéia de sua marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo. A crítica da idéia do progresso tem como pressuposto a crítica da idéia dessa marcha.
A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”. Assim, a Roma antiga era para Robespierre um passado carregado de “agoras”, que ele fez explodir do continuum da história. A Revolução Francesa se via como uma Roma ressurreta. Ela citava a Roma antiga como a moda cita um vestuário antigo. A moda tem um faro para o atual, onde quer que ela esteja na folhagem do antigamente. Ela é um salto de tigre em direção ao passado. Somente, ele se dá numa arena comandada pela classe dominante. O mesmo salto, sob o livre céu da história, é o salto dialético da Revolução, como o concebeu Marx.
15) A consciência de fazer explodir o continuum da história é própria às classes revolucionárias no momento da ação. A Grande Revolução introduziu um novo calendário. O dia com o qual começa um novo calendário funciona como um acelerador histórico. No fundo, é o mesmo dia que retorna sempre sob a forma dos dias feriados, que são os dias da reminiscência. Assim, os calendários não marcam o tempo do mesmo modo que os relógios. Eles são monumentos de uma consciência histórica da qual não parece mais haver na Europa, há cem anos, o mínimo vestígio. A Revolução de julho registrou ainda um incidente em que essa consciência se manifestou. Terminado o primeiro dia de combate, verificou-se que em vários bairros de Paris, independentes uns dos outros e na mesma hora, foram disparados tiros contra os relógios localizados nas torres. Uma testemunha ocular, que talvez deva à rima a sua intuição profética, escreveu: “Qui lê croirait! On dit qu’ irrités contre l’heure De nouveaux Josués, au pied de chaque tour, Tiraient sur lês cadrans pour arrêter lê jour.”
18) “Comparados com a história da vida orgânica na Terra”, diz um biólogo contemporâneo, “os míseros 50 000 anos do Homo Sapiens representam algo como dois segundos ao fim de um dia de 24 horas. Por essa escala, toda a história da humanidade civilizada preencheria um quinto do último segundo da última hora.” O “agora”, que como modelo do messiânico abrevia num resumo incomensurável a história de toda a humanidade, coincide rigorosamente com o lugar ocupado no universo pela história humana.
1) O historicismo se contenta em estabelecer um nexo causal entre vários momentos da história. Mas nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um fato histórico. Ele se transforma em fato histórico postumamente, graças a acontecimento que podem estar dele separados por milênios. O historiador consciente disso renuncia a desfiar entre os dedos os acontecimentos, como as contas de um rosário. Ele capta a configuração em que sua própria época entrou em contato com uma época anterior, perfeitamente determinada. Com isso, ele funda um conceito do presente como um “agora” no qual se infiltraram estilhaços do messiânico.
2) Certamente, os adivinhos que interrogavam o tempo para saber o que ele ocultava em seu seio não o experimentavam nem como vazio nem como homogêneo. Quem tem em mente esse fato, poderá talvez ter uma idéia de como o tempo passado é vivido na rememoração: nem como vazio, nem como homogêneo. Sabe-se que era proibido aos judeus investigar o futuro. Ao contrário, a Tora e a prece se ensinam na rememoração. Para os discípulos, a rememoração desencantava o futuro, ao qual sucumbiam os que interrogavam os adivinhos. Mas nem por isso o futuro se converteu para os judeus num tempo homogêneo e vazio. Pois nele cada segundo era a porta estreita pela qual podia penetrar o Messias.
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
A Evolução...
terça-feira, 18 de setembro de 2007
Seção: Resenhas
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
A Evolução...
domingo, 16 de setembro de 2007
O Limbo das Torres!
sábado, 15 de setembro de 2007
A Evolução...
Por outro lado, essa práxis só poderia ser pensada ao se conceber o homem e sua relação com a pólis. Os elementos dessa relação é que determinariam este caráter de antecipação e escolha prévia do homem. Só há uma antecipação prévia se houver um elemento de relação política e social. Em se estando fora da pólis, não haveria como pensar este homem dentro de uma relação lingüística que, em Hans-Georg Gadamer (1900-2002), um outro filósofo que se ocupava desta discussão, assume um caráter bastante prático e instrumental.
Artigo
E o que Marx tem a ver com isso!
