quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Odisseu e os Deuses: uma Luta por Valorização




O filme Odisseia narra a aventura de Odisseu, herói grego, após a Guerra de Tróia, e como ele enfrenta a fúria dos deuses, perigosos inimigos e monstros mitológicos e, sempre com a proteção de Atenas, se dá bem, demonstrando bravura e resistência para retornar à Penélope.

O mais interessante na película é justamente esta condição contraditória de Odisseu que, apesar de criticar os deuses e sua condição de intromissão na vida dos homens, tem sempre o auxílio de Atenas. Ademais, ele se envolve emocionalmente com algumas deusas e acaba se saindo bem.

Assim, quando um homem desafia os deuses, e quando este homem resolve bancar este desafio, temos caracterizado uma das maiores virtudes da Grécia Antiga, versado por Nietzsche como uma das maiores revoluções e herança, advindas dos gregos, especificamente no período histórico chamado pelos historiadores de pré-Arcaico, ou Idade das Trevas Gregas, ou ainda, Idade Dórica, momento em que supostamente viveu Homero e que, conforme a Wikipédia: “A Idade das Trevas na Grécia (c. 1200 a.C.-800 a.C.) refere-se ao período da pré-história grega cujo início tem lugar a partir da suposta invasão dórica e do final da civilização micênica no século XI a.C. e cujo fim é marcado pela ascensão das primeiras cidadeséstados gregas no século IX a.C., pela literatura épica de Homero e pelos primeiros registros escritos a utilizarem o alfabeto grego, no século VIII a.C.[1], período em que os deuses, constantemente, intervinham na vida das pessoas.

Este homem, ao fazer este ato desesperado de coragem, em busca de um ideal (o retorno à casa e aos braços de sua amada esposa), apresenta toda a astúcia daqueles que, outrora, jamais deixavam que os deuses os conduzissem, embora a figura de Atenas esteja sempre ao lado de nosso herói.

E isso acontece quando há amor ao destino, ou como diria Nietzsche em A Gaia Ciência, amor fati. Este ato de amar aquilo que lhe é proposto pelos deuses (um castigo às bravatas que Homero faz o tempo inteiro, questionando os deuses e, ao mesmo tempo, sendo protegido por Atenas), no entanto, sem que isso se torne um castigo, uma punição ou uma prisão. Situação que faz de Odisseu, como também de Édipo e Prometeu, heróis dentre os medíocres.

Enquanto todos acatam os desmandos dos deuses de uma forma apática e sem questionamento, tanto Odisseu como Édipo faz deste destino uma forma de desafiar quem os colocou nessa situação, mostrando aos deuses que a existência deles está diretamente ligada à crença que os mortais neles depositam.

Assim, o amor fati é o amor ao necessário, não permitindo que o destino (empreendido pelos deuses) seja um empecilho para a consecução das obras que este grande homem faz, ao mesmo tempo em que é prejudicado por aqueles que, diretamente, tentam intervir em sua vida. Além do mais, há um outro conceito, também forjado por Nietzsche, que nos revela mais algumas ideias do que seria este desafio.

Um conceito que, diferente do amor fati (e que este último nos remete ao conceito que Nietzsche chamou de eterno retorno do mesmo) também nos dá pista de como era a personalidade de homens como Odisseu – é como se a vida sempre aqui estivesse, suas dores e seus sabores também, algo que com a presença do homem, ou não, faz dos seres, sejam quais forem, imortais na mortalidade do corpo –, onde a vida segue seu percurso sem que interrupções mais bruscas aconteçam; é o conceito de Individuação. Este outro conceito, mais voltado para os gregos, se encontra no livro O Nascimento da Tragédia: “O homem, alçando-se ao titânico, conquista por si a sua cultura e obriga os deuses a se aliarem a ele, porque, em sua autônoma sabedoria, ele tem na mão a existência e os limites desta.” (NIETZSCHE, 2000: § 9)

Ao desafiar os deuses Odisseu mostrou a eles que o homem, apesar de estar preso ao destino de seguir os deuses, pode fazer seu próprio caminho, nem que para isso ele passe pelos mais terríveis sofrimentos, como realmente aconteceu.

Um outro mito que Nietzsche apresenta, para justificar sua teoria é o de Prometeu: por ter roubado o fogo (sinônimo de conhecimento) de Zeus e dado aos mortais, foi condenado a ter seu fígado estraçalhado por uma águia todos os dias e, de novo no dia seguinte, o fígado ressurgiria, para novamente ser estraçalhado pela águia; e assim, por toda a eternidade. Prometeu é considerado aquele que alimentou o homem de sabedoria e o colocou em eterno confronto com os deuses.

Enfim, ao estudarmos a trajetória de Odisseu, e outros mitos a ele relacionados, estamos mostrando o lado contraditório do homem e, ao mesmo tempo, sua grandiosidade; devido justamente este lado contraditório. O homem, neste contexto, sabe exercer sua humanidade e nos mostra que, mesmo na mortalidade, podemos ter, e apresentar, personalidade e habilidades de deuses, principalmente no que se refere a forma como lidamos com o sagrado.


[1] Disponível online: http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_das_Trevas_(Gr%C3%A9cia), acesso em 10/11/2011.

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