Anos 60. Era de Aquário, no horizonte irradiavam perspectivas de mudanças. O rock não era só música, eram socos desferidos no sistema. Nunca a juventude fora tão engajada. As drogas tinham outros sentidos, um deles era o de buscar novos horizontes, novas percepções, criar um mundo novo com paz, amor e liberdade. Era o tempo em que se levássemos tapas, dávamos beijos. Era nossa maneira eficaz de combater a violência, a guerra que imperava num sistema em que as mercadorias valiam mais do que os seres que as produziam. Por isso fazíamos nossas próprias roupas e nos alimentávamos de comidas naturais. Contra a guerra, na época a do Vietnã, íamos para as ruas dizendo faça amor não faça guerra. Um dia, no entanto, uma das nossas mais eloqüentes vozes disse: o sonho acabou. E a guerra continuou. Os festivais passaram a ser pagos, o sistema passou a assimilar os protestos e devolvê-lo em forma de mercadorias. O rock, as roupas já não tinham o mesmo sentido, perdera a integridade. Nossos ícones, os que não morreram de overdose e de desilusão, viraram grandes empresários, celebridades do show business. O colorido revolucionário se findara. O lema paz e amor, já não dava mais certo, não tinha o mesmo impacto...
Com a crise do petróleo, a queda da máscara do bem estar social, com as mortes de Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, o escândalo de Nixon, a continuação da guerra do Vietnã..., formaram-se nuvens negras que cobriu todo o globo terrestre, esses foram os anos 70. Dos subúrbios abandonados surgiram ratos e baratas que passaram a causar estranheza e asco aos olhos dos habitantes limpos e chiques, acostumados ao chá das cinco ou a passearem de veleiro pela orla da praia. – Quem são essas pessoas esquisitas? – perguntavam. Ao contrário de roupas largas e coloridas, cabelos grandes e gestos pacíficos; usavam trajes negros com pontas de pregos e cadeados pendurados no pescoço, não discursavam e seus gestos eram agressivos, os cabelos pontiagudos pareciam quererem espetar o céu, um gentleman não poderia vê-los sem vomitar. Eles eram o lixo, punks, o resto da riqueza de poucos que começara a transbordar, eles não cantavam, eles berravam, eles não dançavam, eles lutavam. E o velhinho chamado capitalismo ficara tonto sem saber o que fazer, não dava para assimilá-los e depois vendê-los, por natureza, eles eram impermutáveis. Eles não pediam paz, eles queriam guerra, não pediam bom senso ao sistema, ele queriam destruí-lo e não tinham sonho, eles pisavam em chão de concreto e viam a realidade, no future era o que diziam, e diziam de uma maneira muito especial que era impossível não ouvir...
Nos tempos de Bin Laden, no vácuo deixado pelo World Trade Center, a mensagem dos punks continuam mais do que atual, diria, imprescindível. Punks de Genova e de Seatle, os inimigos nº 1 do G8. E por quê?
Atualmente, os olhos de qualquer pessoa lúcida se encontram fatigados de ver tanta imbecilidade e falsas comoções. Passamos todo o século XX vendo desgraças atrás de desgraças: Duas Guerras Mundiais, Guerra Fria, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo, da Bósnia, só para ficarmos em algumas das guerras declaradas, sem falarmos do morticínio africano, dos países abaixo da linha de miséria, vítimas de um sistema desigual e excludente que separa cada vez mais os extremos. Parece que nos acostumamos com as mortes dos miseráveis, não obstante, quando quem morre são os donos do poder, aí sim nossa comoção tem que ser evidenciada, torna-se até uma norma de etiqueta, extremamente necessária e recorrente.
Nesse momento aparecem os shows beneficentes, os apelos indignados e exortações em prol da paz, tudo isso enoja qualquer possuidor de um estômago ético. Clamores pela paz? Mas se das nossas relações sociais só advém ódio, intolerância, ignorância, fundamentalismos, tanto ocidental, quanto oriental, pedir paz é demagogia barata. Os executivos que morreram (eu sei não foram só executivos, havia também trabalhadores) no atentado merecem comoção sim, mas não mais que as criancinhas africanas que morrem de desnutrição há décadas.
Podem dizer: não há explicação para pessoas que se matam para matar outras pessoas. Será que não? Será que morrer de uma só vez acreditando ou não que tal fim leva a vida eterna não é mais sedutor do que morrer de fome vendo a miséria de seu povo? É preciso evitar os julgamentos apressados, aliás, se não tivemos a experiência da miséria, da degradação humana, estado esse em que é impossível ser ético, dever-se-ia evitar os julgamentos, os discursos morais; quem nunca passou fome, ou viu seu filho morrer à míngua sem nada poder fazer não deve pensar que é um absurdo morrer com uma bomba amarrada ao corpo.
Não estou defendendo os grupos fundamentalistas, longe de mim, mas também não posso digerir essa demagogia podre proliferada pela CNN. Não cabem mais canções pacíficas e bandeiras brancas cobrindo os bombardeios a um povo sem perspectivas, não se pode esconder que o terror começou no dia seguinte do atentado ao World Trade Center, o terror vem do ocidente, não do oriente. E o brado que devemos proclamar não é melodioso e nem suave, é agonizante e estridente.
É por isso que eu prefiro os Punks aos Rippies.
Evidente que cada um cumpriu seu papel histórico e foi a resposta política mais eficaz em seus tempos, no entanto, a conjuntura atual merece um enfrentamento na mesma proporção, a estratégia tem que ser também a guerra, guerra ao verdadeiro mal que nos corrompe... O momento pede punhos fechados e não a paz ideológica.
E o que Marx tem que ver com isso?
Não é preciso ser um gênio para descobrir que o verdadeiro interesse dos EUA não é caçar os responsáveis pelo atentado do World Trade Center, Bin Laden e Cia., aliás, isso ainda nem foi provado. Basta sabermos que os patrocinadores da campanha pseudovitoriosa de Bush (pois quem ganhou por larga vantagem foi Gore), foi a Indústria Bélica estadunidense, somado a isto, acrescentemos a crise de superprodução mundial (recessão), e teremos bons motivos para crermos que a invasão ao Afeganistão e, a seguir ao Iraque, além de ser a ocupação de territórios geopolíticos estratégicos, trata-se de um reaquecimento da economia mundial. O atentado terrorista, nesse sentido, foi apenas um álibi, um fator legitimador para o que veio a seguir. Resta apenas esclarecer se tal atentado foi obra realmente da Al-kaeda o que, sinceramente, chego a sentir arrepios de dúvida, pois é tão favorável ao neoimeperialismo estadunidense que não seria improvável um acordo tácito entre Bush e Osama. Lembra-se do Rambo III? Foi a CIA que treinou Bin Laden.
Numa economia capitalista em crise orgânica, no caso recessão, que se trata de mercadorias em excesso no mercado. A pergunta a ser feita é por que e como ocorre o excesso? Por que produziríamos mercadorias sabendo-se que não há consumidores para elas? Primeiro, nem sempre podemos saber, pois a economia segue as leis de mercado e não a necessidade real dos consumidores, aliás, necessidade deixou de ser, há muito tempo um indicador de consumo. É a produção que cria o consumo e quase sempre o consumido não é necessário. E a produção não é pensada racionalmente, como disse acima, é regida pelas leis de mercado que seguem uma única regra: a do lucro.
O lucro, por sua vez, tem que ser sempre aplicado na produção ou no mercado especulativo, mas tem que ser aplicado, tem que virar capital. Como sabemos, graças ao vovô Marx, o lucro advém da força de trabalho, assim com o progressivo avanço tecnológico, as máquinas, cada vez mais, ocupam o lugar do homem na produção, mas não é possível extrair mais-valia das máquinas, se pagam por elas o real valor, conseqüentemente, quanto menos trabalho humano na produção, mais desemprego, mais miséria, menos consumidores, mais mercadorias e menor a taxa de lucro. O lucro advém do trabalho humano explorado, as máquinas não podem ser exploradas, se pagam por elas exatamente o que elas produzem, conseqüentemente, a exclusão aumenta em igual proporção em que as mercadorias se acumulam. É uma contradição inerente do sistema capitalista que gera a falência das empresas pequenas e médias que perdem na corrida tecnológica para os grandes oligopólios e são compradas por estes que, passam, assim a conseguir o lucro na comercialização de produtos exclusivos (monopólio) ou através de acordo firmado entre as grandes multinacionais (cartéis). Garante-se, desse modo, uma margem alta de lucro (diferentemente da taxa de lucro que decresce). Tal perspectiva debilita ainda mais o poder de compra do consumidor limitando ainda mais o mercado até chegar à superprodução.
Nessa etapa há duas escolhas preponderantes: ou se efetiva uma transformação social e econômica radical, mudando os rumos da economia, da perspectiva do lucro, para o das necessidades efetivas ou se faz uma destruição do excesso das mercadorias, destruindo-as da maneira mais lucrativa, eliminando o excedente, injetando sangue novo (e inocente) no mercado com a guerra. Perdoe-me o trocadilho, mas foi inevitável, ao contrário da guerra que seria sempre evitável em uma economia que visasse o bem estar de todos, que fosse racional. Todavia, em uma estrutura social onde impera o lucro e a irracionalidade do mercado, as guerras serão sempre válvulas de escape da crise, conseqüência necessária para a manutenção de um sistema irracional e injusto, dir-se-ia o maior terror que pode haver, um terror camuflado de bandeiras brancas e lenços úmidos visto por milhões de pessoas nos veículos de comunicação, vide CNN, BBC e Globo.
É nessa perspectiva que defendo as ações anarquizantes dos punks. As atitudes que não são niilistas e que provém de uma juventude consciente de seu papel atual na sociedade, uma parcela da sociedade que ainda não foi contaminada pelas desilusões das gerações passadas, e talvez consista no único combustível desse novo milênio capaz de reacender a chama revolucionária há muito extinguida. Não bastam reformas parlamentares, trocar candidatos de direita pelos pseudoesquerdistas, é só vermos o caso inglês. É preciso destruir as estruturas carcomidas desse mundo e construir um novo. E para galgarmos esse novo horizonte, os gestos de paz e amor terão poucos resultados satisfatórios, é preciso cerrar os punhos e entendermos que a introjeção do lema faça você mesmo é mais eficaz do que esperarmos as próximas eleições ou a justiça de um mundo alicerçado em injustiças.
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
A Evolução...
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Seção: Resenhas
Que tal um livro que tem 782 páginas escritas no momento e no local onde ocorria a Segunda Guerra Mundial? O que você diria se o autor ao contrário do que deve estar pensando, tivesse participado ativamente da Guerra, inclusive sendo preso em combate? E o que você pensaria se soubesse que o livro não é um diário de Guerra, mas um verdadeiro “tratado” de ontologia? Espantado? E se eu dissesse que neste livro discute-se nada mais nada menos do que as filosofias de Hegel, Husserl e Heidegger, com algumas pitadas de Descartes, Marx, Kant e alguns outros da mesma espécie. Incrível?
Este livro chama-se O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Nesta obra, Sartre faz um estudo sobre o Homem e seus vários modos de ser, fazer e ter no mundo. Para isso, constrói os conceitos do Ser-Em-Si, do Ser-Para-Si e do Ser-Para-O-Outro, tentando abarcar todas as múltiplas realidades humanas.
Em O Ser e o Nada ele utiliza a fenomenologia procurando compreender o Homem e a sua realidade humana em termos ontológicos. Realçam-se aí seus estudos sobre a consciência, pois, para Sartre, o ser se define pelo seu transbordar-se para fora de si em busca de... O ser se mostra por aquilo que ainda não é. Nesse sentido, o ser é negação do ser, é um ser que se lança para o futuro, e sua consciência por ser indeterminada é o nada, a nadificação do ser, a característica fundamental da liberdade humana, o ser é o que não é e não o que é, ou seja, é um Ser-Para-Si, um ente que nega e se supera. Para quem deseja refletir sobre a condição humana de maneira profunda e instigante, O Ser e o Nada é uma leitura obrigatória.
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio IV
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio III
Isso é viver em sociedade... gostemos ou não!!
Seção: Filosofia de Boteco - Clio Ébria IV
O futebol no Brasil é mais que um simples entretenimento. Ele é por vezes tido como uma das chaves interpretativas para se entender aspectos da cultura brasileira. E não sem motivos, haja vista a importância da democracia corintiana no contexto das diretas já, a paralisação das atividades econômicas na Copa do Mundo, as comemorações carnavalescas, o uso ideológico que se faz dele e a repercussão que um simples fato futebolístico pode ganhar ultrapassando assuntos como a política que nos afeta diretamente.
Como se explica esta paixão do brasileiro pelo futebol? Muitos dirão, mas não é só o brasileiro que é um apaixonado, veja os ingleses, os italianos... Concordo, mas é preciso analisar os significados dessas paixões. O inglês, por exemplo, é um fanático por futebol, mas é de uma maneira completamente diferente. Para os ingleses, em geral, o futebol é a maior e melhor diversão, mas isto não invade sua vida privada, saindo do pub, o inglês volta para sua vida normal. Não dá para imaginar um comerciante inglês que deixa de vender sua mercadoria para um jogador porque este fez seu time perder, como já aconteceu e ainda acontece no Brasil variáveis disto. As vidas profissional e particular são plenamente separadas entre os ingleses, a exceção de alguns marginais que existem em todo o lugar e que fazem do futebol não só uma válvula de escape, mas um espaço de transgressão e liberação de seus instintos selvagens. Na Inglaterra, ir ao estádio é um passatempo desestressante e alienante, mas é um momento de final de semana. O inglês consegue torcer ativamente a vida inteira para um time sem que ele nunca tenha sido campeão, comparecendo aos jogos religiosamente. Para eles isso é possível porque suas frustrações não são grandes o suficiente ao ponto de necessitar de algo para colocar no lugar de sua vida real. Pelo menos não em regra.
Já para os brasileiros, em grande parte, o futebol é utilizado para compensar as frustrações e infelicidades de sua vida social, assumindo um lugar que geralmente é ocupado pela política e economia em outros países. Mesmo com a atual decadência da seleção nacional, não só futebolisticamente, mas nacionalmente, devido à venda dos jogos da seleção para grupos estrangeiros que detém o direito de marcar os amistosos em qualquer lugar do mundo – estamos há quase 6 anos sem que a seleção brasileira se apresente oficialmente no país! Sem falar, do grande êxodo de jogadores brasileiros – A maior tragédia do futebol nacional nas palavras de Paulo Vinícius Coelho. E não se esquecendo que cada vez mais as crianças brasileiras adotam times estrangeiros para torcer, devido a este êxodo de craques. Mas mesmo com a incapacidade da CBF em aproveitar melhor esta paixão que ainda é grande mas está diminuindo, pois, permite inerte que isto aconteça, porque pensa mais nos contratos lucrativos (curto prazo) do que com a continuidade da própria lucratividade do futebol brasileiro (longo prazo), pois como a seleção brasileira pode sobreviver sem os craques que os clubes brasileiros revelam e tão logo já estão jogando na Europa? Alexandre Pato foi vendido para o Milan antes que completasse 18 anos e antes de jogar pelo menos vinte jogos pelo Internacional. O time que o revelou e que pouco ganhou com a sua venda. Mesmo com todos estes problemas envolvendo a paixão nacional, a escalação da seleção brasileira é mais esperada do que a nomeação de ministros pelo presidente. Já virou clichê a frase de que o brasileiro sabe a escalação de seu time, mas se esquece em quem votou logo depois das eleições. Infelizmente isso continua válido. Portanto, o futebol brasileiro é sim um aspecto importantíssimo para se compreender a cultura brasileira, goste disso ou não!
Seção: Filosofia de Boteco - Clio Ébria III
O conceito identidade, seguramente, é uma das categorias mais utilizadas e de sentido mais fluído. Do ponto de vista lógico, identidade significa uma relação de semelhança. Já de uma perspectiva antropológica, pode expressar uma vivência entre pessoas que compartilham experiências comuns. Nesse sentido é que podemos falar de uma identidade latino-americana ou de uma identidade regional qualquer. Nesse último exemplo associa-se a noção de identidade ao de costume típico de uma determinada região ou de um povo.
O que podemos acrescentar à discussão de Dionísio é que a identidade de um indivíduo, por exemplo, - se é que se pode dizer isto, posto que, o que se constata numa dinâmica social são identificações flexíveis em todos os níveis da sociedade -, se forma em contraposição com o(s) outro(s). Nas palavras de Sartre: “... o outro me ensina o que sou.” ( Ser e o Nada, p. 352). É com base na interpretação (gestual, imagética, etc.) do(s) outro(s) que construo o que sou, ou seja, é a partir de um convívio social efetivo, estabelecendo relações com aqueles diferentes de mim que defino a minha identidade.
Outro ponto a se destacar é que o conceito de identidade deve ser usado com cautela, pois efetivamente existem identificações, ora com uns ora com outros, vez ou outra com situações que com o tempo tornam-se práticas comuns e costumes típicos. Assim sendo, sou brasileiro porque tenho traços comuns com outros que também são considerados brasileiros e que juntos formamos num determinado espaço e tempo, uma sociedade. Uma identidade por mais fixa e constante no tempo e no espaço jamais pode ser interpretada como uma espécie de homogeneidade ou padrão. Para ilustrarmos bem o desvelo que devemos ter com o conceito identidade, este deve estar em constante relação com o de diversidade. É na diversidade que se formam as identidades e, ao mesmo tempo, é partir de algo em comum, o estatuto humano, que conseguimos impor nossas particularidades.